Bevan - O Divino Império - Capítulo 13
Christina limpou a sala de estar o mais rápido que conseguiu, para que seu mestre pudesse entrar e acomodar-se para conversar. Enquanto isso, sua mãe preparou um chá e biscoitos, os melhores que conseguiu fazer.
Pouco tempo depois de entrarem na casa, os preparativos ficaram prontos e ao chegarem na sala de estar, começaram a conversar. Olhando fixamente para Pietro e da forma mais direta possível, a mãe da garota perguntou:
— Meu jovem, que história é essa de ser o “mestre” da minha filha? O que isso significa?
— Sra. Niasi, desde o dia que Christina e eu nos conhecemos, me fiz a mesma pergunta. Lembro-me vagamente dela ter dito algo sobre isso, mas por alguns motivos uma parte das minhas memórias estão bagunçadas. Sinto muito por não ter uma resposta satisfatória para a senhora.
Depois do incidente onde Pietro perdeu o autocontrole e lutou contra o pelotão inteiro praticamente sozinho — da forma mais irresponsável possível —, suas memórias ficaram bagunçadas, fazendo-o esquecer de algumas coisas e até mesmo duvidar se outras aconteceram.
Enquanto pensava nesse inconveniente, uma risada leve traz sua atenção de volta para a conversa. A risada vinha da Sra. Niasi, que tampou a boca com a mão, escondeu seu sorriso um tanto malicioso quanto gentil. Suspirando, ela continuou:
— Entendo, então foi assim que aconteceu. Chris, pode nos explicar isso?
Antes de responder, ela caminhou em silêncio até um quarto atrás da sala de estar, minutos depois ela voltou com um livro bem velho nas mãos. Colocando-o sobre a mesa de centro, ao lado do bule de chá, e então falou:
— Está aí, a resposta para suas dúvidas. Vovô me ordenava ler livros como esse e, por coincidência, descobri sobre o mestre lendo esse livro há um mês atrás. A linguagem usada nos livros é a ancestral, portanto, não consigo traduzir tudo, mas tenho certeza que ele é o mestre da lenda do nosso clã.
“Ela disse ser uma linguagem antiga. Vovô me fez aprender uns idiomas bem antigos. Talvez…” pensou esperançoso ao pegar o livro e aproveitou para perguntar: — Posso tentar ler?
Ao pegar o livro, ele percebeu o quão pesado era, ainda que não tivesse uma quantidade exagerada de páginas, seu peso era desproporcional. Entretanto, mesmo que tenha cogitado várias hipóteses do porquê, ele não chegou a uma conclusão.
Abriu o livro na página marcada por Christina e começou a ler. Segundos depois de começar a ler, de forma súbita ele exclamou:
— É latim!
As duas esboçaram uma reação de surpresa, pois não entenderam o que o rapaz quis dizer.
— Latim é uma língua bem antiga, até mesmo para mim. Lembro que meu avô me ensinou, e ele aprendeu com o pai dele. Nunca pensei que eu realmente precisaria disso um dia.
Elas continuaram em silêncio ao ouvir aquilo, com inúmeros pensamentos inundando suas mentes. Enquanto isso, Pietro lê o livro com um pouco de dificuldade, mas entendendo o suficiente.
— Basicamente, o que estava escrito ali era que um clã, muito poderoso, a serviço de um mestre com alto nível na hierarquia demoníaca, dividiu-se em cinco partes — explicou Pietro, enquanto demonstra com uma mão o número.
— Muitas palavras estão apagadas, mas isso é compreensível devido ao quão velho esse livro aparenta ser. No entanto, de acordo com o que eu consegui entender, esse clã se dividiu para esconder-se e se preparem para quando o novo mestre aparecer, eles estarem prontos da forma mais perfeita possível para assim servi-lo — continuou.
Christina e sua mãe se olharam. Era nítido que elas sabiam alguma coisa em relação aquilo e, provavelmente, estavam procurando a oportunidade para contar a Pietro. Porém, a mulher ainda se perguntava como a filha tinha tanta certeza que o homem à sua frente era o seu mestre. Inquieta com isso, ela fez as perguntas que estavam circundando em sua mente a Pietro.
— Por que esse clã se dividiu? Por que o mestre a qual eles servem não é alguém de dentro do clã? E como esses clã voltarão a ser um depois de tanto tempo separados?
