Bevan - O Divino Império - Capítulo 14
Ainda que fosse uma floresta de árvores bem altas, a luz da Lua conseguia transpassá-las e estava iluminando o caminho. Debaixo daquele monumental holofote, Pietro pensava em sua vida. Tudo que teve de passar e ainda está passando, pensava: “quando eu vou ter uma vida normal?”.
Enquanto caminhava novamente por aquela floresta sombria que parecia estar o julgando, assim como antes, ele sentia como se alguém ou alguma coisa estivesse o observando. Refletiu que, talvez, um guardião estivesse protegendo o lugar, onde entraria em ação apenas se o lugar fosse inteiramente destruído.
Não se importou com isso e continuou seu caminho, pois o trajeto seria longo. Caminhou por várias horas sem parar para descansar. Quando enfim saiu da mata fechada, percebeu que o dia estava clareando.
Ao ser banhado pela luz do sol, sentiu todo o cansaço e fadiga o atingir de uma vez. Decidiu que deveria descansar agora, supondo que poderia encontrar perigos adiante. Se dirigiu até uma clareira e começou a recolher galhos para acender uma fogueira. Minutos depois, usando magia, acendeu a fogueira e montou um sistema para assar um pedaço de carne que ganhou de Christina.
O rapaz deixou a residência dos Niasi durante a noite, caminhou desde então e só parou agora, quando o sol nasceu. Era um novo dia e, enquanto se alimentava, pensava no cronograma que tinha preparado — tentando convencer a si mesmo de começar imediatamente a treinar, ao invés de descansar.
“Diga-se de passagem, mas esse corte de carne e essas frutas estão me deixando estranhamente revigorado”, refletiu.
Após alimentar-se, Pietro estava se sentindo estranhamente disposto em comparação a quando banhou-se com a luz do sol — sentindo toda a fadiga que se acumulava em um único momento. Pensou que estava recuperado e cheio de energia, então convenceu-se que deveria treinar.
Aproveitando-se das vitaminas que o sol da manhã proporciona, ele começou a fazer exercícios básicos como: flexões, agachamentos, abdominais, corrida, etc… marcando o tempo com um relógio gnômon. Pietro treinou exatas duas horas, terminando seus exercícios matinais às oito horas da manhã.
Descansando sob a sombra de uma árvore, o jovem pensava em como tudo parecia um sonho. “Poderes estranhos, raças que só existiam em jogos e histórias de fantasia… Deus do céu, isso tudo é mesmo verdade?”. O tempo passava sem descanso enquanto esses pensamentos ocupavam sua mente.
Aproximadamente meia hora depois, marcando 08h30m, ele se levantou e voltou a seguir seu caminho. Uma estrada pavimentada e deserta era seu novo companheiro de viagem.
O vento soprava aliviando um pouco do descomunal calor que fazia naquela estrada. Pietro andava por aquela via que a cada passo parecia se tornar mais e mais quente, como se o próprio Sol estivesse mais próximo daquela parte da Terra. Ou talvez, algo debaixo daquelas terras estivesse emitindo esse enorme calor.
— Puta que pariu, estou me sentindo um frango numa panela — resmungou irritado — sinceramente, do que me adianta ter asas se eu não sei voar? Por que eu não tenho uma habilidade tipo: voar como pássaros?
Pietro continuou seu caminho enquanto resmungava do calor excruciante, quase insuportável. Pensou várias vezes em desistir dessa via e contornar, mas lembrou-se que, das coisas que tinha para fazer hoje, a mais complicada era treinar — pois não conseguia pensar em formas de fazer sem ter de parar em algum lugar, o que atrasaria sua viagem.
“E se eu circular minha mana pelo corpo enquanto caminho nesse inferno?”
Com isso em mente, o rapaz começou a circular seu poder mágico enquanto caminhava. Também tentava absorver as propriedades daquele calor, pois pensava que assim iria melhorar seu domínio sobre a magia de fogo.
Ao começar a treinar, também começou a transpirar bastante, o calor avassalador estava fazendo todo o líquido de seu corpo ferver. Naquele momento ele se questionou inúmeras vezes sobre a real necessidade de continuar seguindo aquela via.
“Acredito que tudo teria sido mais fácil se eu pudesse voar. Por que diabos eu tenho asas se não posso voar? Em, sistema?!”
Pensava enquanto sentia suas forças se esvair à medida que seu corpo era cozinhado. Enquanto persistia com aquela tortura, alimentava esperanças do sistema ajudá-lo a se livrar dessa enrascada — que ele escolheu entrar por livre e espontânea vontade.
