Bevan - O Divino Império - Capítulo 15
Depois de fugir daquela situação, Pietro correu por horas, focando-se apenas em desviar do que tinha à frente. O lugar por onde ele corria era uma floresta fechada e nada convidativa, cheia de árvores gigantes e o capim alcançava a altura de um humano médio.
Enquanto corria e batia nos cipós, pisava em raízes grossas que machucavam seus pés e esbarrava em árvores. Reprimiu as lembranças de seu sequestro e tentativa de assassinato. Mesmo que tudo tivesse dado certo, Pietro não estava confortável em relembrar o que aconteceu horas atrás. Pensar que ele, o supergênio do exército, esteve tão perto da morte era quase uma tortura para seu ego.
Mas, ainda que isso fosse torturante, lembrar-se de ter deixado algo controlar seu corpo fazia seus dentes rangerem. O fato dele ter permitido tamanha heresia foi apenas o medo, medo de morrer. Mesmo que já tivesse tirado várias vidas, o risco de perder a sua ainda o assustava.
Nos últimos dias, em suas várias batalhas, o jovem percebeu o quão fraco era. Em seus dias de capitão do time alfa, até mesmo Presidentes e Reis se referiam a ele com respeito. Mesmo que dentro de sua própria nação, por meio de redes sociais, muitos o subestimassem dizendo que não merecia tamanho respeito, aqueles que conviviam com ele sabiam a verdade: Pietro deveria ser respeitado e temido.
Quando lutou contra o demônio Duk e venceu, seu ego inflou. Pensou que nada poderia ir contra ele naquele momento. Já que humanos e demônios não eram inimigos, sentiu-se confiante de que poderia fazer tudo — mesmo que tivesse decidido se esconder na caverna que acordou, e aproveitou para treinar.
Assumiu a responsabilidade de proteger uma mulher que nunca tinha visto, Christina, como se fosse um membro de sua própria família. Como consequência, quase morreu — e começou a ter seu ego destruído. Mas, como ganhou poderes novos após a batalha, pensou que ao invés de algo ruim aquilo foi uma benção.
Ainda que tivesse vencido o pelotão do exército de Sondom, os custos foram altos, mental e fisicamente. Depois de tudo isso, sentiu o cheiro da morte de frente pela primeira vez e isso o fez perceber o quão insignificante era sua força. Tendo de recorrer a ir contra algo que aprendeu com seu avô: “não deixe algo ou alguém o controlar”, fazia tudo isso tornar-se ainda mais repulsivo.
A noite chegou, Pietro continuou correndo sem rumo até chegar numa parte mais elevada da floresta — que mais parecia uma montanha. Daquele lugar era possível ver uma grande região, coberta pelo verde, que era iluminada pela Lua. Os galhos das árvores dançavam sobre a doce melodia do cantar dos pássaros.
Ele se sentou sob o luar, decidiu acampar ali naquela noite. Enquanto pensava em como preparar algo para comer, sem chamar uma atenção indesejada, o rapaz observava a paisagem à sua frente. Como as grandes árvores tornavam-se impotentes diante do vento, mesmo resistindo a ele, elas ainda tinham suas folhas tomadas.
As folhas voavam para longe, e nem mesmo a resistência de outras árvores impedia o vento. Pietro ficou estranhamente fascinado com isso, então aprimorou sua visão com a mana, para ver até onde as folhas iam. Essas folhas continuam voando, até serem comidas por alguns animais — de aparência tão estranha que ele supôs serem uma das novas raças que chegaram à Terra.
Imponentes e robustas, eram as árvores dessa floresta, mas, mesmo assim, perderam suas folhas para o vento. Resistir era inútil. O vento, que zombava das árvores, soprou mais forte, e elas balançaram seus galhos como se chorassem a perda. As aves que repousavam nelas contaram, indignadas.
— No fim, nada está sob nosso total controle. O que queremos não vale de nada quando nos deparamos com uma força maior. Minha liberdade só depende da minha força e por ora, não tenho força nem para proteger minha própria vida. — Pietro refletia sobre isso, segurando uma folha que o vento tentava levar.
Por fim, decidiu não comer naquela noite. Apenas deitou-se sob o luar e sentiu o vento, enquanto observava ele levando as folhas e as nuvens. Elas sumiram do céu e várias estrelas brilharam, fazendo aquela ser uma noite perfeita — que arrancou lágrimas de Pietro.
Com essa magnífica paisagem, Pietro dormiu a noite toda, como nunca havia dormido antes. Uma noite fria e brilhante sumiu com alguns piscares de olhos e uma manhã ensolarada e quente chegou. Quando acordou, ele estava com um semblante sério e relaxado.
Suspirando, ele se levantou e continuou caminhando. Dessa vez, seguindo na direção da floresta que observou durante a noite. As folhas que cobriam o chão rangiam com cada passo de Pietro, um ranger amargo e triste, como se vidas estivessem se esvaindo.
Esse som solitário foi interrompido pelo cantar de alguns pássaros. Canto esse que mais parecia um choro de lamentação, que atordoou Pietro. Ele parou e começou a procurar de onde aqueles pássaros cantaram, com o intuito de ajudá-los.
