A Sétima Guerreira - Capítulo 4
— Handgrich, o que eu faço agora? — questionei a elfa depois dela ter parado de chorar no meu colo. Ela limpou as lágrimas com um lencinho que havia tirado do bolso e assoou o nariz, olhando para mim enquanto apontava o dedo contra meu peito.
— Essas vestes…
— O que têm elas?
Rodeei os olhos pelo meu uniforme.
— Não pode aparecer desse jeito diante do rei e, além disso, elas não combinam nem um pouco com essa época.
— É, tem razão. Eu mesma não quero chamar a atenção. Mas onde eu arranjo roupas novas?
— Aqui. — A elfa levantou uma sacola do relvado. — Eu aproveitei o momento em que você havia desmaiado e fui comprar roupas novas no vilarejo aqui perto!
— Entendi… — Peguei a sacola e comecei a caminhar para detrás daquela árvore enorme enquanto aquela elfa não parava de sorrir, batendo as palmas, ansiosa para ver como as roupas que ela escolheu iriam ficar em mim.
Desatei as amarras, retirando aquelas sapatilhas brancas (presente do meu pai) e desabotoei a camisa branca, puxando em seguida o zíper que ficava na lateral daquela saia preta. Assim, retirei aquele uniforme que para mim era precioso, pois meu avô, que exercia a profissão de alfaiate, é que havia feito com suas próprias mãos. Vou guardá-lo bem até o dia em que regressar ao meu mundo.
Agora é hora de vestir as roupas novas e entrar no clima desse novo mundo.
Desmanchei as amarras daquela sacola castanha e retirei as tão aguardadas vestes medievais. Um vestido que dividida duas partes em cores diferentes. A parte do peito era branca com bordas douradas ao redor da gola, a da cintura para baixo era carmesim. Aquela vestimenta trazia consigo um cinto bem largo que cobria toda minha barriga. E, por fim, um pequeno capuz azul que cobria até a parte do peito apenas.
Olhei para mim. Realmente havia ficado muito bem em mim, o que me fazia querer imortalizar esse momento. Ainda bem que o celular acabou vindo comigo, embora eu não me lembre de tê-lo guardado na minha saia quando fui teletransportada para esse mundo, mas bem, o importante é que ele estava aqui comigo. Ainda que todo quebrado.
O brilho da tela tomou conta dos meus olhos, estava meio apreensiva que não fosse ligar porque desde que havia se desligado nas mãos do diretor, não havia tornado a carregar, mas por um milagre, ligou.
O celular tinha 7% de carga.
A tela, apesar de quebrada, ainda apresenta uma boa mobilidade. Como esperado de um dos smartphones mais antigos da terra. Meu companheiro de longa data, havia deixado cai-lo tantas vezes e não quebrava, mas só que graças a aquela praga o pobrezinho ganhou suas cicatrizes.
— Milena! Já acabou?!
Pude ouvir a voz da Handgrich enquanto eu acessava a câmera para conferir se ela realmente funcionava e funcionava mesmo, a qualidade é que baixou drasticamente. As imagens que pude captar estavam na resolução 144p, mas bem, era melhor que nada, não é?
— Já sim! — Comecei a caminhar até aquela elfa com um sorriso no rosto, afinal ela era o meu primeiro alvo.
— Wow! Essa é a coisa preta que estava por cima da sua saia?!
Então foi ela que colocou no meu bolso.
— Isso aqui, cara Handgrich… — Acenei com o celular. — Isso é um produto exclusivo da ciência.
— A habilidade dos humanos?
— É, algo assim.
— Quais poderes essa coisa tem?!
— Faz uma pose bem bonita que eu te mostro o verdadeiro poder do celular. — Comecei a rir, observando aquela elfa fazer uma pose tão séria como se fosse tirar foto para um documento de identificação qualquer. Ela mantinha a expressão séria, não esboçava sequer um sorriso. — Assim não, Handgrich.
— É que essa é a única pose que eu já fiz quando foi para pintar um retrato.
— Vem pegar o celular, que eu te ensino como fazer poses para fotos. — Ela veio a mim imediatamente com um semblante de estranheza e pegou no celular, olhando através da câmera.
— Como eu consigo te ver, Milena?! Isso é algum tipo de espelho mais avançado?!
— Isso é ciência! — Fiz uma pose daquelas de modelo que eu sempre apreciei, com as mãos assentes no quadril enquanto soltava um sorriso colgate.
— A qualidade desse espelho quebrado é meio ruim, mas você ficou linda!
