A Rosa Fantasma - Capítulo 19
Assim que Owen deu o primeiro passo fora da hospedaria, Ellen correu até Abadia e os filhos dela.
— Levantem! Precisamos sair daqui antes que outros deles apareçam!
Como se estivesse despertando de um transe, Sofia ficou de pé, escapou dos braços da sua mãe e correu desesperadamente até o corpo do monstro caído.
— Papai, levante-se! Você precisa vir com a gente! — Começou a balançá-lo, acreditando que ele estava apenas dormindo. — Papai?! Papai?! Por favor, fale comigo!
— Papai…? — A soldado sussurrou para si mesma com os olhos arregalados, finalmente se dando conta do erro que havia cometido. — Meu Deus… Eu fiz novamente…
Tirei a vida de alguém sem pensar duas vezes! Sequer notei que a família dele estava assistindo!
Levou as mãos à cabeça.
Merda! Merda! Merda! Mas que merda de demônio eu sou?! Na hora, nem ao menos senti remorso pelo que fiz! Muito pelo contrário, fiquei orgulhosa de mim mesma, queria ser elogiada…
As mãos que ela tanto odiava destruíram mais uma família.
— Desculpem-me… Desculpem-me… Desculpem-me… — Começou a sussurrar para si mesma sem conseguir desviar os olhos trêmulos do desastre que causou.
— Papai, acorde!
Movidos pela agonia na voz da pequena criança, Abadia e seus outros filhos avançaram cambaleantes e formaram um círculo ao redor de Léo.
— Mamãe… Ele não morreu, né…?
— Diga que o papai vai ficar bem…
— N-não entendo… — A esposa caiu de joelhos, completamente devastada. — Meu amor, por quê…? Por quê…?
Foi nesse momento que o maior temor de Ellen se concretizou. Ao olhar para fora da pensão, avistou outros dois mutantes ensanguentados se aproximando em alta velocidade.
— Todos vocês, subam agora! — Assim que se voltou na direção da família Lima, ela notou que os dedos da única mão de Léo estavam se movendo. — Não pode ser… Fujam! Saiam daí, agora!
A legior correu desesperada na direção deles, porém, não chegou a tempo de evitar o pior.
— Rooooaaaa!!
A criatura abriu os olhos subitamente e atacou a primeira pessoa que avistou, agarrando-a pelo pescoço.
— Gaaaarg!!
Abadia fez tudo o que podia para tentar escapar, mas não era forte o suficiente. Seus filhos gritaram e se apressaram para ajudá-la, só que mesmo unidos, não tinham o necessário para mover a mão de Léo.
Dois segundos depois, o mutante aumentou a pressão imposta sobre o pescoço da mulher, quebrando-o com extrema facilidade. Tinha matado a pessoa que ele mais amava.
— MAMÃE!!!
— MÃE!!!
— MAMÃE!!!
Os gritos estridentes das três crianças ecoaram ao mesmo tempo pelo cômodo destruído da hospedaria.
∎∎∎
— Isso não faz sentido. Por mais que eu tente encontrar uma motivação, nada me vem à cabeça. — Owen cerrou os punhos trêmulos. — Bianca, você não disse que tinha uma vida boa aqui?! Não afirmou que o amor da sua família era o suficiente?! Então, por que diabos está fazendo isso?!
No instante em que decidiu tratar todos à sua volta como suspeitos, o soldado esperava estar se preparando mentalmente para enfrentar esse momento. No entanto, o seu plano falhou. Ainda foi pego de surpresa e ficou abalado. Machucou bastante imaginar que aquela garota poderia ser tão fria e cruel ao ponto de torturar os seus próprios familiares, amigos e conhecidos.
— O que você ganha ao colocar a vida de todas essas pessoas em perigo?! Responda-me!
— Pare de fingir ignorância. Eu sei que vocês são os responsáveis por tudo isso! — Bianca respondeu com um tom ameaçador. — Descobri tudo!
— Nós?! Como assim?!
— Marcos estava cansado de toda a corrupção da Legião de Mahyra. Não queria mais ser considerado uma das frutas podres. Por isso, denunciou os abusos de poder, expôs para a população todos os crimes que cometiam. Fez o possível para transformá-la em uma organização que pudesse ajudar as pessoas ao invés de oprimi-las. Ele queria ser um herói, não o vilão.
— O governador era um legior…?
