Amor é Mais Complicado do que Parece - Capítulo 82
Rolando ladeira a baixo
Visão Yuna
Ainda de mãos dadas com Izumi comecei a acompanhá-lo, conforme caminhávamos pela ladeira, bem, o local mais íngreme era, por isso não tinha chance real de cairmos.
Dito isso, cai e rolamos ladeira a baixo.
Como isso aconteceu ninguém precisa saber, podemos seguir com a história.
Chegamos ao tal bosque, que eram umas árvores plantadas no finzinho da colina, onde tínhamos uma área mais plana.
Lá tinha um balanço entre as árvores, uns banquinhos para sentar, uma sombra gostosa e não muito mais que isso. Era grande, mas também não muito, eu conseguiria facilmente correr ao redor de todo o terreno da casa, por exemplo.
Enfim, chegando lá meu namorado já começou a me mostrar algumas coisas empolgado.
A primeira coisa que ele me mostrou, ou melhor, a primeira coisa que ele pegou foi sua faquinha. Era uma pequena lâmina velha presa a um pedaço de pau. Para ser educado com o “tesouro” de infância do meu namorado, vou chamar de rústica.
Não me peça para ser mais gentil que isso, não tem como. Por sorte, o Izumi, por causa daquele troço, acabou criando uma paixão por faca e comprou várias muito melhores e acabou esquecendo aquele negócio. Temo que ele teria adquirido tétano múltiplas vezes com aquela lâmina enferrujada.
Enfim, ele também me contou a história de como conseguia a faquinha. No caso, era do avô dele, eis que um dia o velho usou ela e esqueceu no bosque.
Coisa de velho, sabe como é.
Agora que vem a malícia do garotinho, ele sabia que a vó dele odiava lâminas, então quando viu a oportunidade pegou a faca para ele e não contou pra ninguém. Desde então, aquela relíquia da idade da pedra esteve escondida no bosque.
Gostaria de abrir um adendo sobre o esconderijo, ele deixava a faca embaixo de uma raiz de árvore, numa parte que tinha sido cavucada por ele, e ainda colocava pedras em baixo e em volta, era impossível de alguém achar.
Claro, ele ainda usava a faca toda tarde em plena luz do dia, mas os avós dele não olhavam muito para o que ele fazia, por isso ele nunca foi pego.
E foi assim que começou a coleção de facas antigas do meu amado, que inclusive, só descobri sobre a existência naquele dia.
Depois ele colocou algumas folhas contra o sol e me explicou detalhadamente como cada uma delas parecia diferente quando contra o sol.
Sério, ele fez tanto aquilo quando era mais novo, que só de olhar para uma folha no chão ele saberia qual era sua aparência contra o sol.
Ele também me mostrou a lupa que estava esquecida naquele pequeno bosque. Então me mostrou que o sol ia pegar dependendo do galho da árvore no qual ele largasse a lupa. Não só isso, ele sabia onde a luz iria durante o pôr do sol e em quase todos os horários do dia.
Sim, na infância, o garoto definitivamente tinha explorado cada canto daquele lugar, além de ter uma memória estupidamente boa.
A propósito, no meio disso tudo um genocídio de formigas ocorreu, mas acontece.
Falando sério, eu não resisti a perguntar qual era a rotina do Izumi. Não conseguia entender porque ele passaria tanto tempo só olhando para folhas ou para onde a luz vai.
No fim, descobri que o Izumi simplesmente acordava, tomava café da manhã e, todos os dias, ficava testando, de 5 ou 6 horas, todas as coisas que podia fazer com a pequena lupa que tinha, com as folhas e com uma faquinha.
Essa foi basicamente a rotina de todas as manhãs dele até os 11 anos. Ele até entrou para escola com 6 anos, mas as aulas eram à tarde, então não mudou nada.
Se quiser saber, foi quando ele tinha 11 anos que o avô dele morreu, a avó tinha morrido 1 ano antes. E depois disso ele ficou 5 anos sem pisar naquele lugar de novo.
No fim, não conseguia entender como alguém conseguiria encontrar coisas para se divertir e entreter por tanto tempo só com aquilo, por isso perguntei:
— O que exatamente você ficava fazendo, por exemplo, se você tivesse que passar o tempo agora, o que faria aqui?
Izumi olhou a volta por exatos 7 segundos, então achou um galho e começou a descascar ele. Sim, descascar, ele literalmente foi tirando camas de madeira, no caso, a casca da árvore.
