Bevan - O Divino Império - Capítulo 17
Pietro não entendia como algo assim tinha acontecido. Alguém desaparecer bem diante de seus olhos daquela forma, era demais para acreditar. Então ele supunha que o velho poderia ter se escondido em algum lugar do beco, ou talvez tivesse entrado por alguma passagem secreta.
“Sim! Com certeza foi isso que aconteceu, não é possível que tenha se… teletransportado”, refletiu sorrindo, percebendo o absurdo que era pensar em algo assim.
Convicto daquilo, começava a procurar pelo lugar, pois estava disposto a encontrar o velho. Não entendia o porquê disso, mas ainda assim tinha que fazer. Procurava debaixo de algumas latas de lixo uma passagem secreta — se questionando do por quê algo como isso existe nesse mundo. Já que, era suposto que ele tinha voltado para a idade média.
Olhava dentro de cada uma das latas. Também verificava as paredes ao redor delas, queria ter certeza. Mas, para seu infortúnio, não encontrava nada. Não importava quantas vezes procurava, mesmo usando seus poderes.
Por fim, desistiu de procurar por aquele homem. Pensava que, enquanto estivesse morando naquela cidade, teria outras chances de encontrá-lo e não esqueceria a sensação que teve ao vê-lo.
Já era tarde da noite e ele precisava de algum lugar para descansar, então decidiu voltar e procurar uma pousada.
Caminhava bem devagar, refazendo seu caminho da praça até aquele beco. As ruas já estavam quase desertas e bastante escuras, um pouco iluminadas pela Lua e ao final dela, um brilho irradiava.
Estava intrigado com tudo que tinha acontecido, não conseguia aceitar os fatos. Quando estava quase chegando a praça, foi surpreendido pelos gritos da multidão. Pietro pensava que eles já tinham ido embora, mas, na verdade, ainda estavam lá assistindo ao repudiante espetáculo de execução.
Era doloroso e lhe causava enjoo ver aquilo. Eles continuavam vibrando e isso causava sentimentos ruins em seu peito, revirando o estômago fazendo-o querer vomitar. Caminhava o mais longe possível daquelas pessoas, mas mantendo proximidade suficiente para seu propósito.
Ele tinha de entrar em contato com alguém que pudesse responder algumas de suas perguntas. Parecia uma tarefa difícil, mas ele estava confiante que conseguiria fazê-la. Depois de caminhar por algum tempo e quase chegar ao final da praça, ele via uma mulher de meia idade.
Ela não parecia tão velha como o senhor de antes, mas parecia estar perto da terceira idade. Usava um vestido longo de cor verde claro e sandálias de couro, também estava vestida num avental com um logotipo bordado.
Enquanto se aproximava dela, tentava consertar seu rosto e esboçar um sorriso gentil. Aquela seria sua única chance, pois ela não estava misturada com as outras pessoas, apenas assistia de longe e isso fazia parecer que não concordava com aquilo. E nesse momento, Pietro sentia total repúdio de todas aquelas pessoas.
— O…Olá! Boa noite — balbuciou. — Me chamo Pietro. Se não for incômodo, gostaria de pedir uma informação para a senhora.
— Oh! Meu querido, mas é claro! O que gostaria de saber?
— A senhora sabe de u…
— Mas esse mundo tá perdido, né? — perguntou. — Tadinha das crianças, as via brincando todos os dias — continuou ela, balançando a cabeça, repleta de cabelos brancos.
— Realmente, a cada dia o mundo fica mais e mais perigoso — falou Pietro, pretendendo, agora, saber mais que a localização de uma pousada.
No início, o garoto só queria uma simples informação de como chegar à pousada mais próxima e como encontrar um emprego. No entanto, vendo como a senhora era muito comunicativa, pensou que poderia conseguir mais do que isso.
— A senhora sabe o que de fato aconteceu? — indagou.
— Meu filho, eu até sei, mas aqui não é lugar para conversarmos — respondeu virando-se de costas e começando a caminhar.
Pietro a seguia por alguns metros em silêncio. Sentia que não deveria perguntar nada e que ela falaria quando sentisse que devia. Mas, ele não se sentia seguro, então fez preparativos para se defender caso fosse uma emboscada.
Ela caminhava em direção a uma rua um pouco distante da avenida principal. Durante o percurso, percebia que cada vez mais o movimento ia diminuindo, mas não entendia o porquê. Apenas algumas pessoas vestidas em armaduras e carregando armas trilhavam aquela via.
