As Bestas de Brydenfall - Capítulo 8
Arthur se via diante da morte.
Suas duas únicas armas jaziam quebradas ao meio, praticamente inúteis. A fera ainda demorou alguns segundos para processar que sua pata havia resistido ao golpe.
Herion percebeu o quão forte havia se tornado.
Quando se recuperou do susto, voltou à sua forma de completa cólera, rugindo contra o subcomandante. A bufada de ar quente alcançou Blake, imergindo-o no mesmo cheiro que infestava a cidade.
Os pés do lobisomem estouraram o chão, no momento em que partiu para o bote fatal.
Ainda armado com as espadas destruídas, Arthur preparou-se para morrer. Uma flecha inesperada de Gwyneth cruzou o ar e pousou na nuca de Herion, atordoando a monstruosidade.
Niall não conseguia parar de gritar.
A única coisa que impedia a criatura de devorá-lo era seu escudo de aço.
— Gwyn!!! — chamou pela irmã, que não o ouviu.
Caído junto ao monstro, o pobre covarde não tinha a mínima chance.
Sentiu o corpo flácido do infectado lhe prensar mais forte contra a grama gélida. Via os tentáculos cobertos de ventosas imobilizarem-no por completo. Um dos membros mucosos serpenteou até seu pescoço, onde se acomodou para asfixiá-lo.
Diante do perigo que assolava o campo de batalha, Corven gritou como um bárbaro, deixando a fúria fluir pelo corpo.
Investiu para salvar o tenente.
Sua alabarda se chocou contra a têmpora da besta tentacular, separando em duas partes a cabeça gosmenta da aberração. Um fluido pestilento escorreu contra Niall, que tossia desesperado por ar.
Notando os diversos inimigos que se aproximavam, Skar esbravejou para o tenente:
— Levanta logo, seu inútil! — Virou-se ao cardeal. — É bom que você saiba lutar, padre.
— A condenação de Brydenfall… Esse é o dilúvio de sangue.
Os olhos de Vort refletiam o horror presente na cena: aldeões depravados se arrastando pela mata como vermes, enquanto suas peles inchavam até alcançar a forma de demônios animalescos.
— Escuta aqui! — Agarrou o religioso pelo colarinho da batina. — Se você não vai ser útil, então dá o fora antes que seja tarde demais. Nenhum Deus virá te salvar, está me ouvindo?
— Mas se eu não ajudar… vocês vão acabar morrendo.
— Eu posso ver isso com meus próprios olhos.
O cavaleiro da alabarda permanecia inabalável.
Niall sacou desesperadamente o seu sabre, afastando-se da criatura decapitada. O cadáver ensanguentado atraiu três bestas menores, que não tardaram em devorar o aliado morto.
Os dentes afiados rasgaram a carne podre em instantes. O líquido coagulado lhes era tratado como néctar e ainda brigaram pelos olhos suculentos.
Trêmulo e nauseado, o jovem tenente se concentrou em não vomitar diante da cena. Observou o entorno e percebeu que toda a cidade viera os receber. Todas as táticas de luta que aprendeu no exército lhe pareciam inúteis.
Havia apenas um caminho possível: precisava fugir.
***
As bestas avançaram todas ao mesmo tempo.
Os cavalos de Arthur e Niall tentaram escapar, mas foram os primeiros a cair. Suas pernas foram quebradas para que os monstros se amontoassem acima deles, devorando até os ossos.
Herion soltou um rugido quando conseguiu arrancar a flecha em sua nuca.
Pensou em devorar a arqueira primeiro, mas o subcomandante à sua frente já parecia entregue ao golpe final. Terminaria uma refeição antes de começar outra.
Jogou seu peso contra o líder dos soldados, derrubando-o com facilidade.
O crânio de Arthur chocou-se contra uma pedra. Desorientado, pôde apenas sentir as gotas de saliva monstruosa lhe aquecerem a face.
Por puro reflexo, atravessou o olho de seu algoz com uma das lâminas quebradas. Quando ouviu o urro de dor, investiu a segunda espada contra o pescoço da criatura, atingindo uma artéria.
Herion revidou cravando suas garras na perna do subcomandante, escavando profundamente a carne.
Ainda com a visão embaçada, Blake usou sua única perna livre para chutar o cabo da espada, cortando a jugular da besta.
Enquanto o lobisomem se debatia, tentando retirar as lâminas cravadas, Arthur se arrastou para trás de uma árvore. Sua perna sangrava mais a cada movimento.