Claro, normalmente não é tão fácil tirar um negócio assim com a mão, mas o tipo de madeira deve ter colaborado, não sei.
No fim acabamos com um galho branquinho, só aquele miolo de madeira mais mole e fácil de usar.
Então Izumi, provando a resistência do seu “tesouro”, começou a tirar lascas do graveto para o esculpir. Fiquei surpresa, realmente não esperava que aquela porra fosse capas de cortar alguma coisa, a faca parecia mais cega do que corno apaixonado.
E por fim tínhamos uma “espada”. Em defesa do garoto, foi um trabalho até que bem feito, apesar de levar bastante tempo.
Depois disso ele começou a lutar com o ar, o que convenhamos, toda criança já fez. Naquele ponto até pensei “Isso não é normal demais para o Izumi?”
E adivinhem, era?
A próxima atividade de diversão que o Izumi criança fazia era meditar, sim, meditar. Sabe aquilo que os monges têm que esforçar e treinar para fazer, então,ele fazia por diversão e sem saber.
No caso, ele fazia a mesma coisa que me mostrou na praia, sentar no chão, ouvir as coisas à volta e ir para o mundo da imaginação. Claro, só olhar o Izumi sentado no meio do nada ia ser chato, então mandei… digo, “pedi” para ele narrar o que estava “vendo”.
— Humm! Deixa eu ver, faz tempo que não venho aqui, mas acho que vou para o reino das formigas. — A propósito, o Izumi aparentemente imagina coisas diferentes dependendo do lugar em que ele está. Ou seja, o garoto consegue se imaginar e sentir as situações mais malucas de todas, contudo não consegue fazer isso em todo lugar, vai entender!
Tá, sendo honesta, a explicação era até que simples. Por mais que Izumi fosse um pouco louquinho, ele não conseguia ignorar a realidade, por isso se ele estivesse num lugar frio, ele se imaginaria em um lugar frio. Se ele estivesse do lado de um formigueiro, ele conseguiria se imaginar entrando no formigueiro.
Ok, o segundo exemplo é um pouco mais estranho. Assim, o Izumi precisa primeiro olhar para o formigueiro, analisar ele, queimar algumas formigas, só então, enquanto olho para as formigas, ele consegue se imaginar entram lá.
Fez sentido?
Acho que não, mas estamos no mesmo barco.
Fato era, tudo que o Izumi fez durante toda a sua infância foi observar coisas em silêncio e criar mundos na cabeça dele. Nesse período, a única interação com outras pessoas que ele teve, foram contar as histórias que ele criava para os avós e os churrascos com a família todo final de semana, além de claro a escola.
Agora vamos aos problemas, ele não gostava de muito barulho e basicamente fugia dos churrascos. No primeiro dia de aula ele brigou com alguns meninos, porque a brincadeira deles tinha um worldbuilding sem sentido, a partir daí ele passou a ficar sozinho no recreio. Já os avós dele, bem, eles mais ouvem do que qualquer coisa.
Entender exatamente o que o Izumi pensa é e era impossível para mim, mas pelo menos consegui entender melhor quem ele é.
Por fim, uma pergunta que tive foi respondida, como ele pode ter passado tanto tempo sem amigos. A resposta é simples, ele estava em um mundo próprio, onde ninguém além dele conseguia entrar.
Ele por muito tempo não quis sair do seu próprio mundo e ninguém nunca tinha tido qualquer interesse em tentar entrar e, mesmo se tivesse, não era uma tarefa fácil.
Convenhamos, estava tentando a bom tempo entender aquela cabecinha e não conseguia.
O sol começou a se pôr, Izumi me mostrou o melhor ponto para assistir ao pôr do sol e finalmente começamos a caminhar em direção a casa.
E assim acabou o dia no qual, pela primeira vez, fiquei pacientemente observando aquele garoto brincar e foi, de certa forma, divertido…acho. Ok, posso dizer que foi, sem dúvidas, único. Inclusive, esse é o melhor adjetivo para descrever o Izumi sem ser ofensivo.
— Eu te amo! — A propósito, não posso esquecer de comentar, Izumi e eu nos beijamos apaixonadamente durante o pôr do sol. A melhor parte, o sol, que sumia por entre as árvores, iluminava exatamente apenas o nosso rosto. Izumi escolheu de fato o melhor ponto.
Por fim o problema veio, ainda tínhamos que entrar na casa de novo.