Quando enfim entraram nela, a mulher falou: — aquelas pobres crianças morreram pela falta de vergonha dos nobres desta cidade. Eles pensam que podem fazer tudo já que, vossa majestade, o príncipe, os defende para o Rei.
— Então… àquelas pessoas morreram por capricho de um nobre?
— Não, não! Eles morreram por se amarem. O nobre em questão é o herdeiro do clã Logis, que se apaixonou por uma plebéia e a queria a todo custo. No entanto, ela era apaixonada e fiel a seu marido e família, então, era óbvio que rejeitaria o nobre.
A mulher parou após dizer aquelas palavras, retrocedeu alguns passos e dando um tapa nas costas do garoto, curvaram-se para um soldado cavaleiro que passava pela rua. Pietro olhou para seu rosto, enquanto curvada, esboçava nojo e ódio.
Após o cavaleiro passar, voltaram a caminhar mais alguns passos em silêncio. Quando já estava um tanto distante do oficial, ela continuou dizendo:
— É claro que o nobre não aceitou aquilo. Ele tentou de todas as formas possíveis conquistá-la, deu-lhe jóias, roupas, calçados, perfumes e até mesmo enviou-lhe alimentos que ela nunca poderia sonhar em consumir. Entretanto, os presentes eram sempre devolvidos no dia posterior à entrega.
Ela falava como se visse em primeira mão essas coisas acontecerem. Contudo, aquilo estava começando a ficar claro para Pietro, o nobre foi rejeitado e com raiva mandou matar a mulher e sua família. Ele só não entendia por quê a igreja compactuava com isso.
— Pensei que a razão deles terem morrido era o nobre, mas e pensar que seu marido e cunhado eram do culto demoníaco — murmurou balançando a cabeça em negação.
“Calma… Quê? Ela acredita que eles tinham relação com o culto demoníaco…?”
— É… Aliás, o que é o culto demoníaco? — perguntou Pietro.
— Você não sabe?
Pietro balançou a cabeça em negação e completou: — Na vila que eu morava, nunca ouvimos falar disso.
— Entendo, então você é do interior… De forma simples, eles são um grupo de pessoas que adoram o demônio. Dizem que esse demônio está no mesmo nível de poder que o deus Apolo.
“De fato, a decisão de conversar com ela foi certa”, refletia enquanto olhava os estabelecimentos ao redor.
— Chegamos.
— Como assim chegamos?
— Você iria pedir informações sobre uma pousada para passar a noite, certo? Aqui estamos, essa é a pousada da minha família, a pousada Raio Solar.
Pietro apenas sorria enquanto pensava no quão astuta era àquela senhora. Eles entraram e o garoto ficou encantado com a beleza da pousada. Uma grande sala de jantar com mesas de madeira com ornamentos tribais talhados faziam contraste com as decorações na parede: um pequeno Sol e animais, também esculpidos na madeira.
A senhora lhe ordenava sentar numa mesa, pois iria servir algo para comer. Depois ia apresentar os quartos e discutir o contrato de aluguel. Enquanto comia, a mulher reclamava sobre o calor que estava fazendo nos últimos dias, Pietro apenas balançava a cabeça concordando com a mulher.
— Ai ai! — exclamou com tom de decepção. — A cada dia que passa a Igreja se torna mais e mais corrupta. Não deveriam ser eles o ponto de apoio para nós?
O garoto estava assustado por não ter notado o homem que disse aquelas palavras, se aproximando. Mantinha-se alerta enquanto não via o homem. Estava preparando um ataque, medindo sua distância pelo barulho que seus passos faziam.
Contudo, quando seus pés cruzaram a escuridão de um corredor que ficava ao lado da escadaria que levava ao segundo andar, a mulher cerrou os punhos e os dentes. A expressão que antes parecia surpresa, agora virou raiva.
— José! — gritou. — Seu desgraçado, salafrário, mentiroso de uma figa.
Cuspiu essas palavras e bateu as mãos na mesa, levantando-se de forma brusca, derrubando a cadeira que estava sentada. Correu na direção do homem enquanto alongava um braço — estava decidida a derrubá-lo com um tapa. Entretanto, quando chegou a um passo de distância dele, passou o braço por seu pescoço e o agarrou.
— Eu estava com saudades! Pensei que tinha morrido. Por que não chegou na hora que prometeu?
O homem gargalhou, de novo, demonstrando sua voz grave, e então falou:
— Desculpe, desculpe! Tive complicações na missão de hoje, pois a masmorra era mais perigosa do que parecia.
Um homem alto, pele negra, cabelos brancos e inúmeras cicatrizes nos braços acariciava a mulher que parecia bastante abalada. Ela tentava abraçá-lo por completo, mas sua armadura e corpo musculoso a impediam.