Algum tempo depois de começar a caminhar por essa via escaldante, Pietro já não conseguia mais, mesmo usando sua mana para suportar o calor e tentar tirar algum proveito. Quanto mais caminhava, mais quente ficava, assim como nunca parecia estar mais perto do fim daquela estrada.
— Chega! Não suporto mais — gritou.
Depois de tanto persistir, o garoto desistiu. Banhou-se usando o resto de água que tinha num cantil, multiplicando a quantidade com magia. A colisão entre a água, sua pele e o chão escaldante provocou um barulho muito alto, assustando os pássaros que estavam perto. Também criava uma nuvem de vapor que cobria todo seu corpo.
A pele de Pietro ficou vermelha e ele já não estava mais conseguindo segurar-se em pé. Obviamente, desmaiou assim que a nuvem de vapor se esvaiu. No entanto, algo mudou assim que ele desmaiou, o calor escaldante começou a diminuir e, por algum motivo, a paisagem começou a mudar.
Figuras estranhas começaram a se aproximar dele, que estava inconsciente, com expressões maliciosas estampadas em seus rostos. Com uma espécie de magia, seus pés e mãos foram amarrados, aquilo parecia um selo. Mas que mudava de uma energia visível, para uma matéria similar a ferro.
Essas criaturas de feições maliciosas o agarraram e começaram a arrastá-lo nessa “nova via”. Sem o calor excruciante e conseguindo ver seu fim, Pietro foi levado bem rápido para uma espécie de caverna. Lá dentro, criaturas iguais àquelas que o levaram se comportavam como se estivessem um culto.
Sendo jogado no chão de forma brusca, ele conseguiu recobrar a consciência, mesmo que estivesse bem atordoado. Com as vistas embaçadas, o garoto tentou identificar onde estava e também lembrar-se como chegou ali.
Enquanto olhava desesperado de um lado para o outro tentando entender a situação, uma forte dor de cabeça o interrompeu. Eram mensagens do sistema.
[O físico do mestre tornou-se mais forte devido ao choque térmico] [Adquirida habilidade: resistência à mudança de temperatura]
[A habilidade >Pecado da Luxúria< não tem nível suficiente para anular a ilusão] [O nível de poder do mestre não é suficiente para usar a autoridade do >Imperador< nos Khuca]
[Magia de selo foi colocada no mestre, exceto pelos pecados, todos os poderes estão indisponíveis] [O >Pecado da Gula< pode ser usado para remover os efeitos do selo]
[Aviso! A vida do mestre está em perigo, solicito permissão para tomar o controle do corpo em prol de tirá-lo dessa situação]
— Que merda é essa? O que está acontecendo? — indagou, debatendo-se para se livrar das amarras.
Olhando a sua volta, viu que alguns metros a frente tinha um altar de sacrifício. Pietro se desesperou ao ver aquilo e perceber que ele era o sacrifício que seria usado ali. Percebendo isso, ele também entendeu que não conseguiria escapar sozinho, então desesperou-se procurando uma forma de fugir.
O sistema já ofereceu uma rota de fuga, mas ele nem sequer chegou a cogitar aceitar essa ideia, pois não concorda com algo controlando seu corpo — Pietro defende acima de tudo a liberdade, deixar alguém ou algo controlá-lo é ir literalmente contra tudo que ele acredita.
Naquela situação, o que poderia ser feito? Tomado pelo desespero, o rapaz não conseguiu pensar em nada. “No fim, só o que sobrou foi deixar o sistema assumir o controle do meu corpo…” refletiu.
Isso passava pela mente de Pietro ao mesmo tempo em que ele era colocado no altar de sacrifício. Quando isso aconteceu, seu desespero chegou ao limite, ele nunca tinha se sentido tão perto da morte quanto nesse momento.
Mais preocupado com a própria vida, ele não hesitou em aceitar a proposta do sistema. Então se repudiando pela escolha que decidiu fazer, ele gritou:
— Faça o que tiver de fazer, mas só me tire daqui, sistema!
[Permissão concedida! O sistema irá iniciar o modo >Auter Ego<] [Iniciando…]
Diferente de como tem sido até agora, Pietro ouviu essas mensagens em sua cabeça, ao invés de uma “tela” aparecer em sua frente. Independente do que aquilo significasse, sua escolha já foi tomada e não podia mais voltar atrás.
O modo >Alter Ego< estava lentamente tomando conta de Pietro e, de forma súbita para os Khucas que achavam que o sacrifício estava totalmente imóvel, surpreenderam-se ao ver uma cortina de fumaça preta cobrir seu corpo. O carrasco que o levava para o altar tentou puxá-lo para fora da fumaça, mas apenas perdeu seu braço nessa tentativa — pois nada que toca a gula, exceto por Pietro, não é devorado.
