Bevan - O Divino Império - Capítulo 16
Depois de caminhar por mais algumas horas, Pietro chegou até Sodoma. Sua primeira impressão da cidade, vista de longe, foi que ela era perfeita. Muros gigantes a cercavam, possibilitando ver apenas as grandes construções que os transpassavam.
Aquele pequeno vislumbre o fez querer chegar ainda mais rápido na cidade. Pensou que, se as poucas construções grandes já eram incríveis, as outras também iriam ser.
— É linda! Tão incrível quanto as cidades históricas que vovô me contava — murmurou enquanto caminhava.
Acelerava os passos para chegar mais rápido ao local. Quando chegou, foi interrogado por guardas que estavam protegendo a entrada da cidade. Aquele rapaz, para os soldados, era um indigente, pois não tinha como provar sua identidade.
Se sentiu encurralado pelo imprevisto de algo tão banal quanto uma identificação, e isso o impediu de entrar na cidade, não tinha ideia que a falta de uma, poderia trazer tantos problemas. Então estava pensando em uma desculpa que poderia dizer aos guardas.
— Sou de uma vila remota. De onde venho, não fazemos identidades, portanto não tenho uma.
“Christina não avisou sobre isso. Se eu fosse burro, com certeza estaria morto agora”, refletiu enquanto seu corpo era revistado física e magicamente. Após ser liberado, ele entrou e foi andar pelas ruas da cidade, sem se preocupar com as pessoas dirigindo olhares estranhos para ele.
“Agradeço bastante aqueles monstros, Khucas, por terem me dado esse poder. É incrível o que essa habilidade pode fazer”.
Algumas horas antes de chegar naquele lugar, de onde era possível ver a magnífica cidade, Pietro descobriu uma nova habilidade.
[Habilidade – mestre dos selos].
Ganhou após absorver o selo que foi colocado sobre ele, resultando na habilidade perfeita para o momento. Que permitia esconder sua forma demoníaca e se passar por um humano. Essa habilidade criava inscrições por todo seu corpo, com letras de formatos estranhos.
Os efeitos da habilidade fazia as asas diminuírem e se tornarem tatuagens em suas costas. O cabelo voltou à tonalidade que tinha antes da evolução, um pouco mais vermelho que o ruivo comum. Sua estatura continuava a mesma, mas seus olhos e rosto também mudaram. Os olhos ficaram com um castanho quase dourado e seu rosto um pouco mais fino e delicado.
Feliz por essa incrível habilidade, ele estava caminhando despreocupado pela principal avenida de Sodoma. Olhava curioso para cada um dos edifícios que tinham a arquitetura similar a do histórico Império Romano.
Também, no meio da cidade, um gigantesco palácio, maior que todas as outras construções, exibia um fabuloso jardim suspenso — que foi considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo.
Aquilo o animou ainda mais, supondo que poderia visitá-lo. Continuou caminhando e avistou teatros, tavernas cheias de pessoas caracterizadas como aventureiros e diversas lojas para os mais variados produtos.
As lojas que mais chamaram sua atenção foram as que vendiam armaduras, armas e remédios que eram chamados de alquimia. Também tinham feiras de rua, onde eram vendidas partes de corpos de monstros e iguarias da floresta perto da cidade.
Ele parava inúmeras vezes em vários estabelecimentos diferentes. Queria aprender o máximo possível daquelas coisas. Continuou caminhando assim até chegar numa enorme praça, onde tinha um grande número de pessoas reunidas, pareciam estar assistindo algo.
Aproximou-se também, pois estava curioso. Tentava passar por dentro daquela multidão enquanto desculpava-se sorrindo por esbarrar nas pessoas. Quando enfim chegou, o brilhante sorriso saiu de seu rosto. Ao mesmo tempo, a multidão começou a gritar.
Carrascos abriram as cortinas e um grupo de seis pessoas foram expostas, presas em cruzes, entre elas mulheres e crianças, que choravam bastante. Um dos homens gritava por piedade, pedindo pela vida de suas crianças e esposa. O outro estava amaldiçoando, de todas as formas possíveis, aquelas pessoas que estavam assistindo e os que o colocaram naquela situação.
A cada grito, lamento, choro e qualquer outro som emitido por aquelas pessoas crucificadas, a multidão vibrava mais. Era como se o sofrimento daqueles seis deixasse a vida daquelas pessoas mais felizes.
Um homem vestido numa roupa branca com ornamentos dourados se aproximou. Ele mantinha suas mãos juntas à frente do peito, como se estivesse em constante oração. Parou de frente para a multidão, abriu os braços e uma luz irradiou. Nesse exato momento, as pessoas se calaram e curvaram-se.
— Ofereçam seus sentimentos e orações ao Arcebispo Talin, enviado da grande igreja do deus da luz, Apolo — gritou um homem vestindo roupas mais simples, porém com os mesmos ornamentos.