— É celular… mas não importa, clica logo no botão preto na lateral do celular!
— Tá bom! — Ela clicou no botão preto e deixou cair o celular ao ouvir um clish. — Desculpa, Milena! — Ela agachou, pegando o celular de volta. — Eu me assustei um pouco.
— Não se preocupe, é normal!
Ela me entregou o celular e quando tentei ligar, não ligava mais, só me faltava essa… E eu queria tirar muitas fotos com a Srta. Elfa aqui.
— O espelho quebrado ficou sem energia?
— Tipo isso, mas bem, vou buscar a minha sacola para podermos seguir viagem. — Guardei o celular no bolso e quando comecei a andar, Handgrich chamou pelo meu nome.
— Toma cuidado quando for usar esse espelho, no momento em que eu me assustei e deixei cair. — Ela mostrou um dos seus dedos com a pele descamada. — Um arranhão acabou surgindo.
— Peço perdão! Eu não deveria ter te entregado um objeto cortante como esse celular quebrado.
— Não foi nada demais, só quero que você tome mais cuidado a partir de agora.
— Obrigada por se preocupar, prometo que vou tomar cuidado.
Dito isso, segui caminhando até a árvore e levei a sacola que Handgrich havia me dado, agora contendo o uniforme da minha escola.
— Milena!
Handgrich gritava enquanto acenava para mim, que estava de regresso na lentidão dos meus passos.
— Depressa!
Ela sorria, mas eu continuava vagarosa.
— Tem muitas coisas que eu quero te mostrar antes de chegarmos ao castelo de Evelgrand!
— Coisas? Tipo magias? — gritei, acelerando os passos.
— Um pouco mais!
— Agora sim sinto que falamos a mesma língua!
Sorri enquanto olhava para ela. Logo começamos a nossa caminhada rumo para fora daquele bosque.
Não vou negar que estou ansiosa para conhecer as cidades e os vilarejos de Evelgrand, os elfos e tudo quanto esse mundo tem a oferecer — pelo menos terei tido uma visão maravilhosa antes de perecer na guerra pela sobrevivência. Pensando nisso, tem muitas questões sobre essa tal guerra pela sobrevivência que eu ainda pretendia fazer a essa elfa, mas bem, depois eu faço.
Agora vou aproveitar esse vento fresco que bate contra o meu rosto, enquanto vou notando as diferenças daquele bosque com o que ficava próximo a algumas quadras da rua da mimha casa.
Um campo de flores em específico chamou a minha atenção. Elas tinham quatro folhas com cores diferentes, coisas que normalmente não se viam no mundo humano. Handgrich disse que esse tipo flor dava sorte, uma espécie de trevo de quatro folhas de Evelgrand. Era raro encontrar, por isso paramos e levamos duas connosco. Quem sabe agora, a minha sorte não comece a mudar hehehe!
Depois de tanta correria, enfim os meus olhos puderam alcançar o fim do bosque. Uma cerca de madeira atravessava os meus olhos e junto a isso, dois elfos encapuzados portadores lanças. Eles viraram-se ao perceberem os nossos passos ressoarem pelo relvado.
Próximas aos elfos, Handgrich me apresentou para aqueles dois guardas elfos que de tão altos pareciam postes de iluminação.
— Como assim, Srta. Handgrich? — questionou o guarda, seguido do seu companheiro todo espantado.
— O que? Ela não é nem um elfo!
— Eu sei. Eu sei. — Handgrich balançou a cabeça positivamente com um sorriso enquanto levantava a mão que continha aquela tatuagem carmesim. — Mas olhem, a marca dos guerreiros está nela.
— De fato, mas, senhorita, isso não seria razão para nos preocupamos, já que nunca antes isso havia acontecido.
— A uma primeira vez para tudo, não acham?
— Mas senhorita, eu mal posso sentir magia nesse ser.
— Querem ficar desempregados por acaso?
— Não!
Os guardas balançaram a cabeça negativamente.
— Então parem de reclamar!
Depois daquela ameaça feita pela Handgrich, os guardas não ousaram proferir nem o pio a mais durante a nossa caminhada pelo vilarejo. Handgrich estava se esforçando para que eu me sentisse bem nesse mundo, para que eu fosse aceite como a sétima guerreira.
Mas não eu sei se isso vai dar certo dada reação dos guardas, afinal, um ser sem poderes irá representá-los na guerra pela sobrevivência. Pressinto que eu não serei aceite como a sétima guerreira, já que o meu aparecimento aqui foi nada mais, nada menos que uma falha.
— Milena…
— Hã?