— Mas vocês não permitiram que isso acontecesse! Como uma forma de punir Marcos pelas suas ações, assassinaram a esposa dele brutalmente dentro da sua própria casa! O obrigaram a fugir e se esconder para que a sua filha recém-nascida também não fosse morta!
— Tem certeza disso…?
Ignorando-o, a garota prosseguiu.
— Para vocês, Marcos é um traidor. Por isso, caçaram-no por todos esses anos até encontrá-lo nesta cidade. — Engatilhou a espingarda. — Foi quando deram início a essa vingança sem sentido! Impediram a chegada de alimentos, transformaram toda Jothenville em uma prisão! Tudo porque não foram capazes de aceitar alguém honesto e gentil como parte da equipe.
— Bianca, você tem ideia do quanto essa história é absurda?
Owen manteve o tom calmo para prosseguir com o diálogo, mas a mulher de cabelos escuros não estava disposta a ouvir.
— Vá atrás da sua cúmplice e saiam da cidade. — Firmou o dedo no gatilho. — É o meu único aviso.
Para mostrar que não tinha intenções de começar uma briga, o soldado apertou o botão do seu sensório, retrocedendo a lâmina. Em seguida, deu um passo à frente.
— Não sou alguém que cumpre ordens cegamente, Bianca. Não sou um demônio sem coração que comete genocídio por qualquer motivo estúpido e irracional. O exército pode ter errado bastante no passado, mas, atualmente, existem legior’s que lutam pela ordem e bem-estar de todos vocês.
— Não se aproxime ou matarei você!
Outro passo.
— Então, eu peço para que atire agora, pois eu não vou parar! — Mais um passo. — A primeira vez que ouvi falar de Marcos Arthmael foi quando uma carta assinada por ele parou nas minhas mãos. Não acha estranha a ideia de ele ter mandado uma mensagem para as pessoas que, supostamente, estão o caçando?
— Isso é…
A garota hesitou e recuou.
— Essa carta informava sobre a situação atual de Jothenville, um óbvio pedido de ajuda! Então, desde o início, eu e Ellen viemos para investigar e reverter o desastre que aprisionou vocês. Estamos aqui para salvá-los! Por isso, definitivamente, é impossível que alguém da Legião seja responsável pelo que está acontecendo.
— Não, não…
— Olhe nos meus olhos e diga que estou mentindo. Acuse-me de ser alguém que sentirá prazer após matar todos vocês!
As palavras dele não continham nenhum traço de mentira, e Bianca estava ciente disso. Aqueles olhos dourados não piscavam ou hesitavam. Era a face de alguém que acreditava firmemente nos seus conceitos e jamais os trairia.
Owen parou a um passo da mulher de cabelos pretos, tocou o cano da espingarda e o direcionou para o chão.
— Foi a pessoa de vermelho que contou todas essas mentiras pra você? — Aproximou a sua boca do ouvido direito dela e sussurrou. — Você conhece o rosto por detrás do capuz, não é?
No segundo seguinte, o sangue do soldado jorrou em grande quantidade sobre o corpo de Bianca. Depois, veio um breve instante de choque e silêncio. Logo em seguida, a dor aguda.
— AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHH!!!
Owen caiu de joelhos por culpa do peso da grande onça-pintada que cravou as presas no seu ombro direito.
— Eu já suspeitava que você não conseguiria cruzar essa linha, Bia. — Uma nova voz feminina, forçada e abafada, ecoou pela noite. — Alguém tão… pura, não teria a determinação necessária para puxar o gatilho.
A misteriosa pessoa de manto vermelho e máscara florida surgiu de dentro do armazém, parando bem ao lado da outra onça que ainda estava deitada.
— O qu-que você f-fez…?! — Bianca precisou tapar a boca com as duas mãos para não vomitar. — E-ele falou que não está envolvido na vingança contra Marcos! Ele… n-não estava… mentindo…
A sensação de ter o sangue de outra pessoa escorrendo pelo seu próprio corpo a deixou em estado de choque.
— Não é por isso que irei matá-lo. — O tom de voz da pessoa encapuzada era estranhamente sereno. — Para mim, existe algo ainda mais importante que Marcos ou o futuro desta cidade. E diferente de você, eu preciso cruzar essa linha para alcançar o meu sonho.
Acariciou a cabeça da onça, ordenando em silêncio que ela se levantasse.