— Esse lugar tá ficando cada vez mais perigoso. Já não basta os constantes ataques de monstros, agora tem masmorras no meio da cidade com níveis de dificuldade absurda. O que aquela igreja está fazendo? Bando de inúteis — replicou a mulher.
— Márcia, querida, calma. Não está fácil pra ninguém. Tenho certeza que eles também tem seus problemas.
— Ah claro! O único problema que eles têm é escolher famílias pobres para executar e culpar o culto demoníaco. Que se fodam! O culto, ao menos, não mata inocentes.
Mesmo que estivessem discordando um do outro, pareciam um casal muito feliz. Aquilo fazia Pietro pensar em sua namorada. Não sabia onde ela estava, nem se estava bem e, mesmo não querendo pensar nisso, se ela estava viva. Mais uma vez com o coração apertado, ele se forçou a sorrir. Precisava parecer bem.
— Sim, sim! É mesmo. Querido, esse é o nosso novo inquilino, amanhã vocês podem conversar. Por hora, vamos dormir.
A mulher subia sorridente as escadas indo ao segundo andar. O homem apenas o olhava de uma forma que ele entendia, sem precisar de palavras, que era para segui-la, pois o levaria até seu quarto. E assim o garoto fez.
O quarto não tinha nada de especial ou extravagante. Uma cama, um guarda-roupa e uma escrivaninha. Simples e confortável, ele não podia querer mais. Sem cerimônias, ele apenas entrou e foi dormir.
Αγγελος
O dia começava cedo na grande Sodoma. Com os primeiros raios de Sol da manhã e o badalar dos sinos, feito pela igreja, as pessoas já começavam suas atividades. Na pousada não era diferente.
Pietro descia as escadas caminhando na mesma direção da mesa que tinha sentado na noite anterior. Após se sentar, assim como os outros, comeu o que foi preparado pela Sra. Márcia. Enquanto comia, um homem acomodava-se à mesa.
— Bom dia, garoto.
— Bom dia, senhor.
O esposo da dona da pousada tinha começado a comer em silêncio, fazendo a situação ficar ainda mais desconfortável para o garoto. Entretanto, aquela poderia ser uma boa oportunidade de descobrir como ganhar dinheiro naquela cidade.
— Sr. José, posso perguntar algumas coisas para o senhor?
Sem parar de comer, o homem balançou a cabeça confirmando. O garoto estava preocupado em como as pessoas reagiriam a suas perguntas, ele não conhecia nada desse novo mundo e tinha medo de fazer perguntas que o fizessem parecer suspeito.
— Gostaria de saber como posso ganhar dinheiro. Ontem o senhor citou as masmorras, por acaso esse é um trabalho para algo similar a aventureiros?
O homem manteve o silêncio até terminar sua sopa e pão. Quando terminou, caminhou até a porta e disse: — Se também terminou de comer, me siga.
Ele não tinha terminado ainda, mas mesmo assim seguiu o homem. Eles começaram a caminhar indo em direção à segunda parte da avenida principal, que ficava depois da praça onde ocorria execuções.
— Você me perguntou sobre como ganhar dinheiro e pelo que vi, está interessado em ser um aventureiro. Garoto, tem certeza que deseja seguir esse caminho? O exército não é um lugar fácil, você pode morrer.
“Parece que as coisas não são tão simples. Suponho que algo deve estar acontecendo nesta cidade e ele sabe de algo.”
— Acredito que esse seja o melhor emprego que eu possa conseguir, ou o que mais se adapta às minhas capacidades — respondeu com um sorriso irradiante.
O homem parou por um momento, mudo. Sua garganta travava, não conseguia dizer nada. Lágrimas tentaram sair de seus olhos que estavam baixos, preocupados. O homem de relance viu a imagem de um outro garoto quando olhou mais uma vez o sorriso de Pietro.
Querendo fugir daqueles sentimentos, forçando uma tosse, ele falou: — Tudo bem já que você está decidido. Mas, caso mude de ideia, também tem a guilda dos alquimistas e os vermes da igreja.
— Estou bem sendo um aventureiro. Por favor, me ensine como me tornar um.
— Você tem sorte garoto, hoje começa a seleção para novos aventureiros. Vejamos se você tem as qualificações para fazer parte daquele grupo.
Após instigá-lo com essas palavras, eles continuaram a caminhar indo em direção a um edifício grandioso que era possível ver ao final da rua.
“Vamos começar! Está na hora de colocar o plano em prática.”