As Bestas de Brydenfall - Capítulo 7
As flores, árvores e o próprio solo gramado estavam morrendo.
Por todos os cantos que o subcomandante observasse havia putrefação e miséria. Sentia-se ameaçado pelo próprio ambiente, como se estivesse cercado por um mal invisível.
Junto de seu pelotão, Arthur chegou a uma espécie de fazenda, onde as plantas e seus frutos jaziam cobertos de pragas, dominando o ambiente com seu cheiro pútrido.
Todos os soldados jaziam incomodados com o silêncio absoluto do local. O único som era produzido pelo tilintar de suas próprias armaduras.
Cada passo era como um aviso de onde estavam e para onde iriam.
Os irmãos Vesper, tenentes que já estavam familiarizados com a liderança de Arthur, foram os primeiros a alcançar uma pequena casa de barro, cujas paredes haviam cedido e soterrado tudo em seu interior.
— Encontrou alguma coisa? — perguntou Niall, o caçula magricelo, de cabeça raspada e um sabre curto na bainha, perfeito para ser manejado ao lado de seu escudo.
— Não sei se foi uma batalha ou assassinato, mas alguém foi atacado aqui. — Gwyneth, a mais velha, vasculhou os destroços da casa, revelando vestígios de sangue já coagulado. — Faz umas três horas, pelo menos.
Puxou sua franja ruiva para trás, como fazia sempre que estava nervosa.
Preparou uma flecha em seu arco, para caso fossem surpreendidos. Seu irmão escavava as ruínas usando o escudo, em busca de qualquer pista.
Afastado de todos os colegas, o capitão Corven Skar jazia impaciente e irritado, tendo de cuidar do maldito missionário que encontraram na estrada.
Ao que tudo indicava, o homem pálido de aparência jovem, mas dotado de excêntricos cabelos brancos, era um membro do alto-escalão sagrado, tendo o título de cardeal.
O soldado musculoso e mal encarado chamou a atenção do padre, que tremia a todo o momento, fitando o horizonte com um olhar de espanto.
Seus olhos se dirigiam à cidade fantasma.
— Ei! Qual é o seu nome mesmo?
— Sinto muito por não ter me apresentado a você. Aparentemente, cuidará da minha segurança, estou certo?
— Até que me digam o contrário.
— Pois bem, então se irá arriscar sua vida por mim, já somos praticamente amigos. — Estendeu a mão para Skar. — Vortius Grimaldi. Mas pode me chamar de Vort.
Corven ignorou o gesto de simpatia.
Passou a observar os membros do pelotão, percebendo que o coronel Alastor afastava-se da tropa, seguindo um rastro curioso em meio à grama alta.
Lembrou-se que ainda não sabia de algo crucial:
— Você não disse o que veio fazer aqui. Está querendo esconder alguma coisa?
— Eu tive um sonho. — Vort cavalgou um pouco mais à frente, até chegar ao ângulo em que podia ver o Sol vermelho com nitidez. — Havia esse porto coberto de chamas. E um dilúvio sangrento. E no encontro entre o fogo e sangue, estava ele… Deus.
— Parece que o Blake não é o único drogado do grupo.
Enquanto Corven tirava sarro das palavras forçadamente chocantes, um grito do coronel calou a todos.
— Um corpo! — alertou, virando-se para seu irmão de guerra, Arthur.
Os dois haviam cumprido diversas missões juntos e esta seria apenas mais uma, ao que tudo indicava.
A sorte ainda estava ao seu lado, já que uma pista tão substancial foi encontrada logo ao passar o olho no cenário, sem qualquer empecilho.
Alastor desceu do cavalo, analisando a mulher caída no matagal denso.
O corpo estava tão desfigurado que ficou impossível constatar o que a matou. Além de um braço terrivelmente decepado, a pobre coitada ainda possuía dezenas de perfurações pelo corpo, com retaliações que poderiam ser atribuídas às mordidas de um animal selvagem.
— Eu acredito que ela… — Foi interrompido por um vulto monstruoso vindo em sua direção.
***
Esses militares patéticos, com seus aromas chamativos e carne saborosa, acham que podem fazer o que quiserem.
Herion observava atento enquanto a tropa violava seu refúgio.