— Não, não, não… Por favor, escute-me! Após fazer isso, não terá mais volta! Perderá a sua alma para sempre!
— Já devo ter perdido a essa altura. Se é que algum dia tive isso. — Deu uma risada breve. — Você realmente não me conhece, né?
— É claro que conheço! Eu cresci ao seu lado e sei que você é uma boa pessoa! — Bianca gritava, desesperada. — Minha melhor amiga, não uma assassina!
— Isso apenas prova que você nunca me olhou de verdade. Mesmo após tanto tempo juntas, foi incapaz de entender os meus sentimentos e enxergar o que sou de verdade.
Logo em seguida, a onça-pintada correu em disparada.
Owen estava preso, incapaz de fugir por culpa do outro animal que restringia os seus movimentos. A dor lancinante da mordida o impedia de formular qualquer plano de fuga. Ainda assim, ele conseguiu se mover centímetros preciosos para a direita, evitando que a onça arrancasse a sua cabeça. No entanto, não foi o suficiente para tirar o braço esquerdo do caminho.
Com uma única mordida, a fera selvagem arrancou o membro do jovem de cabelos pretos.
— AAAAAAAAAAAHHHHH!!
O grito agonizante de Owen cortou a escuridão da noite, ecoando por todas as ruas e becos de Jothenville. Sangue subiu aos céus, misturando-se a água fria da chuva que caía.
∎∎∎
Léo jogou sua esposa morta no chão e, em seguida, encarou individualmente cada um dos seus filhos, decidindo qual seria a sua próxima vítima.
— Não, não, não! — Ellen pegou um livro grosso que estava jogado no chão e o arremessou com força na testa da criatura, distraindo-o por tempo suficiente para que ela pudesse alcançar as crianças. — Venham comigo, por favor! Venham, agora!
Agarrou o pulso da garota ruiva com uma mão e o braço do garoto mais velho com a outra, puxando-os imediatamente na direção das escadas.
— Ei, espera! — Sofia gritou ao notar que o seu irmão mais novo não estava os seguindo. — Precisamos voltar!
Ellen parou imediatamente, preparando-se para ir ao resgate daquele que ficou para trás. Entretanto, Léo foi mais rápido. Segurou a perna do menino e o derrubou.
Desesperada, Sofia tentou correr para ajudá-lo, mas foi impedida. Se eles voltassem agora, acabariam encurralados pelos outros dois mutantes que tinham acabado de entrar na recepção.
— Sinto muito, mas não podemos…
Sem encontrar outra alternativa, Ellen cerrou os dentes e tornou a puxar as crianças escada acima.
O pequeno garoto sequer gritou quando Léo ficou por cima do seu corpo e cravou as garras no seu peito. Ele ainda não entendia profundamente o significado de morrer, por isso, sequer cogitou a possibilidade de lutar pela vida. Mesmo ao ver todo o sangue que escapava e o deixava com frio, ainda não acreditava que o seu querido pai queria fazer algum mal.
E, assim, o pai matou o filho mais novo.
— Vamos, rápido!
A legior arrastou as duas crianças até o último andar do prédio e entraram no quarto alugado por Owen. Após trancar a porta, a soldado colocou um dedo na frente dos lábios, pedindo silêncio. Juntos, eles torceram para não serem encontrados pelos monstros no meio do labirinto de quartos, mas essa esperança durou pouco.
De repente, a porta e boa parte da estrutura da parede foram postas abaixo por um único golpe, criando uma imensa nuvem de poeira. Em seguida, os três mutantes invadiram o local.
— Como eles nos encontraram tão rápido?!
Ellen notou que o pano do seu vestido, um pouco abaixo do pescoço, estava estranhamente úmido. Ela tocou o local e se assustou ao notar o líquido vermelho que ficou impregnado nos seus dedos. Suas costas estavam sangrando.
Tentando não perder o foco, a garota de cabelos brancos rapidamente sacou sua faca, tirou a luva direita e cortou a palma da sua mão.
Ela planejava derreter uma parte do piso e impedir o avanço das criaturas, só que ao encostar os dedos no chão, algo inesperado aconteceu.
O braço direito dela caiu, simplesmente, despregando-se do restante do corpo.
— E-espera… Como assim…?!
Ellen arregalou os olhos, chocada. Não estava sentindo a dor daquele grave ferimento, entretanto, foi imediatamente afetada pela vertigem. Muito sangue encharcava as vestes dela e sujava o chão à sua volta.
