Aether: O Mundo em um Sonho - Capítulo 2
— Hehe, parece que alguém teve um pesadelo terrível ontem. — Me cutuca o careca.
Eu já estava na escola e, ao que parecia, meu cansaço estava bem visível. Depois que acordei na madrugada de hoje, dormir novamente se tornou impossível.
Phew, isso foi realmente azar… O sonho tinha começado tão bem! Por que as coisas foram terminar daquele jeito?
Taichi me perguntou sobre o que eu havia sonhado e eu respondi a ele. Hansuke também estava com a gente.
Ele suspira. — Você foi muito selvagem Kazuki, indo imediatamente para os peitos. Seu pesadelo foi com certeza uma punição divina. — Hansuke se decepciona.
— Punição divina?! Eu sei que eu pulei algumas partes, mas como raios eu iria saber até quando a lucidez iria durar??
— Você tinha que ter começado pelo beijo, tinha que ter criado o clima perfeito! A invasão repentina foi com certeza resultado do seu ataque selvagem.
E lá estava eu escutando sermão do Hansuke novamente. Enquanto isso, Taichi não conseguia acreditar que eu havia sonhado uma Loveta tão realista. Haha, morra de inveja!
— Toma. — Hansuke me entrega um livro.
Hm? “Primeiros Passos para uma Aventura Proibida”. Hã? O que há com esses títulos…? E espera, por acaso ele guarda uma enciclopédia na mochila??
— Depois que você ler esse, eu te entrego o volume dois do “Papai”.
— Mentira que você tem o volume dois do “Papai”…
— Pfft! Quem você acha que eu sou?! Tenho todos os cinco volumes do “Papai”!
Hansuke é de fato um gênio, não no sentido que todos pensam, mas no outro.
— Shh, olha ali quem está vindo!
— Hã? Por que você está cochichando assim, Taichi?
— Só veja logo!
Curvo minha cabeça para onde ele apontava o dedo e então—
— Ryouzen, eu poderia conversar com você um instante?
——?! O quê?!
Ali estava ela, Murakami. Sim, era ela em pessoa que me chamava. Ela tinha vindo até a minha mesa, e, ao que parecia, estava bastante séria.
— Ei, ei, o que a Coração de Ferro foi fazer na mesa dele?
— Qual é o nome dele mesmo?
— Acho que é Zac, não é?
— Por que será que ela está falando com alguém como ele? Será que ele a chantageou?
Mas o que raios são esses boatos ao meu respeito?? E por que ela está aqui?! Toda a sala está prestando atenção na gente agora!
Um calafrio toma conta do meu corpo.
— …Eu?
Vendo que estávamos chamando muita atenção, Murakami se aproxima do meu ouvido.
— Me encontre no pátio depois da aula. Tenho algo importante a tratar com você.
Assim que ela me sussurra isso, ela volta para a sua carteira.
…O quê? Isso está mesmo acontecendo?? O que ela quer discutir comigo?! Por acaso é uma declaração de amor? Sim, isso só pode ser uma declaração de amor! Ah, eu estou feliz, muito feliz!
— Ei, meu grande amigo Kazuki, por acaso existe algo que eu não esteja sabendo? — Taichi socava os seus dois punhos, e me encarava de uma forma não muito legal.
Ei, você já não tem a Hana, desgraça!?
— E pensar que você seria desses que esconderia segredos dos seus amigos… Que decepção, me devolva os livros.
— Os livros não!
Como era de se esperar… Essa cena ficou muito estranha! Todo mundo começou a criar ideias por conta própria…! Ah, mas o que posso fazer? Parece que o sortudo aqui sou mesmo, hehe.
* * *
Já é fim do dia e estou sentado no banco do pátio aguardando a tão esperada chegada da Murakami. Devido ao horário, a maior parte dos estudantes já havia deixado o colégio.
O dia de hoje foi com certeza um saco. Além do cansaço da noite mal dormida, ainda tive que aturar a aura opressora da sala. Mesmo Taichi e Hansuke insistindo, eu simplesmente não poderia revelar a eles o que ela havia me dito. Afinal, ela gostaria que isso fosse tratado em particular.
