Amor e Dinastia - Capítulo 3
Nathan Wolf
Nunca precisei sujar as mãos de sangue, mas parece que hoje vai ser diferente.
Recebi as instruções de meu pai, enquanto percebia o seu cinismo, mas joguei o jogo dele.
Da sua boca saía “sem mortes”, enquanto suas mãos, pela primeira vez, me entregavam kunais duplas.
“Quero que traga apenas o bracelete de Jaspe”, mas queria dizer: “eu quero a cabeça de Sarah Wesley com um belo sorriso na garganta na minha mesa.”
Lentamente, ele caminhou em direção ao quadro da família, para que eu me lembrasse do peso da maldição que caía sobre minhas costas.
De geração em geração, os lobos da noite se reuniam paras se banquetear com a nova cabeça que rolava pelo tapete vermelho, que só era vermelho por conta do rastro de sangue.
Santien tomou uma das kunais de minha mão, a mesma que me dera agora a pouco.
E, com a ponta afiada, rabiscou metade do rosto de um lobo em meu punho.
Grunhi de dor, mas nada comparado a dor que eu causaria logo em breve.
A marca era um sinal. Um aviso. Não para mim, mas para eles e para ela. A caçada havia começado.
Antes de sair pela porta, ouvi: “não admito falhas.”
Eu havia entendido o recado.
Hoje à noite, seria o dia em que eu entraria de vez para a matilha, para os negócios da família. Ou seria deserdado para sempre.
Chuva e neblina condecoravam a cidade das estrelas, que ironia.
Apenas a luz da lua era o afago. Só assim, pude enxergar a mansão onde Sarah Wesley estava.
Os seguranças, quando me viram, nada fizeram. Na verdade, nem sei se olharam diretamente para mim.
Enquanto caminhava em direção a porta, a resposta para o meu incômodo finalmente vinha à tona: “Por que ele me deu duas kunais?”
Eles já sabiam da minha chegada, mas não era para eles. O símbolo era suficiente.
Acontece que a morte tinha de ser brutal, uma retaliação completa.
Pela primeira vez, não eram bonecos de pano que virariam poeira no ar.
Toquei a campainha, fui recebido com um abraço apertado e um convite para entrar. Não havia resistência. E pra quê?
Ela não ligou as luzes. A luz da lua entrava pela janela revelando metade dos nossos rostos.
Sarah chegou mais perto e pediu para que eu mostrasse a mão para ela.
Levantei a mão, trêmula, confirmando sua suspeita; a luz azul alumiava a os traços do risco.
— Você está deixando a barba crescer — ela disse, alisando o meu rosto.
— Não temos tempo pra isso — interrompi, abaixando sua mão.
— Faça o que tem que ser feito, filho.
Naquele momento, vozes sussurravam em minha cabeça:
Lembranças de quando meu pai me dizia, quando criança, que chegaria o tempo que aquilo que eu mais amava morreria, pelas minhas próprias mãos.
E o tempo havia chegado: essa seria minha comemoração de aniversário.
O rito de passagem dos Wolfs, o corte umbilical maternal, realizado pelo próprio filho, quando completa a maioridade.
Só assim o jovem garoto poderia seguir a vida e os negócios, sem mimos e apegos maternais. Nada que amolecesse seu coração.
Sarah fechava os olhos, e eu empunhava a kunai para o alto. O feixe de luz azul que entrava pela janela parecia mais forte. Agora, podia ver seu rosto por inteiro, bem como o bracelete de Jaspe que meu pai lhe dera.
Talvez, se soubesse do passado de Santien, jamais teria se envolvido com um Wolf. Mas, então, eu cheguei, e tudo mudou.
Com apenas uma apunhalada eu acabaria com aquilo.
Então o fiz.
O sangue jorrou pelo chão.
Minha respiração, ofegante, não conseguia acompanhar o ritmo do coração.
— Você falhou — Sarah disse.
Ainda não conseguia falar, minha respiração atropelava o fluxo de palavras.
— Você sabe que ele vai atrás de você. Ou melhor, eles irão atrás de você — Sarah repetia, sem conter as lágrimas.
Ela se preparou para esse momento desde que soube com quem havia se metido.
Mas eu falhei.
Dei-lhe um beijo em sua testa, chorando, pois sabia qual seria o seu destino.