— Meus filhos, vejo que estão felizes, assim como eu. Hoje estamos aqui para, juntos, expurgarmos uma fração do mal que assombra nosso reino — exortou Talin.
Aquela situação estava muito confusa para Pietro. Não fazia ideia do por quê aquilo estava acontecendo. “O que crianças fizeram de tão ruim para morrerem crucificadas? Por que aquelas pessoas estavam felizes com isso?”, pensou.
— Esses imundos que cultuam os demônios não merecem viver! — Uma mulher gritou do meio da multidão.
— Sim! Desgraçados que adoram os demônios, vocês são o câncer desse reino! Morram!
— É isso mesmo! Morram!
— Vão para o inferno ficarem juntos com os demônios que vocês adoram.
Insultos, deboches e xingamentos eram direcionados cada vez mais àquela família. Com aquilo, Pietro finalmente conseguiu entender o que estava acontecendo.
“Mas esse tipo de comportamento não foi abolido pela igreja a mais de mil anos atrás?”.
Visto que a igreja estava totalmente diferente no ano em que nasceu, ele não conseguia entender o motivo daquela atitude.
O Arcebispo juntou as mãos mais uma vez e começou a orar. Uma chama acendeu-se entre suas costas e aqueles condenados à morte. Os carrascos usavam tochas para pegar daquele fogo e, de uma por uma, incendiavam fardos de palha seca que estavam abaixo das cruzes.
O fogo inflama bem rápido, fazendo as roupas daquelas pessoas começarem a queimar. Elas estavam embebidas de uma substância inflamável. Com isso, os gritos das crianças recerberavam para longe, fazendo qualquer um conseguir imaginar a dor excruciante que elas estavam sentindo.
Porém, diferente de Pietro que estava agoniado e muito zangado com aquilo, a multidão vibrou em alegria. Mais insultos foram cuspidos para aquela família que gritava por misericórdia.
— Senhor Apolo, aquele que rege a luz e nos guia para a salvação. Dono do dia e de tudo que é bom. Senhor dos justos. Puna esses adoradores do diabo! Esses pecadores que se desvirtuaram de vosso caminho e trouxeram o mal a vossos filhos. Nós que estamos lutando dia a dia contra as forças do mal para continuarmos bons, pedimos tua bênção e misericórdia. Nos proteja do mal e puna os pecadores! — orou Talin.
O Sol se pôs em simultâneo com a oração do Arcebispo. Restando apenas os corpos em combustão iluminando a praça, em contraste com a Lua. As pessoas que estavam assistindo também fizeram suas orações, similares às do líder religioso. No entanto, ao final, todos rezaram a mesma coisa juntos:
— A luz nos guia a salvação. A salvação é nosso deus. Nos guie para teus braços e nos proteja. Glorioso Sol.
Aquela cena repugnante fez Pietro estremecer. Sentia o peito apertado, a garganta doía e os olhos começaram a lacrimejar. Sua vontade era de subir lá e matar o arcebispo, carrascos e os apoiadores, mas ele sabia dos seus limites. Naquele momento, só podia assistir sem fazer nada.
Aquela cena era dolorosa demais para ele, mesmo que não entendesse o motivo. Com os últimos gritos daqueles condenados à pena capital, o garoto correu. Sentia que seu coração iria parar se continuasse ali.
Continuou a correr, voltando pelo mesmo caminho que usou para chegar ali. Não queria passar mais nenhum minuto naquele lugar. Diferente de antes, quando esbarrava nas pessoas, dessa vez, apenas mostrava uma expressão de nojo e repulsa para eles.
Quando já estava a alguns passos de sair do meio da multidão, começou a olhar o seu arredor. Queria ter certeza do que estava vendo, que todos naquele lugar eram pessoas que se alegravam com a morte de crianças. Porém, teve suas suposições destruídas. Quando ia dar o último passo, via um velho chorar.
Ele estava paralisado após presenciar aquilo. Vários pensamentos passaram por sua mente, mas o principal foi: “por que esse homem está chorando a morte daquela família?! Ele est…”
Antes de conseguir terminar seu pensamento, o velho tinha desaparecido bem diante de seus olhos. Sem explicações, provas ou testemunhas. O velho sumiu, como se fosse uma miragem o que Pietro tinha visto.
Mas ele não acreditava naquilo, então saiu da multidão e se acalmou para tentar entender. Inspirando e expirando bem devagar, olhou ao redor na tentativa de ver o velho mais uma vez. De relance, tinha conseguido ver um vulto vestido em roupas similares às que o velho usava entrando num beco, então o seguiu sem hesitar.
Chegando ao beco, não viu ninguém. Por um segundo pensou que estava tendo alucinações, pois era impossível algo como aquilo acontecer. Pietro tinha a forte convicção de ter visto aquele velho no meio da multidão chorar e que, por algum motivo, tinha que conversar com ele.