As Paredes do Céu Negro - Capítulo 7
1
“Hein? Não dá pra acreditar! É ele mesmo!”
Daniel não podia acreditar no que estava vendo. Mesmo que duas contas fossem amigas no jogo, a probabilidade de um duelo acontecer entre elas era irrisória, pois havia milhões de jogadores ativos no mundo todo. Por isso mesmo Daniel vivia reclamando dos chineses, dos japoneses, dos tailandeses: eles eram a maioria indiscutível no jogo. Em Jogos Elementais, a Ásia imperava desde o lançamento das primeiras cartas.
Esse era o caso das contas de Daniel e Eliseu. Antes mesmo da tradução para português ser lançada, algumas crianças da cidade já estavam jogando, e isso chamou a atenção do filho de Enos. Ele gostou tanto do jogo que fez menção de convidar os seus amigos para desafiá-lo, incluindo o próprio Eliseu. Entretanto, encontrá-lo em uma partida aleatória não era o que ele estava esperando para aquele dia.
“Não posso acreditar. Sim, com certeza é ele. E justo com esse baralho…”
Enquanto Daniel afundava em devaneios, o filho de Romeo estava analisando as próprias cartas para a partida prestes a começar. Ele era uma criança por volta dos dez anos de idade, assim como Daniel. Com uma camisa de cor roxa sem estampa e shorts pretos, Eliseu tinha cabelos lisos e escuros, amarrados na parte de trás da cabeça por um laço preto em um coque samurai. Daniel sabia que aqueles eram a sua aparência e o seu avatar, pois jogava com ele há muito tempo.
Assim que Eliseu olhou para a frente, pareceu se espantar da mesma forma que o adversário. Sua cara de surpresa — as sobrancelhas levantadas e a boca aberta — denunciavam que ele também tinha sido pego desprevenido pelas probabilidades. No entanto, o espanto durou pouco, uma voz robótica soou em todo o ambiente:
— O Desafio está prestes a começar. Elementalistas, estejam preparados.
Os dois engoliram em seco. Apesar de tudo, o duelo começaria, precisavam ter isso em mente.
— O Desafio iniciará em três… dois…
Daniel e Eliseu já tremiam. Mesmo antes do início da partida, suas mãos não relaxavam, apontadas para o painel à sua frente.
— …um! Comecem!
Um som semelhante ao de uma sirene ressoou por todo o lugar. Então, a partida estava iniciada.
Agora era a Fase de Escolha. Nessa fase, tanto Daniel quanto Eliseu precisaram tocar o painel diante deles na escolha entre duas opções: cara ou coroa. Quando as escolhas já tinham sido feitas, o sistema as computou e algo começou a acontecer.
Daniel escolheu cara. Quando o fez, a opção desapareceu do painel de Eliseu, que foi obrigado a ficar com a única escolha restante. Dessa forma, uma gigantesca sombra projetou-se sobre os belos campos verdejantes abaixo das torres. Os Elementalistas olharam para cima e viram do que se tratava.
Uma moeda gigante flutuava a dezenas de metros do chão. Não dava para ter os valores exatos apenas observando, mas sabiam que aquele objeto era muito maior do que se fazia parecer. Seus vinte metros de diâmetro e oito metros de altura começaram a parecer ainda mais intimidadores quando a moeda despencou, girando sem parar, como se movida por uma força sobrenatural. A imagem borrada não permitia prever o resultado do giro descontrolado da moeda.
Então, ela bateu no chão à toda velocidade e ergueu uma grande cortina de poeira que se espalhou pelo campo de batalha. Assim que a poeira baixou, o resultado ficou óbvio aos dois.
“Cara!”, pensou Daniel, comemorando consigo mesmo.
“É uma vantagem muitíssimo bem-vinda! Pois bem, eu sei que posso vencer!”
Era a hora da próxima fase ser iniciada. A voz anunciou a entrada da Fase de Saque e Daniel puxou três cartas do seu baralho. Como era uma das primeiras entradas dessa fase durante a partida, ambos os duelistas puxavam três cartas em vez de apenas uma nos seus respectivos turnos iniciais.
— A Fase de Saque do jogador “Lorde_Daniel” está encerrada. Agora é a Fase de Construção — anunciou a voz robótica.
Era uma ótima vantagem. Não, era a melhor vantagem possível, Daniel tinha certeza. Mas todo o seu ânimo e confiança caíram por terra quando precisou dar uma olhada nas cartas que tinha sacado.
“N-Não pode ser… Eu tinha me esquecido de como esse baralho é terrível…”
Na verdade, as cartas em sua posse eram as originais de Enos. Como ele não conseguia vencer uma única partida, decidiu dar todas as cartas para o filho. Daniel nunca as usou, e agora entendia o motivo. O pai nunca esteve errado em reclamar da qualidade duvidosa delas.
Mesmo assim, era melhor cair atirando do que aceitar a derrota como um fracote.
— Muito bem, Eliseu! Eu invoco o Peixe-Boi Demoníaco dos Mares!
Com a carta em questão inserida na Zona de Ataque, um gigantesco peixe-boi de pele azulada surgiu como mágica, flutuando a alguma distância do solo. Tinha um semblante enfurecido e chifres que davam muitas curvas. Além disso, os músculos desenvolvidos do grande corpo do monstro mostravam que não tinha sido invocado para apanhar, mas para bater!
O monstro azul rugiu para os ventos. Perto do fim do tempo, Daniel emendou outra jogada:
— Isso não é tudo! Eu também utilizo a minha carta mágica “Boas Maneiras dos Peixes”! Assim que ela é colocada em campo, na Zona de Suporte, nenhum outro monstro do atributo Mar pode ser invocado até que ela ou o monstro no campo seja destruído.
Assim como as cartas de monstro, as cartas mágicas ganhavam formas tridimensionais uma vez em campo, mesmo que pertencessem à Zona de Suporte. Então, em poucos segundos, podia-se ver um jantar formal entre peixes vestidos com ternos e cartolas, os dois peixes referidos no nome da carta. Enquanto um dos cavalheiros-peixes desfrutava de sua refeição — um prato repleto de frutos do mar —, o outro chamava pelo garçom com sua barbatana brilhante. Uma situação bastante inusitada.
Eliseu se segurou para não rir do que via. Porém, logo sua vez foi anunciada e a graça passou.
Realmente, as cartas originais de Enos não eram as melhores nem as mais maneiras. Mas mesmo contra todas as expectativas, Daniel venceria aquela partida e mostraria a Eliseu quem estava no topo entre eles.
“Essas cartas… são ridículas e fracas. Bom, eu ainda vou vencer! Sei que Eliseu tem muitas cartas do atributo Mar, então essa foi uma boa jogada. Sim, sim. Só espero que ele não tenha puxado seu trunfo, ou eu estarei acabado…”
Com suor escorrendo pelo rosto, Daniel aguardava as jogadas que seu oponente faria na próxima Fase de Construção. A apreensão era visível e quase palpável em seu semblante.