Aether: O Mundo em um Sonho - Capítulo 4
— Então é por isso que eu estava sentindo o meu corpo pesado daquele jeito? — Pergunto, enquanto andamos pela floresta. Era dia ainda.
Murakami havia me entregado um colar com um cristal azul, que tinha o símbolo de uma coroa cravada nele. Era a réplica do que ela já usava.
— Sim, sem o colar da estabilidade, seu estado físico fica diretamente ligado ao seu estado emocional, e isso acaba por prejudicá-lo. Por exemplo, se uma pessoa na vida real se sente sem rumo, não tem desejos ou objetivos, é muito possível que, caso ela viesse para esse mundo, perderia a noção do espaço ao seu redor. Ou se ela está passando por alguma mudança na vida e está muito preocupada, caso viesse para cá, seus dentes começariam a cair.
Urgh! Que horrível!
— Mas então, se eu entendi corretamente, o motivo do meu corpo ter ficado pesado daquele jeito…
— Era porque você estava com medo. — Complementa ela.
Tch! Isso é muito coisa de noob…
— Mas apesar disso, existe um lado bom nessa história. — Ela continua, com seu tom pausado e moderado. — Até certo ponto, essa instabilidade o protege. No caso do medo, se você está prestes a morrer aqui, ele causaria seu despertar na vida real, e, por consequência, você ficaria a salvo.
— Ah! Então foi por isso que você me atacou na primeira vez?
Na segunda vez, durante a hipnose, eu sei que foi apenas para verificar se eu estava mentindo ou não. Mas na primeira vez, seria para me salvar? Até que ela tem um bom coração no final das contas!
— Não… Ontem eu estava apenas seguindo ordens. Não suspeitava que você seria um humano. Só parei o meu ataque porque aquela soul-linked gritou o seu nome, e logo associei a sua aparência… — Murakami fica pensativa. — Ainda bem que ela fez isso, caso contrário, você estaria morto agora.
— Hã…? Como assim morto? Morto no Aether você diz, né…?
Ela sacode a cabeça.
— Não, você estaria morto tanto no Aether quanto na Terra.
O quê……?!
Murakami interrompe a caminhada e me olha face a face. A expressão em seu rosto dizia tudo sobre a gravidade do assunto.
— Preste atenção, isso é muito sério! O que está aqui na realidade não é nada menos do que as nossas almas materializadas. Se a sua alma morre, o seu corpo, na Terra, entra em um estado vegetativo, que é quase sinônimo de morte. Então é bom ficar atento a partir de agora, ainda mais depois de ter adquirido o colar da estabilidade, que apenas permite o seu despertar através de algum estímulo externo, vindo do seu próprio corpo na Terra. Claro que é escolha sua usar o colar ou não, mas já adianto que usá-lo é a melhor opção.
Então é disso o que se trata… né? Phew, já entendi a situação. Basicamente eu estou preso nesse mundo todas as noites a partir de agora, até que o meu despertador toque na vida real.
E é… assim como ela disse, usar o colar é mesmo a melhor opção, não só porque iria me prevenir de ficar acordando todas as noites, como também não iria me deixar passar por todas aquelas loucuras de ter os dentes caindo ou perder a noção de espaço.
Só tem um problema…
— Então quer dizer que vou estar correndo perigo todas as noites a partir de agora, né…?
Oh, merda.
— Não se preocupe, contanto que você esteja numa cidade segura, sem a presença de soul-linkeds, você não terá grandes problemas. Devemos chegar lá a em breve, inclusive. — Ela retoma o seu caminhar, e eu a acompanho pensativo.
— Hum, e o que são esses tais soul-linkeds que você tanto fala? Aquele lagarto achou que eu era um, e você está sempre os mencionando como se fossem algum tipo de inimigo…
Essa foi uma das primeiras coisas que escutei quando cheguei a esse mundo pela primeira vez. E, na segunda, aquele homem lagarto também me chamou por esse termo. Parece que eles são bem conhecidos por aqui.
— Hum, vejamos, acho que seria mais fácil explicá-lo o que são dreamians primeiro, já que soul-linkeds estaria mais para uma subcategoria… Para começar, dreamian é o nome dado para toda e qualquer criatura que aqui vive, claro que isso exclui a gente, já que nós, humanos, somos na verdade os seus criadores.
— Hã? Criadores??
Murakami confirma.
— Nós não apenas criamos todos os dreamians que aqui existem, como também todas as coisas que compõem esse mundo.
Uau! Por essa eu não esperava!
— Você já ouviu falar do termo Hatsuyume?