Acabou que eu tive que desviar do assunto diversas vezes, além de inventar desculpas para acalmar os dois. Se isso deu certo? Não, claro que não.
Mas não é como se isso importasse de todo o modo. Eu estou prestes a receber a declaração da garota mais gata da escola, e não há ninguém que interferirá com isso! Eu realmente não ligo se o mundo inteiro ficar contra a minha pessoa. Eu serei feliz para sempre com ela e isso é tudo o que me importa!
Hehe! Se o meu pesadelo antes tinha sido uma punição divina, agora só poderia ser um presente divino!
Oh, ela vem aí!
— Desculpe a demora, mas é que eu realmente gostaria que todos os curiosos já tivessem ido para suas casas. — Responde ela, se sentando ao meu lado e colocando sua bolsa em cima de seu colo.
— Ah, que isso… Nem percebi o tempo passando, haha.
Mentira, um minuto a mais e eu possivelmente pensaria que estava brincando com o meu coração.
— Que bom. Se importaria de olhar para isso um instante? — Ela retira um relógio de pêndulo de sua bolsa.
— Espera, o quê? Por quê?
Isso não é meio aleatório? Cadê a declaração??
Ela se entristece.
— É só por um momento… Eu entendo caso você não queira. É só que… para eu te falar aquilo que eu gostaria, eu preciso que você coopere um pouco comigo.
— Ah, agora faz sentido! Claro, eu realmente não me importo!
Desde que a declaração esteja à vista…
— Ótimo! Isso levará apenas alguns minutos. — Ela levanta o pêndulo em seus dedos e começa a balançá-lo para os lados.
Gulp, por que ela está chegando assim tão perto de mim…? Estou realmente sentido os peitos dela no meu braço!
— Isso… Você está indo muito bem Ryouzen, apenas continue assim por mais um tempinho, e relaxe. — Sussurra ela no meu ouvido, com a sua doce voz e fragrante hálito.
Esquisito… Por que estou me sentindo tão bem? Isso é tão confortável…!
Era como se todos os meus músculos estivem ficando leves, enquanto que meus olhos, pesados. Quanto mais ela falava, mais sua voz atingia profundamente a minha mente.
— Agora, quando eu contar até três, você fechará os seus olhos, ok?
Eu vagarosamente confirmo com a minha cabeça.
— Um, dois…
Ah! Eu estou sentindo! O ápice do conforto! Isso é tão bom! Há séculos eu não sentia uma sensação tão boa quanto essa! Isso é simplesmente…! Espera.
Eu noto algo estranho acontecendo e calmamente abro a minha visão.
O que é isso…?
Eu me levanto assustado e vejo os arredores.
Cadê todo mundo?? Por que o céu está vermelho desse jeito?!
— Murakami…? Cadê você?!
Estava tudo completamente deserto. As quadras, as calçadas, não havia ninguém. O ar estava gélido, e o céu avermelhado, com o sol totalmente obscurecido. Sim, era como o eclipse.
— Me diga — Uma horripilante e terrível voz repercute do céu. — O que você fazia com uma soul-linked? — O sol obscuro se abre nas laterais, dando luz a um enorme olho alienígena e macabro.
— Mas que merda é essa?!!
Eu rapidamente corro de lá, indo imediatamente para dentro dos corredores da escola.
Um olho alienígena no céu?! Não… isso não pode estar acontecendo…! Será que eu bati a cabeça em algum lugar?! Será que é outro sonho…? Sim! Só pode ser! Não existe outra explicação!
— Não, isso não é um sonho. É a realidade, a sua realidade. — Uma garota mascarada e de armadura reluzente surge de uma das portas dos corredores, virando sua cabeça para a minha direção. Ela segurava uma enorme katana consigo.
Espera aí… Essa não é aquela que quase me matou ontem?!
Meu coração dispara mais que nunca e sem mais nem menos eu subo imediatamente as escadas laterais, indo para o andar de cima e me escondendo em uma das salas.
É um sonho… é um sonho! Preciso acordar!
TIC.
A maçaneta da porta gira, e novamente a psicopata aparece.
— Sair daqui é impossível. Somente eu tenho o poder de o libertar agora.
Merda, merda, MERDA!!