— Owen…? Owen, Owen, Owen, Owen…
Inutilmente, ela tentou estancar o sangramento usando a mão esquerda. Depois, cambaleando, recuou até as duas crianças que encaravam toda essa cena em pânico absoluto.
— MEUS FILHOS!! ELES SÃO MEUS!!
Léo tomou a frente dos outros monstros, agindo como uma espécie de líder. Ele, obviamente, estava consciente das barbaridades que cometia e quem eram as pessoas que machucava, mas não se importava. Na verdade, ele parecia estar usando o desespero como alimento, apreciando o sabor da chacina que tocava a sua língua.
— Preciso protegê-los… Tenho que protegê-los… É o meu dever… Preciso fazer alguma coisa!
A legior procurava desesperadamente uma maneira de sair dessa situação, porém, a sua mente estava nebulosa.
Deveriam pular pela janela? Ficar e lutar bravamente? Qual era a chance de todos sobreviverem a uma queda de quatro andares? Como derrotariam aqueles seres que eram praticamente imortais?
— Gruuoooaaa!!
Léo se aproximou, ergueu as suas garras e atacou sem hesitar, planejando fatiar todas as suas presas de uma só vez.
— Não!
Foi então que o filho mais velho empurrou Ellen e Sofia para o lado com seu corpo, salvando-as daquele golpe mortal. Só que, infelizmente, foi impossível salvar a si mesmo.
O garoto voou e se chocou violentamente contra uma parede. Em seguida, caiu sobre a cama do quarto com um pequeno sorriso torto eternizado em seu rosto.
E, dessa forma, sem ter tempo de experimentar qualquer tipo de dor, o filho mais velho parou de respirar.
Se um desavisado o observasse nesse momento, com certeza, afirmaria que ele estava apenas dormindo, tendo o mais belo dos sonhos.
— UAAAAAAHHHH!!!
Sofia cobriu os próprios olhos, incapaz de encarar a realidade. Já Ellen, caiu de joelhos, parte pela perda de sangue, parte pelo choque de ter presenciado uma cena tão brutal.
— Eu… não posso desistir… Ainda não é o fim… Enquanto restar alguém que precise da minha proteção… Contanto que eu continue respirando, preciso lutar!
A garota de cabelos brancos usou o que restava das suas forças para levantar mais uma vez. Ela tinha a obrigação de seguir em frente mesmo sem o seu braço, mesmo com as suas pernas se negando a avançar.
— Tenho que vencer… Eu preciso… vencer…
Usando a boca, Ellen tirou sua outra luva e a cuspiu para o lado. Depois, correu na direção do monstro numa tentativa suicida de tocá-lo, mas não chegou nem perto disso.
— ROAAAAH!!
Após ser atingida, a soldado foi arremessada, batendo primeiro no criado e, depois, em uma parede.
— Ugh…
Mesmo abalada por conta da dor causada pelo impacto, ela ficou de pé novamente. No entanto, ao dar o primeiro passo, caiu feito uma pedra.
Seu pé esquerdo estava quebrado, virado ao contrário.
— Não, não! Minha perna… Não, não! Não ouse me abandonar logo agora! — Gritava desesperadamente enquanto tentava se reerguer, mas os seus membros não obedeciam. — Vamos lá! De pé! Fique de pé! Levante-se!!
Léo olhou para ela, porém, contrariando todas as pistas de que os legior’s eram os alvos, voltou-se na direção da criança ruiva.
— Grooooaaa…
Primeiro, deu algo semelhante a um sorriso, e, em seguida, o primeiro passo na direção dela.
— Não… Ela não…! VOCÊ ESTÁ ATRÁS DE MIM!! EU ESTOU BEM AQUI!! ENTÃO, VENHA ME PEGAR!!
A soldado fazia de tudo para atrair a atenção do mutante, porém, nada parecia funcionar.
— Papai…?
Sofia não tinha mais forças para fugir, por isso, apenas prendeu a respiração e esperou.
Ela não guardava rancor em seu coração, pois sabia que aquela aberração não era o homem gentil que conhecia. A pequena pintora queria deixar essa vida lembrando de Léo como a pessoa corajosa e alegre que sempre a incentivou, que sempre a amou.
O mutante parou a um passo de distância e encarou a criança.