Em sua nova forma, tivera dificuldades em organizar os pensamentos, principalmente com a maldita voz que ressoava em sua cabeça, murmurando ideias macabras.
Quando Niall e Gwyneth tocaram os destroços de sua casa e o sangue da amada, o monstro se controlou para não entrar em um frenesi.
Ao vê-los cavalgar por cima dos frutos e flores de Liene, sentiu os pelos em seu corpo arrepiarem-se, mas ainda pôde negar a fúria.
Suas garras afundaram no solo.
Pela mandíbula da criatura, descia uma cascata de saliva.
Não pôde mais se controlar quando percebeu que um dos malditos profanava o corpo de sua alma gêmea. Avançou em um bote sedento contra Alastor, abocanhando o braço que ousou tocá-la.
Dominado pela ira, arrastou o coronel para o interior da floresta que fazia divisa com a plantação, sem dar tempo para os colegas reagirem.
Atrairia suas presas para o abatedouro.
***
O vento frio se fortaleceu quando Arthur liderou seu grupo para a floresta sombria.
Niall desembainhou o sabre, enquanto Gwyneth carregava um virote em sua besta, deixando o arco de lado. Optara pela precisão da segunda arma, ao invés da velocidade da primeira.
Na retaguarda, Corven se mantinha atento, armado com uma longa alabarda que protegeria facilmente o cardeal Vort.
As árvores emanavam o cheiro da peste. Centenas de folhas cobriam o chão, como se tivessem caído todas no mesmo dia. Cada trote dos cavalos ecoava a centenas de metros, alertando qualquer um que dividisse terreno com os soldados.
Niall tremia, sem poder controlar o medo frente ao desconhecido.
Dentre todos no grupo, fora ele quem vira mais claramente a forma do monstro, com braços tão largos quanto as pernas, dotado de um couro negro que se camuflava extremamente bem entre as trevas da mata.
Vesper tentava esconder o nervosismo, mas a imagem das imensas garras da criatura, que faziam seu sabre parecer uma pequena faca, insistia em voltar à mente.
A floresta negra tinha olhos vidrados em cada um dos soldados.
Prostrados em arbustos ou montados em galhos, os aberrantes observavam suas presas. Todos os infectados queriam um pedaço da refeição que se aproximava a passos curtos. Haviam percebido que, a cada refeição, seus corpos se alteravam, adquirindo novos braços, olhos ou até mesmo asas.
Não demorou muito para Arthur encontrar seu amigo.
Alastor estava pendurado em uma árvore, com um galho cravado em seu peito e o horror ainda estampado na face. Suas pernas haviam sido arrancadas, criando uma poça de sangue no gramado abaixo do corpo.
O subcomandante abaixou a cabeça, tentando domar as emoções.
Não tinha a mínima vontade de saber o que acontecera com as pernas de seu companheiro, mas só a noção de que estavam lutando contra algo que fizera a brutalidade em instantes, já o deixava mais ansioso do que nunca.
Sorriu com lágrimas nos olhos.
Recobrou a vontade suicida que dominava seu coração desde a morte da mãe.
Se tudo desse certo, este seria o momento que tanto aguardava.
***
A cidade era um necrotério.
O cheiro de fumaça confirmava o óbvio: um grande confronto tomou o Porto de Carvalho como palco principal. As casas jaziam reviradas, com móveis em pedaços e portas arrombadas.
Janelas quebradas ainda continham sangue em seus cacos de vidro, como se tivessem sido destruídas graças ao impacto de um corpo humano.
Capitão Sandor tinha mais notícias preocupantes:
— As torres de vigilância foram todas tombadas… E ainda não encontramos ninguém, meu senhor.
O comandante tentava esconder a raiva crescente.
Por toda a cidade, nada além de seus soldados produzia barulho. Tinha certeza de que o grande perigo repousava no Porto, mas não encontrava nenhuma pista que não levantasse dezenas de perguntas.
Não demorou muito para chegar à conclusão de que, se os inimigos não estavam no local, então restaram apenas os arredores da cidade, para onde enviou um padre indefeso, dois tenentes mal treinados, um capitão impulsivo e um subcomandante com tendências suicidas.