— Não é para ficar triste, ouviu? No início é normal um pouco de espanto, mas depois todo mundo entende!
— Eu não teria tanta certeza.
— Confia em mim! — Ela sorriu e começou a me apresentar aos poucos aquele vilarejo.
Muitas das casas se assemelhavam às antigas casas da Europa medieval, que eram feitas de pedra e madeira. Eram tão lindas, sinto como se eu tivesse voltado à idade média.
Os elfos dessa cidade eram tão lindos, mas Handgrich propôs que não fizéssemos contato com ninguém até que chegássemos ao castelo de Evelgrand, por isso andávamos encapuzadas pelo vilarejo de Evel.
Ao que parece, o rei é que tinha a função de apresentar o guerreiro invocado a toda nação antes que sua identidade fosse vista por qualquer outra pessoa que não fosse a invocadora e os seus acompanhantes.
Handgrich me levou a conhecer os principais pontos do vilarejo de Evel. Sua linda praça que tinha uma estátua de um guerreiro elfo antigo, o mercado que continha variedades de produtos, desde alimentos até poções mágicas. Os meus olhos brilhavam de fascínio ao contemplar aquilo tudo.
Eu realmente estava em um outro mundo…
Mas não pudemos comprar nada, pois Handgrich não tinha as ditas “moedas de ouro” consigo. Parece que esse mundo segue o sistema de moedas baseado nos metais bronze, prata e ouro. Todas estampadas com o rosto dos antigos reis de Evelgrand.
No entanto, para minha felicidade, Handgrich me disse que os guerreiros invocados para lutar pela guerra pela sobrevivência possuíam regalias e tudo mais. Desde ter servos, riquezas e armamentos, tudo estava à sua disposição.
Fiquei pensando em como era ter uma vida de luxo, já que Gabriela se gabava tanto disso e agora, parece que chegou a minha vez.
“Isso! Sim, sim! Os humilhados sempre serão exaltados!”
Mas nada muda o fato de que isso vai ser algo momentâneo antes da morte miserável que terei na guerra pela sobrevivência. Se os guerreiros antigos não chegaram perto de tornar Evelgrand vitoriosa, quem sou eu para alcançar tal feito?
Apenas uma humana sem poderes mágicos.
— Quital, Milena, o que achou?—Handgrich perguntou.
Estávamos em frente a uma carruagem puxada por dois cavalos, que nos levaria ao grande castelo de Evelgrand.
— Até que foi divertido! — Soltei um sorriso, mas, no fundo, eu ainda sentia um pouco de desânimo.
— Fico feliz em saber, confesso que fiquei um pouco apreensiva, já que metade do caminho você ficou pensando bastante.
— Ei… — Empurrei aquela intrometida. — Não é para ler os meus pensamentos!
“Tenho que tomar cuidado com o que eu penso perto dessa elfa.”
— Eu ouvi isso também!
Ela riu e eu fiz uma cara emburrada.
— Tá bom! Tá bom!
Logo depois entrarmos dentro daquela carruagem comandada por aqueles dois guardas da Handgrich, que não ousavam falar nada durante o caminho por medo de serem despedidos, mas seus rostos deixavam claro sua desolação por saberem que a sétima guerreira era de uma raça desconhecida e sem poderes mágicos.
— Vamos, Milena! — Handgrich balançou os meus ombros enquanto a brisa produzida pela velocidade da carruagem soprava sobre os nossos rostos. — Me conte mais sobre o seu mundo!
— Se você já lê a minha mente mesmo…
— Mas é que você não está pensando no seu mundo, você só está pensando em coisas tristes.
Handgrich estava mesmo se esforçando para levantar a minha autoestima.
— Tudo bem…
Ela sorriu e eu continuei com um sorriso enquanto gesticulava as minhas mãos de um lado para o outro.
— Sabe, no meu mundo tem uma menina muito irritante chamada Gabriela e… — Fui contando a ela sobre as coisas que Gabriela havia aprontado, o que a fez rir, outras vezes, chorar. Nossa, como essa elfa era bastante sensível.
A medida que eu me envolvia mais na conversa, contando também sobre as coisas boas que haviam me acontecido na terra, aquele sentimento de desânimo aos poucos desaparecia e um sorriso emergia dos meus lábios. Meus olhos também não deixavam de contemplar a vista que o reino de Evelgrand tinha. Agora estávamos na capital de Evelgrand, Eveline, em homenagem a uma das primeiras elfas a existir em Evelgrand.