Eu saio derrubando todas as carteiras na minha frente e pulo em cima de uma das janelas da sala de aula. Olho brevemente para o solo, que estava a metros de distância de altura. Meu coração dispara ainda mais. Olho para o outro lado e vejo a psicopata chegando cada vez mais perto.
Eu não tenho outra opção…! É quebrar uma perna ou morrer!!
Junto toda a coragem restante que tinha para pular, mas aí, no último segundo, uma boca monstruosa, preta, borbulhante, aparece no meio da grama do andar de baixo.
——!!!
— O seu tempo está acabando, o que você fazia com uma alma não purificada?
— Eu… eu não sei do que você está falando!! Juro, juro!!!
— Mentiroso. Você estava na torre do delírio agarrado nela.
— O quê?! Torre do delírio?! Não sei que merda é essa!
Encaro mais uma vez a boca no chão, ela tinha dentes afiados como de um tubarão.
— Ok, ok, ok!! Você está falando da Loveta, né?! Sim, eu estava com ela! Mas sério, não sei o que ela é, que lugar era aquele, nem como fui parar lá! Não sei de nada! Absolutamente nada!!
Ela se aproxima ainda mais de mim.
Será que esse é o meu fim? Não… Não ainda! Ainda há muito que eu gostaria de fazer antes de morrer!
Eu rapidamente fico de pé na janela e me agarro na parede de pedras do lado de fora da escola. Escalava agora rumo ao terceiro andar. Olhando pela lateral, via o maldito olho cravado em mim.
— O lugar de ontem é chamado de Aether — responde a voz para mim. — O mundo em que o impossível é possível. O mundo em que a imaginação devora a razão. O mundo em que deuses ali não entram, e que deuses dali não saem. O mundo em que apenas um invocado consegue pisar os pés.
Ignorando a voz, eu continuo escalando a parede. Conseguia enxergar uma janela aberta logo ali.
— Se você me disser acuradamente como chegou lá, talvez eu poupe a sua vida.
— Eu já te falei que não tenho a menor ideia! A única coisa que me lembro é um anjo de fogo aparecendo para mim em um tipo de abismo!
— O quê…? Um anjo de fogo?! Impossível…! Por acaso você é obra dos moonstrucks?!
Hã?! Merda!! Eu vou cair!! Por que está tudo tremendo?!
Era como se um terremoto tivesse dominado a cidade.
Mas espera aí um minuto… Eu conheço essa voz!
Em meio à surpresa da minha resposta, a tonalidade da voz macabra havia mudado para uma que eu conhecia muito bem.
— Murakami? …É você?!
Assim que eu digo o nome dela, o terremoto para, e eu sou teletransportado para o pátio.
A moça da katana estava lá.
— É você, eu tenho certeza, é você Murakami!
Ela estava em silêncio, fitando seus olhos em mim, mas então ela retira a sua máscara, revelando assim o meu acerto. Murakami estava de armadura, com um olhar completamente afiado.
— Por quê? Por que fazer isso?! De onde veio tudo isso??
Ela dá apenas um passo em minha direção, para então me questionar uma última vez.
— Vou fazer apenas uma última pergunta, você sabe quem são os moonstrucks?
Balanço negativamente a minha cabeça.
— Se você acha que sou culpado de alguma coisa, então você está enganada! Juro que ontem foi a primeira vez que apareci naquele lugar! Não sei o que são dreamians, soul-linkeds, e muito menos moonstrucks!
Ela me encara uma última vez para verificar a seriedade do que eu estava dizendo. Olhava no fundo do meu interior.
— Certo, acho que já consegui tudo o que eu queria.
Ela levanta sua mão e então,
SNAP!
Com um estalar de dedos, tudo se desfaz, me fazendo despertar com a cabeça em seu colo.
Espera… Como?
— O que aconteceu??
— Era apenas hipnose. — Suspira ela.
— Hã?? Mentira! Como?! Eu juro que senti tudo na pele!
— Hm? Nunca foi hipnotizado antes?
— Uh…
— Enfim, você poderia levantar sua cabeça agora? Essa situação que estamos é um pouco embaraçosa…
——!!
Assim que eu percebo conscientemente de que estava com a cabeça no colo dela, justamente dela, eu me levanto apressadamente, totalmente corado.