Corven arremeteu contra as criaturas que o cercavam.
— Já chega! — Decapitou um gigante obeso com presas de javali.
Os outros monstros devoradores de cadáveres pareciam ratos, com olhos umbrosos, pelos ensebados, garras imundas e pústulas profundas que coloriam a pele.
Tremiam como se estivessem com medo, mas soltavam risadas histéricas que alimentavam a ira de Skar. Pareciam zombar da dor de seus companheiros.
Usou a alabarda para decapitar todos os infectados que entrassem no caminho, sem qualquer hesitação.
***
Fracassando de novo.
E novamente fugindo.
Niall Vesper parecia atraído pelo caminho mais fácil da vida. Desistiria da batalha, pois era o melhor a fazer. Os resultados já não importavam mais. As recompensas de uma vitória perderam o valor, maculadas pelo medo incessante.
Guardou a espada, mas manteve o escudo, pois sem ele estaria morto.
Mesmo correndo o mais rápido possível, foi facilmente alcançado por um homem-rato. A criatura pousou contra a armadura do tenente, agarrando-lhe pelas costas e forçando a presa contra o chão.
Niall tentou se defender, mas era lento demais
Sentiu um choque no braço, quando a aberração começou a roer seus tendões. Agonizou sem segurar as lágrimas. Soltou o escudo, sendo dominado pela exaustão.
— Não! Não! Por favor! — continuou repetindo, enquanto a criatura arrancava sua armadura e imobilizava os braços.
Contorcia-se como um animal prestes a ser abatido, enquanto sujava suas vestes com o óleo fétido que o monstro suava.
Os gritos do tenente foram calados por um estrondo metálico.
Quando abriu os olhos molhados, Niall pôde ver como Arthur salvou sua vida.
O homem-rato estava desfigurado. No chão, amontoavam-se dentes quebrados, próximos à mandíbula deslocada da criatura. Sua cabeça havia sido estourada pela borda do escudo.
Vesper parecia prestes a desmaiar.
— Arthur…
— Pode ficar aí chorando o quanto quiser — O subcomandante levantou seu subordinado, roubando-lhe com agilidade. — Eu só preciso dessa espada.
***
Armado novamente, Arthur retomou o confronto contra Herion, agora pronto para morrer lutando, ao invés de ser caçado como um animal indefeso.
Gwyneth disparava contra todos os seres que ousavam interromper o duelo, sem errar uma única flecha.
A maior das bestas alcançava o topo das árvores. Com foices ósseas no lugar dos braços, ela já havia ceifado muitos no porto. Sua barriga estava cheia e a sombra de seu corpo engolfara a arqueira, limitando sua visão.
Faminta, a aberração desceu um dos braços laminares, sentindo-se em posse de uma guilhotina.
Com um movimento preciso, decapitou o cavalo da tenente Vesper, derrubando-a. Seu outro membro não teve a mesma sorte, quando a arqueira esquivou do golpe que a teria partido ao meio.
E enquanto a irmã mais velha lutava para sobreviver, o mais novo pensava se deveria seguir Arthur ou voltar a fugir.
Sua indecisão foi interrompida pelo cardeal:
— Não há mais nada aqui para nós. — Cavalgou para o cavaleiro mais afastado do confronto. — Vamos embora.
— Mas… eles estão perdendo… Ainda pode haver um jeito de ajudarmos!
— É impossível. Eles estão cumprindo o papel deles, tenente. Você perdeu essa honra no momento em que foi desarmado — Vort estendeu a mão para o jovem. — Mas eu posso salvá-lo.
Por um breve momento, Niall hesitou.
Sua memória vasculhava todos os anos de treinamento, tentando encontrar um meio de continuar lutando.
Não havia solução.
Na mata, outras criaturas já os espreitavam. Esticou a mão para o padre e sentiu um vazio em seu coração, sabendo que abandonaram o grupo para morrer.
***
O Rei dos Monstros desbravava a floresta, com seu exército de ratos.
Consumiam fungos, plantas, répteis e qualquer outro ser vivo que entrasse no caminho. A espécie ou substância já não importava mais, pois tudo era igualmente saboroso e nada saciava a fome.
Graças à bênção do novo Deus, o líder das aberrações sabia exatamente onde estavam os soldados que devia caçar.
Já podia sentir o cheiro do novo banquete.