A capital de Eveline de longe deixava o vilarejo de Evel e mais uma cidade em que havíamos passado no chinelo. Os meus olhos brilhavam como diamantes ao olhar aquela cidade de perto. As casas apresentavam uma estética melhor em comparação à cidade e ao vilarejo anterior.
Há muita pouca movimentação nas ruas principais. Handgrich dissera para mim que a cidade de Eveline era geralmente calma e a mais limpa porque os mercados e as lojas ficavam separados das ruas principais e praças. E na cidade, sempre havia um soldado para controlar se o lixo era ou não deitado em um cesto de lixo que a cidade proporcionava.
Era uma das características dos elfos, é claro que nem todos, mas maior parte dos elfos tinham o que se chama no mundo humano de “transtorno obsessivo compulsivo”, ou seja, eles eram excessivamente limpos e organizados.
Queria tanto ter uma dessas características, talvez a minha vida não fosse ficar tão bagunçada quanto estava agora.
— Olha, Milena! — Handgrich apontou para frente, onde pude contemplar uma praça com uma estátua de uma coruja e, mais para frente, equenos muros que cercavam aquele grande castelo.
Ao que parece, havíamos entrado na zona nobre. Todas casas ao redor daquela estátua de coruja eram de nobres elfos. Passando pela praça a
onde tinha uma estátua de coruja, a carruagem teve que andar mais alguns metros por uma estrada retilínea e pavimentada até finalmente chegar ao portão principal que dava acesso ao enorme castelo de Evelgrand.
Os soldados elfos que guardavam os portões, fizeram a gentileza de abrir os portões para que entrássemos. A carruagem passou por eles, adentrando a um grande quintal pavimentado que possuía lamparinas em fileiras, que levavam a uma entrada lá no fundo.
Agumas outras estavam dispersas por aí, ao redor de fontes que jorravam água, árvores e arbustos bem podados que haviam ganho formas de corujas. Esse reino gosta corujas. Pensando bem, a tatuagem na minha mão tem um formato de coruja, deve ser por isso que chamam de marca da raça.
A coruja representa a raça dos elfos, tipo uma mascote.
Bem, a carruagem parou no meio do caminho. Um dos soldados desceu, abrindo a porta da carruagem para nós duas descermos. Hum, confesso que me senti uma princesa enquanto descia os degraus daquela carruagem, observando o soldado fazendo venias.
Handgrich desceu logo em seguida.
Enfim, finalmente chegamos, o tão aguardado castelo dos meus sonhos! Só faltava uma fada para tornamos chá juntinhas enquanto apreciarmos as nuvens do céu. É pedir muito?
— Vamos, Milena!
Balancei a cabeça positivamente enquanto andava ao lado da Handgrich em direção àquele portão ao fundo que também era guardado por mais guardas. Ao nos verem chegar mais perto, encurvaram sua cabeça em sinal de respeito enquanto seguravam suas lanças.
Pela primeira vez na vida me senti importante.
Handgrich e eu entramos por aquele portão que deu acesso a um outro quintal.
“Francamente, quantos quintais esse reino tem?”
— Não se preocupe, já estamos chegando.
Handgrich respondeu a minha pergunta mental.
“Preciso arrumar um jeito de bloquear a minha mente imediatamente. Vou perguntar a ela se existe uma magia que bloqueia a mente!”
— Milena, aquela tal de Gabriela é chata, não é?
— Do nada?
— Se fosse eu teria acabado com ela.
— Você está desviando assunto para não me contar sobre a mag—
Ela ativou ua magia, fazendo um vento flutuar sobre seus ouvido.
— Hã? O que você disse?!
Fiz uma cara emburrada e ela riu enquanto abria uma porta bem a nossa frente. Entramos em uma grande sala que continham estátuas enormes. Ela, sem perder tempo, começou a falar dessas estátuas enquanto caminhavamos. Eram estátuas dos reis antigos de Evelgrand que carregavam coroas nas cabeças. Ela disse que essas estátuas tinham séculos de existência. Realmente os elfos eram conservadores.
Enfim, depois de caminharmos por mais alguns corredores, finalmente chegamos ao tão aguardado portão que dava acesso a sala do trono onde estava o rei de Evelgrand.
Os guardas fizeram venias só por verem a Handgrich e abrirão o portão com símbolo de coruja.
Um longo tapete carmesim se estendia até aonde o rei de Evelgrand estava assentado, enquanto encostava sua bochecha num punho assente no braço do trono. Não sei porque, mas a cara desse rei enquanto olhava para mim e Handgrich nos aproximando, estava me assustando bastante.