Mas por que raios eu estou ficando vermelho desse jeito?! Ela queria me matar poucos minutos atrás!
Ela ajeita seu cabelo enquanto fecha um de seus olhos, como se tudo o que aconteceu antes não fosse nada além do ordinário.
— Certo, acho que devo algumas explicações a você, não é mesmo? Primeiramente, sobre a hipnose. O que eu fiz foi apenas para me certificar de que você estava falando a verdade, já que é quase impossível de se mentir quando se está em transe. E segundamente, te coloquei deitado no meu colo para não chamar muito atenção com você desmaiado ao meu lado.
Aham… Ok, eu entendi, só que não! A única coisa que eu entendi mesmo é que fui passado a perna e ao invés de uma declaração de amor eu quase recebi minha sentença final! Phew, eu realmente deveria ter suspeitado de tudo para começo de conversa…
— E é claro que eu não te mataria também, a não ser que eu duvidasse de você, obviamente.
Novamente, a forma que ela falava fazia parecer que isso não era nada muito fora do normal.
— Hã?? Então você realmente me mataria caso não fosse com a minha cara?!
— Falando assim, parece que sou má.
— Mas você não é??
Murakami suspira novamente, se levantando do assento e limpando a sua saia.
— Enfim, não se preocupe. Agora eu tenho certeza de que você é inocente e que não está envolvido com o mau de Aether… Aguarde por mim na torre do delírio. Lá eu te explicarei tudo.
— Calma aí mais uma vez! Você quer dizer então que aquele lugar de ontem… realmente existe?!
— Sim… Aether é o mundo paralelo que devora sonhos humanos. Olha, eu sei que você deve ter muito mais perguntas que essa agora, mas por hora eu peço que acredite em mim e me espere lá quando chegar.
Meio complicado acreditar nela depois de tudo isso que ela me fez passar, mas não é como se me parecesse que ela está mentindo agora… Estou bem curioso para falar a verdade. Quero muito saber do que se trata tudo isso.
— A torre do delírio é aquela torre medieval, não é? Como eu vou saber encontrá-la quando eu chegar lá?
— Ah, é verdade. Essa seria a sua segunda vez lá, não é? Não se preocupe, o último lugar que você esteve é o primeiro lugar que você aparece. Uma vez que você ganha acesso ao Aether, sempre que você dorme, você automaticamente vai para lá.
Tipo um checkpoint, huh?
— Mas como a sua alma ainda não está estabilizada, é bem provável que você apareça em algum lugar próximo.
— Mas não tem perigo daqueles caras de armadura me atacarem de novo?
Eu definitivamente não gostaria de passar por aquele mesmo caos de ontem.
— Os dreamians de armadura fazem parte do Império, assim como eu—fazia. — Ela faz um breve silêncio. — Bem, eles só caçam soul-linkeds de toda a forma, que não é o seu caso.
— Há? Então por que eu fui atacado naquela hora??
— Porque você estava acompanhado de um. Mas não se preocupe, a soul-linked de antes fugiu, e antes de eu deixar o exército imperial, eu pedi que aquela torre fosse protegida até o meu retorno.
Hum… Pelo menos algumas poucas coisas foram explicadas.
— Enfim, quando você chegar lá, não faça nada estúpido. Como a sua alma ainda não está estabilizada, qualquer besteira pode te expulsar do Aether. Tente manter a calma o máximo possível, até que eu te encontre no local combinado.
Coisas estúpidas, né? Tch, ainda não acredito que eu agi de forma tão banal com a Loveta ontem… Eu realmente achei que era tudo um sonho—Um sonho normal, sabe? Um sonho em que você acorda e simplesmente não tem relevância o que aconteceu! Mas agora, com a Murakami me falando tudo isso na cara… Como eu não vou acreditar na sua existência? A não ser que ela conseguisse ler mentes, seria algo impossível.
Me levanto do banco dando um sorriso de canto de boca.
Certo, já percebi que tudo isso se trata de loucura… Se esse é o caso, então que assim seja! Uma agitação anormal nessa minha vida monótona da Terra era exatamente o que me faltava. Fufu, parece que chegou a hora de um novo começo!