As Paredes do Céu Negro - Capítulo 8
1
Eliseu ainda não entendia o motivo de seu oponente utilizar um baralho tão ultrapassado. Não somente as cartas de monstros eram ruins, mas as cartas mágicas dificilmente fariam frente às mais atuais. Ele sabia quais eram as jogadas possíveis com aquele baralho, pois ele e Daniel passaram um tempo testando as possibilidades de vitória quando Enos ainda tinha algum interesse no jogo. No fim, não puderam resolver os principais problemas do baralho.
— Baixo poder de ataque e defesa inexistente — a voz de Eliseu projetou-se como um canhão sonoro na direção de Daniel. — Entende do que eu tô falando? Sinceramente, você deve ter perdido a cabeça.
Daniel riu baixinho. Em grande parte, de nervosismo.
— Para estar em uma partida ranqueada com um baralho desses? É, eu endoidei mesmo. O que quer ganhar dizendo isso?
— Nada. E dá pra ver que você também não quer ganhar nada. Sabe, você ainda deu sorte de eu ser seu oponente aqui…
— Sendo você ou não, eu venceria de qualquer forma.
Eliseu, então, começou a alternar o olhar entre a mesa de cavalheiros-peixes e o seu oponente. Com um pouco de autocontrole, conseguiu não explodir em risos.
— S-Seu engraçadinho… Saiba que essa é a minha carta mágica mais fraca! Ela não significa nada para o meu baralho!
Novamente, Eliseu olhou para a mesa dos cavalheiros-peixes.
E não pôde mais aguentar.
— Bwahahahahahahahaha!!! A-Ai… A-Ai!! Calma, sério, sério… Eu vou parar!! Bwahahahahahahahaha!!! Bwaaahahahahahaha!!
As veias saltaram na testa de Daniel. Sem espaço para argumentar, só poderia ficar nervoso.
— B-Bwahah… V-Você… Ah, bom, e-eu vou me controlar agora… — Depois de um longo suspiro, Eliseu tornou a falar: — Você é uma figura, cara. Mas sabe, talvez essa seja a minha chance de te derrotar pela primeira vez! Não posso desperdiçar a oportunidade!
Então, ele puxou as três cartas iniciais do baralho ao lado e avançou para a Fase de Construção. O clima estava tenso, e até mesmo o Peixe-Boi Demoníaco dos Mares parecia temer o que viria. Ainda que tentasse negar para si mesmo, Daniel tinha a perfeita noção de que as palavras de seu oponente eram verdadeiras. As chances eram muito pequenas.
E para piorar, Eliseu sorriu ao sacar as cartas na fase anterior.
— É isso aí! Ei, Daniel, me desculpa por isso, mas eu vou ter que te esmagar no seu aniversário! Sem ressentimentos, certo?
Ele inseriu a carta na Zona de Ataque. Então, era uma carta de monstro.
— Zona de Ataque? Mas o seu baralho é composto de…
— De cartas do atributo Mar, certo? Você tem razão. E é por isso que eu invoco… a “Alga Vermelha Oculta, a Vigia do Mar”!
O mau pressentimento estava correto. Quando a criatura surgiu no campo de batalha, frente a frente com o Peixe-Boi Demoníaco dos Mares, Daniel percebeu que teria problemas.
Um amontoado esférico de algas vermelhas apareceu no campo. Com dez metros de altura, o monstro era ainda maior do que o pequeno peixe à sua frente. Enquanto a massa principal de algas cuidava de formar uma casca forte e impenetrável para o monstro, algumas algas conseguiam se desconectar e formavam a imagem aterradora de uma boca gigante prestes a devorar o peixinho. Mas esse não era o pior de tudo.
No centro do monstro havia um buraco aparentemente vazio. Mas, quando se olhava atentamente, a escuridão daquela cavidade revelava um olho injetado de sangue, a pupila dourada e fina como um rabisco e a atenção voltada diretamente para o monstro no lado oposto do campo.
— Como ele foi invocado? Isso não faz sentido! — protestou Daniel, o suor manchando o rosto.
— Se pensar como um novato, não faz mesmo. Mas você é melhor do que isso — provocou. Outra vez, Daniel sentiu o sangue ferver. — Não perca a cabeça por isso. Você que me ensinou a usar essa carta do jeito certo, não foi?
— Espera, eu? O que disse?
— Hahahaha… O efeito da Alga Vermelha Oculta, não diga que se esqueceu.
Daniel ainda não entendia o que ele queria dizer.
— Tudo bem, eu vou fazer um favor e explicar pra você. Você tem, no seu campo, um peixe com menos de mil pontos de ataque e quatrocentos pontos de defesa. Ressaltando: um peixe. O que eu tenho do meu lado é um organismo muito mais simples. Uma alga vermelha, um organismo pluticelular e micótico. Ela não só é velha, como é muuuuito velha; muito mais do que os peixes que você tem no seu baralho. Agora entendeu? — Então, deu uma pausa e finalizou: — O efeito da Alga Vermelha Oculta é ignorar a ativação de uma carta mágica cujo alvo seja uma carta do atributo Mar e enviá-la direto pro Vazio. Respeitando os mais velhos, algo assim… Sei lá. Heh.
Antes do desespero, veio a decepção. Daniel estapeou a própria cara.
— Você disse que eu te ensinei, mas aparentemente aprendeu errado! Eliseu, qual é? “Pluticelular”? “Micótico”?! Se não sabe usar as palavras, não use! Nem o contexto tá certo!
— M-Mas eu só queria parecer inteligente…
— Não conseguiu.
Quando Eliseu parecia que iria chorar, se recompôs rapidamente e disse:
— T-T-Tudo bem! Mesmo assim, eu destruo a sua carta mágica “Boas Maneiras dos Peixes”! Vá, Alga Vermelha Oculta!!
— Ah, droga!
Cerca de dez algas desconectaram-se do corpo principal e perfuraram a terra. Cinco segundos depois, essas mesmas algas emergiram com violência nos entornos dos cavalheiros-peixes, que nem sequer tentaram correr, concentrados que estavam na refeição. O amontoado de tentáculos rubros desceu furiosamente e arrastou-os para outro lugar conforme atravessavam o chão. A mesa, os pratos, os talheres e todo o resto foram levados juntos pela investida impiedosa do monstro marítimo.
Sem a única carta que poderia impedir os ataques massivos dos monstros marítimos que viriam nos próximos turnos, Daniel estava em sérios apuros. A aflição só crescia em seu rosto desde o início da partida. Puxar a Alga Vermelha Oculta podia ter sido um golpe de sorte, mas funcionou muito bem contra a carta mágica que implantara no campo.
— F-Francamente… E agora… — falava para si mesmo em voz baixa, frustrado.
— Isso!! Você tentou me botar pra baixo, mas eu dei a volta por cima! Agora que sua carta mágica irritante foi tirada do jogo, eu tenho mais liberdade do que você planejou. Essa partida tá no papo! Pontos de Desafio grátis, aqui vou eu!
O olhar de Eliseu se afiou como uma navalha nova quando terminou de falar. De repente, o anúncio soou:
— A Fase de Construção está encerrada. Fase de Batalha do jogador “ReiSombrio_Eliseu” iniciada.