Esperava que o coronel Alastor estivesse domando os problemas do grupo, como sempre fazia.
O aspirante Ed cortou o raciocínio de Griggs:
— Comandante! — Apontou para um rastro de sangue e apanhou do chão a primeira pista realmente útil. Uma vestimenta azul em frangalhos. — Essa capa… creio que seja parte de uma armadura da marinha.
— Bom trabalho, garoto. Uma visão exemplar para compensar a do velho aqui!
Quando Griggs estava prestes a descer do cavalo para seguir o rastro, foi impedido pelo sargento Witz.
— Por favor… deixe conosco.
— Se insistem. — Sentia-se fraco diante de tamanha piedade, mas sabia os riscos de sair da montaria. — Apenas fiquem atentos.
— Sim, senhor! — Os cinco soldados, já com armas em mãos, partiram para a busca.
Esperavam resolver o problema sem ter que desgastar o comandante.
Todos sabiam de sua última incursão à Wymeia, quando foi atingido por uma martelada no joelho, tendo uma de suas pernas fragilizadas para todo o sempre.
Em seu cavalo, Griggs era uma máquina imparável, destruidora de exércitos. Fora da montaria, ele era apenas um velho manco e lento.
O sargento assumiu uma postura de combate. Atrás de Witz, Ed vibrava de ansiedade, pressentindo que estava para começar a sua primeira batalha de verdade.
Formando uma fila, os cinco soldados cruzaram o beco ensanguentado e desceram uma escadaria, rapidamente alcançando um portão de aço danificado.
Por toda a sua extensão, o metal estava amassado e arranhado pelo que pareciam lâminas.
Witz girou a maçaneta, mas não conseguiu abrir. Estava trancada e foram necessários sete chutes para provar o contrário. Quando o sargento já estava sem fôlego, com o aço das botas completamente desgastado, a porta foi ao chão.
Nas trevas do porão enigmático, movia-se apenas um ser.
Todos os soldados foram recebidos com uma visão deplorável que fedia a fracasso: Grey Brydenfall ainda estava vivo.
***
O segundo pelotão estava cercado.
Por todos os cantos que Arthur olhava, havia mais daquelas aberrações impossíveis. Percebeu que entrara em uma batalha muito maior do que qualquer guerra já enfrentada.
O momento que tanto esperava parecia ter chegado de braços abertos: um fim honrado para sua vida lastimável.
A hora em que seria libertado de seu fardo, de uma vez por todas.
Quando o primeiro dos monstros avançou contra o grupo, foi recebido com um virote entre os olhos. Gwyneth não havia desistido. Enquanto a criatura, que mais parecia um sapo, agonizava no chão tentando tirar o dardo cravado, uma segunda fera investiu contra o subcomandante.
Não deixe que escapem.
Com dois tentáculos no lugar dos braços, uma das quimeras se enroscou nas pernas de Niall, assustando seu cavalo e derrubando o soldado.
O subcomandante Blake sabia que era só questão de tempo até todos estarem mortos. Isso se já não estivessem, pois a visão que tinha no interior da floresta sombria era de que haviam entrado diretamente no Purgatório, onde pagariam por seus pecados.
Herion estava próximo de sua presa.
Arthur deixou que a criatura viesse matá-lo.
Recordou a morte de Alastor como se lembrasse de uma piada e não segurou os risos, quando percebeu que o monstro era previsível demais para ganhar a honra de ser seu assassino.
No momento em que as garras gigantes cortaram o vento acima do cavalo, o cavaleiro já estava no chão, com suas espadas desembainhadas. Com a adrenalina em seu sangue, Arthur via o mundo em câmera lenta.
Seu alvo possuía aberturas indesculpáveis.
A primeira espada desceu contra a pata esticada, enquanto a segunda subiu numa técnica de desmembramento, que simulava o corte de uma tesoura. Utilizaria as duas lâminas nesse ataque brutal.
Herion arregalou os olhos vermelhos. Compreendeu que havia subestimado o adversário. Não conseguia prever os movimentos de um mero soldado.
Quando o metal das espadas chocou-se contra sua pata… As lâminas se quebraram perante a armadura do infectado.
Não é hora de perder a fé.