— Não está claro para mim também, mas de acordo com o que está escrito: os membros, ou um membro do clã irá sentir quando o novo mestre surgir e se encontrará com ele e, quando isso acontecer, os dois irão se conectar e voltarem a ser um clã.
Com ânimo, Christina olhou para sua mãe. No mesmo momento em que ele parou de falar, os olhos dela brilharam e seu sorriso foi de orelha a orelha, era óbvio o que ela estava pensando.
— Eu estou certa, mamãe. Admita! — exclamou.
— Talvez… talvez… — replicou a senhora.
Mais uma vez ficou bem nítido o que Christina estava pensando: “como assim talvez?”. Entretanto, sua mãe não mudou sua posição, pois, não crê completamente no livro e muito menos nas palavras de Pietro, afinal, ele poderia ser um aproveitador.
— Diga-me, minha filha, o que exatamente te faz ter tanta certeza sobre ele ser o mestre que nós supostamente estamos esperando?
— A última ordem do vovô foi que eu buscasse ajuda, certo? Mamãe, assim que eu saí do nosso território e cheguei a grande floresta, senti em meu peito algo me chamar e não consegui dizer não. Não sei explicar muito bem esse sentimento, mas senti que todos os meus problemas e aflições fossem se resolver assim que eu achasse ele — respondeu Christina.
— Então, se levarmos em conta as afirmações desse garoto e as suas, o conteúdo do livro é verdadeiro. Entendo… E você, Sr…
— Pietro! — exclamou.
— Certo, mas… Pietro de que? Você citou seu avô quando leu o livro, então, suponho que tenha uma família e um sobrenome?
— Pietro Piovani — respondeu envergonhado.
— Sr. Pietro Piovani, minha filha disse sentir que você é seu porto seguro e que todo e qualquer problema que ela tem ou tivesse, viria a ser resolvido assim que se encontrasse com você. Mas, e o que você sentiu ao se encontrar com ela? — Indagou.
— Gostaria de poder lhe responder, Sra. Niasi, mas não senti absolutamente nada, e não sei se essa é a resposta que você quer ouvir — explicou Pietro.
— Entendo, então é isso… — disse decepcionada.
Ela percebeu que o garoto tinha algo a dizer, no entanto, não perguntou, já que ele não chegou nem a cogitar em dizer. Ainda que estivesse muito curiosa para saber o que ele estava guardando. Ficou pensando por um momento no que poderia ser, mas foi interrompida ao ouvir sua filha falar.
— Mas, mestre… por que o senhor me protegeu? Já que não sentiu nada, por que resolveu lutar contra um pelotão inteiro? Você quase morreu quando fez aquilo…
Antes de responder, o rapaz ponderou bastante tudo que aconteceu com ele desde o momento que conheceu Christina. Ele próprio não entendeu a razão para aquilo, portanto, não se atreveu a falar sobre, mas agora é inevitável não falar.
— Aquilo o que? — indagou a Sra. Niasi, olhando-o fixamente.
Falar sobre sentimentos, principalmente os próprios, é algo que Pietro odiava. Naquele momento ele só conseguia pensar em vários insultos que desejava cuspir na velha a sua frente. “A se essa velha não fosse sua mãe, Christina”, refletiu, acalmando-se.
— Veja bem, senhora, vou explicar da forma mais simples que eu conseguir. Algumas pessoas estavam perseguindo sua filha. Ela entrou no local que estava me abrigando e, quando percebi sua invasão, fui até ela. Neste momento não pudemos conversar muito, pois tentaram matá-la e acabei a protegendo, não intencionalmente. Não sei explicar para a senhora o motivo disso, meu corpo apenas mexeu-se sozinho e, não por vontade própria de novo, acabei lutando contra um pelotão do exército de Sondom.
Essas poucas palavras eram o limite dele em relação a falar sobre seus sentimentos — mesmo que não tenha dito quase nada sobre os mesmos. Portanto, calou-se e decidiu que, por hora, não voltaria a tocar nesse assunto, deixando assim a senhora Niasi e sua filha interpretar da forma que querem suas palavras.
— Então é isso. Minha filha sentiu conforto e segurança ao seu lado, e você sentiu que deveria protegê-la, entendo… Por isso eu devo acreditar que você é nosso mestre, supostamente?