Caso o filho não conseguisse completar o rito, a mãe é considerada culpada e é condenada junto ao filho.
Por mais que, por tanto tempo, se esforçara para se manter distante de mim, não foi o suficiente para esfriar o meu amor.
Lamento por só ter percebido isso quando vi seu rosto por completo.
Por fim, a última visão que eu teria de Sarah Wesley, minha mãe, seria do seu rosto, em lágrimas, sendo iluminado pela lua.
Agora, o risco em meu punho era um aviso, um lembrete; para mim, e para eles. Eu, o renegado, me tornei a caça.
Não. Essa noite, os lobos não irão uivar.
Joshua
É incrível como os sentimentos podem mudar de uma hora pra outra. Antes de assinar o acordo com Marvin, a sensação era de necessidade, urgência.
Em casa, refleti sobre o que aconteceu mais cedo e, quanto mais eu o fazia, mais aquilo me conturbava.
Minha mãe está a salva, e isso foi o suficiente. Mas o gosto de humilhação e derrota tomou conta de mim.
Perder praticamente todos bens que foram conquistados pela minha família, num piscar de olhos.
Eu simplesmente não conseguia aceitar isso.
E pensar que tive a vida de Marvin em minhas mãos, com ele sabendo disso, pois fiz questão de mostrar a arma. Mas ele estava paz, como se estivesse de férias em Miami.
Eu, o tolo, achei que o controle da situação estava, finalmente, comigo. Mas nunca esteve.
Se aquela arma tivesse disparado, provavelmente Marvin estaria morto, minha mãe também.
De qualquer forma, sairia perdendo.
Meu incômodo se agravou quando recebi uma carta, que na verdade era um convite para uma cerimônia de abertura de um “novo restaurante”, chamado “Marvin’s House”
Recebi um telefonema de Madalena perguntando porque o restaurante mais famoso da cidade, outrora propriedade da nossa família, havia mudado o nome para Marvin’s House.
Certamente seria uma longa noite.
Arrumei ligeiramente minhas tralhas para a monitoria matutina.
A pior decisão que tomei nesse semestre: além de monitorar com Madalena pela manhã, também pela noite.
Antes que eu saísse pela porta, meu pai me disse:
— Hoje você foi incrível, me provou mais ainda que posso confiar em você.
— Então estou cumprindo meu objetivo, ser igual a você — respondi.
Ele respondeu com um sorriso murcho. — Não deixemos sua mãe saber do que aconteceu, certo? Deixa que eu converso com ela.
— E ter que aguentar o surto? Não! Isso aí é com você!
Ele riu, meio frouxo.
— Estou indo, só volto pela madrugada — falei enquanto pregava as chaves do carro.
— Se cuide.
Quando cheguei na universidade, sabia que os próximos 30 minutos seriam de Madalena enchendo meu saco. Eu odeio estar certo.
Apenas ignorei boa parte do que ela falava, principalmente a parte em que repetia mil vezes “Por que você não me avisou?”, sendo que eu fui sequestrado, e depois tive pouco menos de 2 horas para salvar minha mãe de uma explosão em pleno voo.
Mas não a culpo, ela estava em estado de choque, preocupada. A sua forma de demonstrar era através da raiva e da repulsa. Eu já conhecia muito bem.
— Eu já falei! prometo que na próxima vez eu te aviso e morro logo em seguida, beleza?
— Próxima vez? você tá brincando? — Ela debochou.
— Por que você se preocupa tanto, se em breve teremos de nos matar de qualquer jeito?
Devia ter parado, mas continuei:
— Teria poupado seu tempo. Não é isso que você quer?
Eu não deveria ter dito aquelas coisas, mas saiu. Eu estava explodindo.
Todo surto e ações desenfreadas desfaleceram, junto a uma única sentença:
— Você tem razão — deu de ombros — estou indo, a turma da noite já vai entrar.
Paralisado, não consegui fazer nada, a não ser vê-la sair pela porta.
A merda já havia sido feita, certamente não trocaríamos diálogos pelo resto da noite.
Droga, Joshua!
Lavei o rosto, peguei meu moletom azul e corri em direção ao auditório da turma da noite. Já podia sentir o cheiro de lobo molhado de longe.
Cheguei perto de Madie, mas ela fingiu que não notou minha presença.
