As Paredes do Céu Negro - Capítulo 13
1
— O próximo movimento será baseado em sorte. E então, se sente sortudo no dia de hoje?
— Que idiotice. Você tá desperdiçando seu turno com uma carta que pode acabar te derrotando antes mesmo que eu caia. Pra ser honesto, suas estratégias estão deixando a desejar. Você tá doido!!
Daniel riu baixinho.
— Desperdício? Doido? É exatamente isso!! Isso aí, Eliseu!! — começou a berrar, os olhos esbugalhados e os dentes à mostra em um sorriso insano. — Você viu direitinho através da minha jogada! Mas quer saber de uma coisa? Eu tô doido mesmo, completamente pirado desde o início da partida! Doido de pedra!!! Que se dane, você realmente achou que eu tentaria ser razoável com a porcaria de baralho que tô usando? FATAL ENGANO PRA VOCÊ!! GYAHAHAHAHAHAHA!!!! Eu vou apertar o botão agora, então prepare-se!
Eliseu recuou um passo, por instinto. As coisas estavam esquentando na arena.
— Vamos às últimas consequências das nossas escolhas nessa partida, amigo! Eu ativo o efeito especial do Oráculo Verdadeiro do Mar Profundo!! GYAHAHAHAHAHA!!!
Tanto o orbe quanto os olhos da serpente marinha brilharam com intensidade arrasadora no momento em que a ordem foi dada. O azul tomou conta de toda a arena por um instante, inundando os olhos dos Elementalistas e dos monstros mais próximos do epicentro do brilho. A criatura abriu a boca e exibiu as presas conforme a luminosidade aumentava. No fim, era inegável que estavam na presença de um rei.
Até mesmo a gravidade pareceu mudar. No instante seguinte, tanto os Elementalistas quanto os outros monstros invocados sentiram seus corpos mais pesados do que nunca, como se alguém lhes ordenasse a ajoelharem. Diante de tamanho poder, Daniel continuou a rir loucamente.
— GYAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! É TUDO OU NADA! QUE O MUNDO SE EXPLODA!!!
A reação de Eliseu foi diferente. Ao contrário do oponente, ele estava tenso, aguardando o desfecho da manobra recém-desencadeada. O braço direito tentava proteger os olhos do brilho intenso, mas não era suficiente. Fechados ou abertos, eles seguiam enxergando perfeitamente o esplendor da serpente marinha.
Assim que a agitação acabou, os Elementalistas puderam ver a nova configuração do campo de batalha.
— A Alga Negra da Aflição! Meu monstro foi invocado à força! — gritou em contemplação. Ao lado das outras duas algas monstruosas, agora havia uma disforme e de coloração negra. Era como o lodo de uma piscina suja: suas partes não estavam exatamente unidas, apenas sobrepostas umas às outras. Mal dava para ver o olho macabro característico dessa “família” de monstros.
Por outro lado, Daniel parou de rir quando viu o que estava no seu campo de batalha.
— A única opção, então…
No campo de Daniel, ocupando o espaço central da Zona de Ataque, figurava um grande rato cinza de aparência cômica, com nadadeiras no lugar das patas e guelras alocadas nas laterais do pescoço. Suas proporções alcançavam os três metros de comprimento e dois metros de altura, seu nariz era apenas um pequeno ponto preto no meio do rosto. O animal estava deitado sobre uma enorme prancha de surfe com listras vermelhas e brancas. Inesperadamente, vestia um conjunto completo de sunga e touca de natação vermelhas com bolinhas brancas. O roedor aquático podia ter o semblante agradável de um hamster, mas sua força era inigualável e isso preocupava o Elementalista.
— O Rato Aprendiz do Surfe. Que sufoco… — sussurrou.
Os rivais tiveram o ímpeto de analisar um ao outro. Nenhuma informação relevante foi coletada, entretanto. Foi aí que se encararam para uma última conversa.
— Não consigo dizer qual de nós venceu, faz tempo que não vejo esse baralho e suas cartas — falou Eliseu.
— O mesmo aqui. Essa alga estranha de agora é nova? — respondeu Daniel.
— Heh, bem observado. Teremos que deixar por conta da sorte. Sua teimosia nos condenou, viu?
— É assim que deve ser.
— Então eu te vejo daqui a alguns segundos.
— Que vença o melhor entre nós — finalizou Daniel.
Eles sorriram um para o outro. Diante de uma jogada tão arriscada, Eliseu pôde entender a empolgação de seu rival. Ele não compartilhava do sentimento, mas simpatizava com ele. Amigos eram amigos, no jogo ou na vida.
A serpente marinha tornou a emitir aquele mesmo brilho de pouco tempo atrás. A orbe a acompanhou no show de luzes. Tudo o que se ouviu vindo do espaço preenchido de luz foram os gritos de dor de duas vozes distintas.
O efeito especial do Oráculo do Mar Profundo era incomum e, de certa forma, perigoso também. Como uma carta mágica de raridade considerável, quando alguém a colocava no campo de batalha, antes de ter a permissão para acessar os seus poderes místicos, exigia-se o sacrifício de todas as cartas presentes na Zona de Ataque do invocador, incluindo uma do Atributo Mar, obrigatoriamente. O Macacarrão Acrobático foi a única e infeliz vítima, e a partir disso Daniel pôde prosseguir com a utilização plena das capacidades do Oráculo Verdadeiro do Mar Profundo.
Então, a serpente marinha reunia os seus poderes no orbe mágico e os espalhava para todos os lados. A consequência disso era que ambos os Elementalistas viam-se forçados a invocar quaisquer cartas de monstros que tivessem disponíveis à mão; e, quando o primeiro clarão ia embora, havia um pequeno intervalo de tempo antes do segundo clarão estourar. O brilho final decidia o vencedor da batalha de acordo com os pontos de ataque somados dos monstros na Zona de Ataque, enviando-os como prejuízo para os pontos de vida do Elementalista e, consequentemente, eliminando as criaturas de forma definitiva. Sem exceção.
O ritual fora realizado com sucesso. Então, restava que o vencedor fosse anunciado.
Passados vinte segundos, o clarão foi sumindo aos poucos. Os gritos também cessaram. No topo de cada uma das torres, Daniel e Eliseu estavam deitados, as energias exauridas e os corpos levados ao limite da dor. Até mesmo as suas roupas tinham sido pegas no ataque, pois estavam chamuscadas e furadas em muitas regiões, assim como suas peles foram tostadas. Nenhum monstro pairava pelo campo de batalha, agora, completamente arrasado pelo calor, transformado em uma pradaria de cinzas. Arfando pesadamente, a situação de Eliseu parecia ainda pior do que a de seu oponente. E com os olhos mal e mal abertos, os dois foram despertados pela voz robótica do narrador:
— O Desafio está encerrado. Como os pontos de vida de seu adversário foram zerados, o vencedor é o jogador “Lorde_Daniel”. A instância será fechada em sessenta segundos e os Pontos de Duelo, transferidos para a sua conta.
Daniel sorriu de alívio. A sorte esteve do seu lado durante toda a partida e, assim, conseguiu a vitória sobre o Elementalista do rabo de cavalo. Agora só precisava esperar pelo encerramento da instância.
Mas Eliseu não pensava assim. Apesar dos ferimentos sofridos, reergueu-se do chão da sua torre somente para gritar:
— Espera um segundo!