Ficou claro para Pietro que aquela mulher tem algum receio em relação a ele, e que não aceitaria o que sua filha e ele estavam dizendo. Por um momento os sentimentos dos dois se alinharam e em seus rostos ficaram estampados: decepção e tristeza. No entanto, logo Pietro se recompôs, pois não se reconhecia como mestre desse clã e muito menos tinha interesse em tal posição.
Levantando-se, ele disse:
— Pode acreditar no que quiser, Sra. Niasi, mas não entenda errado. Acompanhei sua filha até aqui exatamente pelo motivo que a senhora citou: porque sentia que devia protegê-la. Mas agora ela está bem, então seguirei meu caminho.
— Entendo, faça uma boa viagem.
— Mamãe! — gritou Christina, incrédula no que estava acontecendo e continuou: — Mestre! Para onde o senhor vai? Voltará para a caverna?
— Obrigado por se preocupar, Christina. Tenho meus planos e agradeço muito por tê-la conhecido, se for para acontecer, nos encontraremos novamente. Adeus! — Pietro se dirigia até a porta enquanto dizia essas palavras, tendo assim uma despedida dramática típica de cinema — que ele sempre sonhou em reproduzir, um dia.
Mas que foi interrompida por Christina gritando: — Por favor, Mestre. Não vá!
— Não sou cético por religião, muito menos acredito em coisas como destino, mas garanto para você que: se for para acontecer, nós, definitivamente, vamos nos encontrar algum dia — afirmou.
Viu o olhar de seu mestre expressar tamanha tristeza e suas palavras com determinação. Christina não conseguiu mais pedir para ele ficar. Por mais que não admitisse, o sentimento que Pietro teve quando protegeu aquela garota, está novamente se manifestando, mas felizmente, não está afetando sua racionalidade — isso supondo que, da última vez, foi culpa desse sentimento.
Por fim, decidiu aceitar as palavras de seu mestre, que para ela soam como ordens. Christina suplicou-lhe que aceitasse roupas novas e alguns mantimentos para sua jornada e, por não ver motivos para recusar, ele obviamente aceitou. Ela o levou então até um quarto e explicou como banhar-se, enquanto buscava o que prometeu.
Minutos depois, Pietro saiu de dentro do quarto já banhado, vestindo uma calça jogger Cargo preta e um tênis que usava antes do cataclisma, mas sem camisa, porque as asas o impediam.
“Isso com certeza foi feito por um ser humano da Terra, que sobreviveu ao cataclisma e à provação de algum demônio. Ou talvez não… Christina deve saber algo sobre isso” pensou.
Desceu para o primeiro andar, encontrou-se com as duas mulheres e, sem perder tempo, apenas agradeceu e se despediu. Também deixou seus pêsames ao antigo patriarca.
Do lado de fora, sentindo o vento soprar por aquele jardim destruído, Pietro perguntou:
— Chris, pode me responder uma coisa?
Ela balançou a cabeça confirmando.
— Essas roupas… — começou, mas a garota de cabelos cor de rosa o interrompeu:
— O que tem?! O senhor não gostou? Droga! Pensei que o senhor gostaria, pois são a última moda em Sodoma.
— Não, não! Você entendeu errado… Quero te perguntar exatamente isso, onde você as comprou, pode me dizer?
— Ufa! Foi na cidade de Sodoma, ela fica a umas três semanas de viagem em linha reta, seguindo para o sudeste.
Sorrindo, Pietro agradeceu. Então virou-se e começou a caminhar rumo à cidade de Sodoma. A viagem seria longa e imprevisível, mas isso o animava, pois era uma ótima oportunidade para treinar e conhecer sobre esse mundo totalmente diferente.
Após algum tempo, a silhueta de Pietro era a única coisa que Christina conseguia ver e, voltando a si após acalmar seu coração, ela lembrou-se de um aviso que deveria ter dito a Pietro: “Sodoma não aceitava demônios”. Ele com certeza seria perseguido e, possivelmente, morto se fosse para lá.
Ignorante sobre isso, ele continuou seu caminho despreocupado. Mas, mais tarde, se lembraria que tinha outra dúvida: “de onde Christina e todos os demônios eram?”. E forçou-se a acreditar que se chegasse a essa cidade, poderia encontrar a resposta para essa dúvida, então continuou seu caminho.