A universidade parecia mais cheia naquela noite. As cantinas da faculdade ficavam lotadas, mesmo em período de aula.
No entanto, aquela era uma noite incomum. Madie já havia notificado que não-alunos estavam invadindo a universidade, mas havia uma razão.
Do lado de dentro, rapazes e meninas aguardavam, quase como uma plateia.
A névoa intensa que cobria a universidade das estrelas era um prenúncio para o tempo improvável que chegara na faculdade.
— Anda, abram espaço, desaglomerem isso aqui! — Madie gritava.
Como se moisés tivesse batido o cajado, a multidão abriu passagem para os Wolfs passarem.
Rodeados de polêmicas, parte de uma das maiores famílias da cidade agora estudava na universidade das estrelas; esse nome nunca fez tão sentido.
Procriavam como ninguém, mas também adotavam muitas crianças para si. Alguns diziam que faziam sacrifícios com elas, ou vendiam no mercado negro.
Mas essas coisas nunca foram comprovadas, teoria da conspiração. Eu particularmente não acreditava. No entanto, nunca gostei desses caras.
De apenas um aluno, agora, eram uns 15 ou 20, uma matilha.
O tanto que eu os desprezava, era o mesmo tanto que os jovens da cidade os amavam, principalmente ele: Égon Mazzulo Wolf, a joia da nova geração Wolf.
Percebi um olhar mais atencioso de Madie quando Égon se aproximou, até ajeitou o cabelo.
— Eu sabia que você era linda pelas suas fotos, mas aqui, diante dos meus olhos, só acredito em tamanha beleza porque estou vendo! — Égon disse.
Am? Que coisa mais ridícula!
Madie quase que não conseguia se conter dentro de si, vermelha, quase estourando.
— Nossa, obrigada! — ela suspirou — não esperava por isso! — Completou, rindo à toa.
Fingi não estar vendo aquela situação, até que ele direcionou a palavra a mim:
— Josh? Que honra!
Josh?
—O-oi, e aí!?
Em seguida, o restante dos Wolfs se aproximou também.
— Sou um fã de seu pai, ele é um grande homem. Adoraria conhece-lo, e conhecer você também. Se for metade do que seu pai é, tenho certeza de que seremos grandes amigos.
A gentileza e a voz suave de Égon me desarmou. Por um instante, todo o estereótipo montado na minha cabeça parecia cair por terra.
O olhar dos Wolfs, se não estivesse enganado, era de admiração para comigo.
Todos eles eram muito lindos, eu nunca havia visto tanta gente bonita reunida.
Mas o charme não funcionaria comigo, eu acho.
— Ele é muito ocupado, você sabe…
— Até os grandes homens de negócio encontram tempo livre — ele interrompeu. — Venham jantar comigo e com a minha família qualquer dia desses.
Nossa! Assim?! de cara?!
— Me parece ótimo, Égon! — Respondi entusiasmado
— Combinados, então.
Ele voltou seus olhos para Madie:
— Te vejo por aí, Madie — disse enquanto lhe dava um beijo no rosto.
Os Wolfs cochichavam entre si diante do flerte, eu podia imaginar qual era o papo.
Madalena fitou o rosto rapidamente para mim, com uma expressão corada, mas devolvi com outra, repulsiva.
Égon já estava saindo, quando deu a volta e veio em nossa direção de novo.
Madie abria um leve sorriso novamente.
— Quase me esqueço — ele falou — éramos quinze, mas um de nós está fora. Pode riscar o nome dele.
— E quem é? — perguntei olhando a lista de alunos.
— Nathanael.
— Nathan? — indagou Madie —, ele esteve aqui pela manhã confirmando a matrícula.
— Mudança de planos, meu bem — uma das moças da matilha respondeu, a mais linda, talvez.
De repente, uma voz falou ao fundo:
— Nem esperaram por mim, irmãos?
Foi nítido e quase que assustador a mudança de expressão nos rostos de cada um dos Wolfs, que se viraram para ver.
Era Nathanael.
— Agora, podemos uivar juntos — disse Nathan, com uma expressão fria e caminhando em direção aos Wolfs. Mais especificamente, ao Égon.
Os dois se entreolharam por alguns instantes, enquanto o restante formou um círculo em volta, cercando.
Não sei qual motivo, mas tive a sensação de que o banho de sangue iria começar.