Girou no próprio eixo por algum tempo, olhando atentamente para cada um dos lados, viu algo se movendo perto das raízes de uma árvore gigante. Se aproximou e viu dois pássaros caídos. Um deles não estava se movendo e o outro cantava desesperado, como se fizesse um pedido de socorro.
Pietro estendeu suas mãos e o pegou cuidadosamente, para não machucá-lo ainda mais. O pássaro estava com um corte profundo abaixo de uma de suas asas e, para piorar, também parecia estar quebrada. Após ver isso, Pietro procurava um galho no chão para fazer uma tala improvisada e começar os curativos.
Com sua mente em branco, ele continuou aplicando os primeiros socorros no pássaro. Cortou um pedaço da camisa que não podia vestir para enfaixar a asa do pássaro. Ainda usando o que recebeu de Christina, ele deu um líquido esverdeado para o pássaro, pois a garota afirmava que aquilo era um medicamento.
Pegou uma fruta e a usou para alimentá-lo. Ele estava cuidando do pássaro com toda delicadeza possível, como se fosse um amigo próximo ou parte da família. Sua mente estava praticamente em branco, os únicos pensamentos que passavam por ela eram o passo a passo de como cuidar daquele animal ferido.
O outro, que antes cantava em prantos, apenas observava aquela situação. Eles são animais, mas estavam demonstrando uma grande racionalidade. Esse fato fez com que Pietro ficasse ainda mais concentrado no que estava fazendo, pois parecia estar lidando com pessoas.
Com os primeiros socorros terminados, Pietro pensava que dali em diante o pássaro só poderia contar com a própria sorte e habilidades de regeneração. Então sentou-se um pouco para descansar. Enquanto isso, pensava no que causou tais ferimentos naquele pássaro — que até agora não conseguiu identificar a raça.
Olhando para cima, tentava ver se algo na árvore poderia ser o que causou os ferimentos. Preocupar-se com aquilo fazia os pensamentos negativos em sua mente sumir, cuidar daquele pequeno animal estava sendo uma terapia para o garoto.
Algum tempo depois o pássaro já aparentava estar muito melhor, então Pietro levantou-se para seguir seu caminho. Quando virou as costas para ir, sentiu algo segurar sua calça, era o segundo pássaro. Ele o segurava com determinação, como se dissesse que não era o momento de Pietro ir.
Ele parou e pensou no que aquilo poderia significar, então ouviu o canto daquele que tinha sido tratado por ele. O pássaro cantava e pulava ao lado de um objeto — objeto esse que ele também não conseguiu identificar. Não precisou de muito esforço para o garoto perceber que aquilo era uma pedra, no entanto, uma pedra bem diferente das demais.
Não se tratava de um minério como diamante, ouro ou algo desse tipo. Parecia algo novo, assim como as inúmeras coisas diferentes que Pietro presenciou até agora, desde o cataclisma. O pássaro encarava ele com um brilho irradiante de seus olhos, como se dissesse: “por favor, aceite! É meu agradecimento por me curar”.
Tudo que veio de novo com essa mudança no planeta fascinava Pietro, não teria como negar aquilo. Então ele apenas sorriu, também em agradecimento. Abaixou-se para pegar a pedra. Os dois pássaros estavam lado a lado observando aquela cena, como se esperassem algo acontecer.
O garoto a pegou com uma mão e limpou um pouco da terra que estava grudada nela, antes de guardá-la. Enquanto fazia isso, teve a ideia de nomear os pássaros, então olhou fixamente para eles pensando em um nome. Quando enfim pensou em algo, cortou acidentalmente um dedo da mão que estava limpando a pedra, respingando sangue nos pássaros.
— Perdão por isso, não foi intencional. Juro! — falou envergonhado. — Vou lhes dar um nome e ir embora.
Após colocar a pedra dentro do seu anel de armazenamento, ele se levantou e ordenou:
— Você, pequenino que eu curei, será “Arin”! E você, que esteve ao lado dele todo esse tempo, será “Nira”. Espero que tenham gostado de seus nomes.
Enquanto se levantava ele lembrou que não tinha se apresentado. Então, para fazer um despedida cinemática, ele virou-se de costas e deu alguns passos, parou e disse:
— Eu sou Pietro Piovani! Prazer em conhecê-los.
Depois voltou a caminhar, aliviado por não ter ninguém por perto para ver aquela cena vergonhosa. Por mais que ele estivesse realizando um “sonho”, ainda era com os pássaros que ele estava falando. Qualquer um que visse aquilo diria que Pietro é louco, ou no mínimo, esquizofrênico.
Ele seguiu seu caminho, novamente refletindo sobre todas essas coisas que aconteceram. Saindo de dentro da floresta e chegando a uma trilha, ele sorriu empolgado com o que viria a acontecer de agora em diante.
— Não podemos controlar tudo, mas temos total controle sobre nossas decisões. O que eu escolho deve ser posto como prova de meu caráter, quem eu sou é totalmente medido por minhas escolhas — disse em voz baixa.
Todo esse tempo, onde coisas surreais estavam acontecendo, levaram Pietro a essa epifania. Daquele momento em diante ele era um novo homem.