— Ah, o sonho que você tem sempre no primeiro dia do ano, e que pode indicar a sua sorte no futuro?
— Sim, na realidade, a verdade por trás disso é muito maior do que você imagina. É sempre no primeiro dia do ano que Aether, o deus do céu, se alimenta da nossa imaginação. Em troca dessa refeição, ele permite que aqueles em que ele escolheu se alimentar tenham alguma previsão de sua sorte.
O quê?! Então Aether é um deus!? E nós estamos dentro dele!? Mas que coisa esquisita!
— Quando a nossa imaginação alimenta Aether com alguma criatura viva que sonhamos, e essa criatura não apresenta mal algum ao mundo, ela passa a habitar esse deus. Para esse ser, dá-se o nome de dreamian. Caso a criatura demonstre algum sinal de ameaça, ela simplesmente se transforma em energia vital para ele.
— Claro, faz sentido, Aether não colocaria dentro de si alguma coisa com potencial de matá-lo. Mas então, seguindo por essa lógica, um soul-linked é uma criatura anormal que Aether não conseguiu eliminar por algum motivo, o que os torna uma ameaça tanto para o mundo quanto para os demais dreamians, né?
Hmph, essa foi fácil demais!
Murakami sacode negativamente a sua cabeça, destruindo completamente minha breve empolgação.
— Imaginei que você pensaria algo assim. Mas não, passou longe. Quando um dreamian nasce, ele automaticamente é um soul-linked, ou seja, ele é um ser que tem a sua alma ligada com a do seu criador. Apenas no processo de purificação que eles deixam esse título, ao perder a conexão com os mesmos.
— Hã? Então por que eles são vistos como algum tipo de ameaça por vocês? Não parece nada crítico eles terem essa tal conexão com os seus criadores…
Murakami suspira.
— Quem dera se isso fosse tão simples assim… O motivo por nós os vermos assim, é porque alguns soul-linkeds têm o desejo tão grande de ver seus criadores, que seriam capazes de destruir esse mundo para criar uma conexão com a Terra. E é claro que, com o poder que eles têm, seria certeiro o surgimento de um caos por lá… Não é à toa que muitas vezes eles são chamados de terroristas. O nome que se dá ao grupo de soul-linkeds que possuem esse tipo de ambição é moonstrucks. — Murakami franze as sobrancelhas. — Eles são com certeza a maior ameaça tanto à Terra quanto ao Aether… O pior tipo possível de criatura existente…! — Ela falava com ódio e desgosto. …Era claro o rancor que sentia por eles.
— …É por isso que o Império tem a missão de caçar soul-linkeds; para fazer a purificação de alma e evitar que eles venham a se tornar moonstrucks. Quando a purificação é realizada, o soul-linked perde a ligação e as memórias que têm de seus criadores, ganhando a sua própria fração de vida aqui no Aether, e se tornando independentes da existência deles para se manterem vivos.
— …Mas você realmente acredita que todos os soul-linkeds são assim? Não é possível que alguns deles sejam como dreamians ordinários, que só querem viver em paz aqui no Aether, mas sem se esquecerem do rosto de quem os criou?
Claro, o motivo de eu estar perguntando isso à Murakami é por causa da Loveta. Sério, eu não consigo a ver como algum tipo de terrorista.
Mesmo tendo passado somente aquele breve período de tempo com ela, posso afirmar com toda a certeza que ela é pacífica. Na realidade, ela é um ser exatamente como eu a havia imaginado; uma pessoa carinhosa, que se importa com aqueles que são queridos por ela, e que de jeito nenhum machucaria qualquer vida inocente. Só lutaria contra aqueles que julgaria estarem no lado errado da história. Hm?
Ao ouvir minha pergunta, Murakami se acalma um pouco.
— Não, com certeza não… E esse foi um dos motivos pelo qual eu abandonei o Império. Não acho justo tratá-los todos da mesma forma.
Que bom, então ela também pensa assim—
——!?
— Cuidado!!
KABUM!
Assim que a alerto, Murakami se desvia rapidamente do ataque de correntes que vinham em sua direção.
— Mestre!! Rápido! Saia de perto dela!
— Hã?? Loveta!?
Ela corre desesperadamente até mim, até ser interrompida pela rápida aparição da Murakami, a qual logo aponta sua espada para a inimiga fazendo-a criar distância.
— Não encosta nele! — Grita, enfurecida.
— Espera Murakami! Ela é do bem!
— Ryouzen, eu entendo que você seja o seu criador, mas ela tinha o último cristal de invocação. Ela não é uma soul-linked ordinária, ela é uma moonstruck!
O quê…? Loveta é uma moonstruck!?
— Tch!