Bevan - O Divino Império - Capítulo 12
— Veja, é tão simples como respirar — afirmou Christina.
Pietro observou atentamente as coisas que a garota estava fazendo, mas não conseguiu entender exatamente como fazer a magia, por isso não respondeu nada em relação a afirmação dela. Pelo contrário, pediu para que, de novo, mostrasse como fazer.
Durante seu trajeto, Christina continuou a ensiná-lo como fazer a magia e, para pressioná-lo, ele deveria acender a fogueira do acampamento todas as noites usando magia de fogo. Uma semana se passou enquanto eles caminhavam, conversando sobre magias e Christina contando tudo que ela sabia sobre a atual situação mundial.
Durante os dias que caminharam, inúmeras vezes se encontraram com animais diferentes, ao menos para Pietro. Outra vezes, passaram por animais normais, como lobos e pássaros, mas que tem uma presença diferente, parecida com a dos animais estranhos.
Poucas vezes precisaram entrar em combate com esses animais, a maioria só os observaram escondidos enquanto passavam. Assim se passou uma semana. Então eles chegaram a uma floresta diferente, mais aberta, parecia com um clareira, no momento em que entraram, os pássaros começaram a cantar e voar, como se eles tivessem medo de algo. Desde que chegaram ali, Cristina não disse uma única palavra, apenas caminhou com uma expressão de inquietação.
Percebendo que a garota parecia preocupada com algo, Pietro perguntou:
— Você está bem?
— Estou sim, não se preocupe — respondeu.
— Tem certeza? Desde que chegamos aqui, você tem agido estranha…
— Eu estou bem, o senhor não precisa se preocupar.
Ainda que ela diga isso, para Pietro, que passou do lado da morte por ela, é impossível. No entanto, para não pressioná-la, ele apenas deixou isso de lado e para mudar o clima, perguntou:
— Você sabe onde estamos? Sinto como se algo nos observasse desde que entramos aqui.
— Estamos na entrada da região demoníaca, o lar de vários clãs de demônios, inclusive o meu — respondeu Christina, suprimindo suas emoções.
Ainda que tenha feito isso, por algum motivo, Pietro consegue dizer exatamente o que ela está sentindo: ódio, tristeza, remorso. No entanto, novamente, não disse nada, apenas continuou analisando a situação.
“Algo está estranho, Christina provavelmente está escondendo alguma informação” pensou. Pensando sobre tudo que aconteceu até agora e nas coisas que ela disse, Pietro sem querer murmurou — se você mora aqui, o que estava fazendo lá na caverna?… — Ainda que tenha tentado não transparecer suas dúvidas, a garota ouviu seu murmúrio e respondeu:
— Dos clãs que moram aqui, o nosso é o mais fraco e, por isso, vivemos à mercê dos outros. Porém, nos últimos dias alguma coisa mudou, eles começaram a exigir dinheiro, como uma forma de pagamento pela suposta “proteção” que eles nos proporcionam. Nosso clã é pequeno e não tem muitos recursos, portanto, não tínhamos como pagar tudo que eles exigiam e, é óbvio que eles não deixaram isso passar. Segundo eles, já que não tínhamos os recursos, poderíamos pagar com trabalho, e assim começamos a ser escravizados para pagar uma dívida que nunca existiu.
Pietro novamente ouvia tudo em silêncio, sem esboçar reações ou, no mínimo, respirar diferente. Mesmo para Christina que sempre quer vê-lo com uma postura digna de quem ele é, se incomodou ao perceber sua falta de empatia para com sua situação. No entanto, por dentro, Pietro estava com o sangue fervendo, era como se aquilo tivesse acontecido com Victor, Carlos, Paula ou Júlia.
Christina continuou — mesmo que nós estivéssemos trabalhando para pagar uma dívida que nunca tivemos, estávamos bem, pois os trabalhos estavam nos tornando mais fortes. Mas, um dia, enquanto eu estava voltando de uma caçada, vi um membro muito importante do clã Nouzi negociando com humanos, não que isso seja um problema em si, mas era muito estranha a situação em que eles estavam. Durante a calada da noite e escondidos atrás de umas árvores, como se quisessem que ninguém descubra.
“Um demônio e um humano conversando sozinhos escondidos, isso me parece mais com um caso amoroso do que uma conspiração” pensou Pietro. Intrigado por isso não fazer sentido, ele perguntou — depois dessa conversa, alguma coisa aconteceu?
— Sim! — exclamou — pouco depois disso, o clã Nouzi retirou-se desta região e foram para uma expedição numa região longe daqui, supostamente porque encontraram o lugar perfeito para habitarem — continuou Christina.
“Agora sim, agora está parecendo uma conspiração. Mas algo ainda parece estranho, afinal, ela disse que clãs moram aqui, então provavelmente tem outros além do Niasi e Nouzi” pensou Pietro. Enquanto organiza os pensamentos, os dois continuaram andando na floresta, mas o local começa a escurecer, o sol estava se pondo mais uma vez e, por estarem tão perto, resolveram correr ao invés de acampar.
Enquanto estavam correndo, nenhum disse uma única palavra. Christina por estar remoendo o que aconteceu e Pietro tentando criar uma hipótese das razões para isso. O sol se pôs quase por completo quando eles conseguiram sair da floresta e chegar a um lugar onde deveria ter uma grande clareira, no entanto, o que encontraram foi uma cidade.