Assustado pela dor súbita de perder o braço, o carrasco, de forma deselegante, arremessa Pietro no altar. Por dentro ele só pensava em estraçalhar da pior forma possível aquele que seria o sacrifício, seu ódio o fazia ranger os dentes, mas sua alma não seria perdoada se ele desrespeitasse ainda mais os anciãos e o “Altar Hahion”.
Aquela nuvem negra que cobria todo o corpo do jovem sacrifício logo começou a diminuir e, junto a isso, o mesmo começava a se mover, agora totalmente livre do infortúnio causado pelo selo. Também, algo parecia diferente em seus olhos, estavam com uma tonalidade roxa e brilhantes.
Aquele que saiu de dentro da nuvem negra foi o Alter Ego de Pietro, o Imperador. Seu semblante é totalmente diferente do de Pietro, realmente a face de um imperador, frio e decisivo. Ainda deitado sobre o altar, gritou:
— Ajoelhem-se! Seus vermes.
O grito ecoou por toda a caverna enquanto a aura de Pietro tornava-se massiva, criando uma enorme pressão que fez alguns Khucas realmente ajoelharem-se. Os anciãos atrás do altar e algumas das criaturas que são mais fortes que ele, não se ajoelharam, mas ainda tremeram as pernas e ficaram em alerta.
O Alter Ego mexeu o braço na horizontal, como se estivesse fazendo um corte, de ponta a ponta da caverna. Quando terminou, a cabeça de meia dúzia de Khucas desprenderam-se dos corpos. Um silêncio reinou na caverna, denso, pesado, só perturbado pelo crepitar das tochas e o som das cabeças rolando no chão.
— Habilidades do título: Senhor das Sombras despertadas. Habilidades: necromante e filho da noite — murmurou o Alter Ego.
Levantando-se de forma abrupta, ele cortou a ponta do dedo indicador e, usando magia, soprou as gotas de sangue que pingava do corte, para transformá-las em uma névoa que caia sobre os Khucas que morreram.
Aquelas criaturas estranhas, Khucas, de aparência similar a jacarés, no entanto, bípedes, começaram a derreter a pele e se levantarem. Os seis que morreram agora se tornaram soldados esqueletos, prontos para lutar pelo necromante que os invocaram.
De imediato, os soldados esqueletos começaram a atacar seus ex-companheiros Khucas, impiedosamente. Era óbvio que eles não ficariam parados, então também começaram a atacar os esqueletos e, assim, uma pequena, mas sangrenta batalha se iniciou.
O Alter Ego sabia que essa seria sua única chance, então saltou por cima dos cadáveres em direção a saída. A autoridade do imperador ficou mais forte, agora que ele estava acompanhado de subordinados, exceto pelos anciãos — que por algum motivo não se moveram — ninguém ali atreveu-se a cruzar o caminho do Alter Ego.
Quando chegou ao lado de fora, Pietro gritava de alegria por dentro — pois o Alter Ego não deixava transparecer. Correndo o mais rápido que conseguisse para o mais longe possível, eles foram embora, ignorantes do que continuaria acontecendo naquela caverna. Gritos de socorro reverberam, mas ninguém estava próximo para ouvir.
O carrasco que anteriormente perdeu o braço puxava, também pelas pernas, uma linda jovem, de cabelos loiros e olhos claros. Essa gritava e se debatia em desespero, com medo do que lhe aguardava. Os anciãos que antes nem sequer moviam um músculo para esboçar reação, estavam com olhares e sorrisos maliciosos.
Diferente de Pietro, a moça foi colocada cuidadosamente sobre o Altar Hahion, enquanto um dos anciãos — de expressão mais perversa — se aproximava do mesmo. Assim que foi acorrentada ao altar, o velho Khuca começou a grunir algumas palavras em seu próprio idioma.
O velho começou a amaldiçoar e jurar Pietro como inimigo mortal da tribo Henyw, a mais forte da raça dos Khuca. Após isso, começou a alisar o corpo da jovem, sua boca salivava enquanto ele se aproximava da boca dela para beijá-la.
Mais uma vez a jovem se desesperou e em seu rosto estava estampado: nojo, ódio, repulsa, e, todo e qualquer tipo de sentimento ruim que aquela situação poderia proporcionar. Tendo sua boca beijada por aquele monstro repulsivo, e supondo que, provavelmente, se tornaria um brinquedo sexual para o restante, ela decidiu suicidar-se mordendo a língua, mas antes que conseguisse teve seu peito perfurado pelo velho — que sorriu ainda a beijando e desenhando símbolos com seu sangue.