Nesse fim de tarde, o sol tinge o céu com seus deslumbrantes tons de laranja e vermelho, transformando os pássaros que planam no céu em figuras de cor preta. Quem observava poderia chamar de obra de arte, aquele pôr do sol. No entanto, ainda que agradasse aos olhos aquela magnífica paisagem, a melodia de fundo traz de volta a realidade.
Ranger de dentes, choro, lamentações, gritos de dor e, pior ainda, sons de batalha. Essa melodia infernal atingiu Pietro subitamente, deixando-o atordoado por um breve momento. Sem tempo a perder, Christina o puxou pelo braço — enquanto se repudia por dentro, por tamanho desrespeito — até a casa do matriarca do clã Niasi.
Pelas ruas: corpos sem vida, crianças cheias de ferimentos, uma total cena de guerra. É absolutamente impossível não se questionar o que aconteceu aqui, mas antes que Pietro pudesse perguntar o que houve, Christina disse:
— Foi isso o que eu quis dizer quando nos conhecemos.
O vento soprou forte quando ela disse isso, como se puxasse Pietro para o passado. Fechando os olhos, ele se vê dentro da caverna novamente, vários dias atrás:
— É uma vergonha que eu fugi e deixei meu povo sofrendo, de fato. Entretanto, eu não tenho força suficiente para lutar contra todos eles e vencer sem sacrificar meu povo — disse a garota, ajoelhando-se na frente de Pietro. Sua expressão facial mostra nitidamente seu sentimento de angústia, este que até pouco tempo atrás ela estava escondendo.
Abrindo os olhos, ele se encontra novamente nos domínios do clã Niasi. Localizando-se, Pietro vê a garota apontando para uma uma grande casa no fim da rua: branca e com ornamentos dourados, muito linda por sinal — mesmo que o jardim e outras partes estejam destruídas.
Correndo em silêncio por mais alguns minutos, eles chegam até a casa e entram imediatamente, sem cerimônia. Dentro da casa: móveis quebrados, sangue e buracos nas paredes e no chão. Enquanto Christina corre pela casa chutando tudo que via pela frente, Pietro caminha com cuidado, sem mover um único destroço.
Apavorada enquanto corre, ela grita por alguém, mas sem resposta. Subindo para o próximo andar, ela continuou chamando por essa pessoa e mesmo que não recebesse uma resposta, não desistiu. Depois, não o encontrando, foi para o terceiro andar, mas também não o achou.
Christina tentou esse tempo todo fazer pose de durona, pois acha indigno o fato de um servo chorar na frente de seu mestre, mas não conseguiu após não encontrar essa pessoa, percebendo o quão abalada ela está, Pietro disso — Tudo bem, vamos procurar ao redor da casa, talvez ele esteja lá…
Após fazer um exercício de respiração, ela acalmou-se e respondeu — sim, boa idéia, vamos agora mesmo —. Assim que terminou de falar, ela se levantou e se dirigiu a uma porta lateral que leva ao jardim de fundo da casa, e lá encontraram uma mulher em cima de um homem. A princípio, Pietro pensou: “parece que mesmo nessa situação, eles têm disposição para isso”.
Mas, porém, arrependeu-se de ter pensado isso assim que se aproximou dos dois, pois o homem estava morto e a mulher está tentando desesperante reanimá-lo. Christina, no entanto, apenas começou a chorar, pois já tinha entendido que aquele homem já não estava mais entre eles e que nem mesmo um milagre poderia mudar isso.
Pietro, enquanto se arrepende dos pensamentos que teve antes e reza pela alma do pobre homem, começou a pensar em seus falecidos pais e tios, pensando no quanto foi difícil para ele também quando os perdeu. No entanto, a muito tempo Pietro não se sentia assim, mas por algum motivo ele relembrou a dor que sentiu quando aquilo aconteceu.
Ele não sabia como consolar as duas mulheres a sua frente, então apenas ficou quieto, esperando elas se acalmarem. Algum tempo se passou enquanto elas choravam pela morte do homem, mas enfim se acalmaram o suficiente para conversarem. Em respeito a situação, Pietro não disse nada e esperou elas começarem a falar.
— Mãe, este é nosso mestre, Pietro. A lenda é real! — exclamou — infelizmente não conseguimos voltar a tempo suficiente para tentar salvar o vovô, desculpa.
— Não é culpa sua, meu amor, não tem que se desculpar por nada. Ele com certeza não carregará nenhum arrependimento para o pós vida, pois morreu fazendo o que queria. Na verdade, eu acredito que ele morreu feliz, entregar-se de corpo e alma para o clã era seu maior desejo — disse a mulher, gentilmente.
Mesmo que não pudesse esboçar reação, Pietro não podia deixar de admirar aquele homem e pensar no quão incrível foi em vida, então murmurou — lutou por suas crenças e sua família até o final, ah… queria ter lhe conhecido ainda em vida…
Aquelas palavras de Pietro foram o maior consolo que as duas poderiam ter. Mesmo que a mulher não estivesse totalmente convencida com as palavras da filha, a sensação que Pietro passa a faz querer ajoelhar-se em respeito. Portanto, resolveram entrar na casa novamente e conversarem sobre tudo que aconteceu, desde o início da destruição do clã até a morte do avô de Christina.