— Não faça isso… Sou eu, lembra? Sofia. — Deu um sorriso trágico, tentado não demonstrar medo, fazendo o possível para não chorar. — Por favor, não me machuque…
O pai ignorou as suplicas e agarrou o pescoço da sua filha favorita, erguendo-a acima do chão.
— PARE!! LARGUE ELA!! LARGUE-A, AGORA!! SE NÃO A SOLTAR, EU MATAREI VOCÊ!! JURO QUE O MATAREI!! VOU TE DEIXAR EM PEDAÇOS!! — Ellen se arrastava pelo chão, deixando um grande rastro de sangue pelo piso de cimento queimado. — NÃO, NÃO, NÃO!! PARE, PARE, PARE, PAREEEE!!!!
Léo arremessou a pequena ruiva que girou pelo ar e atravessou a janela de vidro do apartamento. Diante dos olhos da criança, misturou-se o cenário do céu chuvoso com as construções iluminadas. Uma paisagem tão confusa quanto o seu coração, preenchido por medo e incerteza.
O fim trágico parecia estar consumado quando…
— Saiam da frente!
Com passos rápidos e leves, alguém invadiu o quarto e passou pelos três mutantes feito uma flecha. A garota de pele morena e olhos vermelhos, com suas roupas molhadas por causa da chuva, cantarolava uma melodia alegre enquanto corria confiante na direção da janela.
— Karen…? — Ellen sussurrou.
A morena arregalou os olhos ao notar o estado em que a sua parceira estava. Porém, não parou para oferecer ajuda. Não podia parar. No segundo seguinte, sem hesitar, ela pulou através da janela e mergulhou feito uma atleta. Em um piscar de olhos, alcançou Sofia e a agarrou pela cintura.
— Uôôôôh!!
Sacou agilmente uma arma modificada de dois canos que estava em um coldre na sua cintura e apertou o gatilho. Imediatamente, um pequeno gancho ligado a um fio de aço cortou o ar e atravessou a alvenaria no topo do prédio, sustentando o peso das duas garotas e evitando a queda mortal.
Sofia olhou para baixo, atordoada, e, após se dar conta da altura em que estava, abraçou Karen com força.
— Criança, esqueça o chão e olhe para o céu. Você está voando. — Apesar de transmitir uma aura adulta, a morena era poucos centímetros maior que Sofia. — Vamos subir?
Ela apertou o gatilho, fazendo com que a arma começasse a recolher o fio, puxando-as para cima. Nesse momento, a ruiva entrou em pânico.
— Não, não, não! Por favor, não me leve de volta! Aquele monstro vai me matar!
Karen sorriu gentilmente para ela.
— Não permitirei que mais ninguém morra hoje. Também, não deixarei que toquem um dedo em você. É uma promessa.
— Você não entende o quão cruel aquele monstro é! Todos morreram por causa dele! As pessoas que eu amava… Minha mãe, meus irmãos… meu pai… TODOS ELES!!
A legior compreendia a razão de tanto medo, mas ela precisava voltar e ajudar Ellen o mais rápido possível.
— Às vezes precisamos reunir coragem para encarar os nossos maiores pesadelos de frente, criança. Mesmo que seja traumatizante, mesmo que seja doloroso. Apenas assim, conseguimos seguir em frente. Somente dessa maneira, ficamos mais fortes.
— Como você pode me pedir para encarar aquilo?! Eu quero fugir! Quero ir para o mais longe possível dele! — A feição de Sofia transmitia apenas desespero. Tudo que os seus olhos refletiam era escuridão e sofrimento. — Por quê…? Por que você não me deixou cair…? Se tivesse me abandonado, eu não precisaria continuar sofrendo. Poderia me juntar a todos aqueles que amo…
— A morte não é uma rota de fuga, lembre-se disso. Morrendo, tudo o que você deixaria para trás seria agonia para aqueles que ficaram vivos. Seus amigos seriam obrigados a carregar uma dor que deveria ser apenas sua. — Karen encarou a criança com um olhar frio. — Se o suicídio fosse a escolha certa a se fazer, todas as pessoas que herdariam o seu sofrimento também deveriam se matar, não acha?
Sofia escondeu o rosto no ombro da morena e se desmanchou em lágrimas.
— Deixe-me cair… Eu imploro…
— Não mesmo. O meu calendário já está cheio de dias de luto. De forma alguma, deixarei que o seu nome seja escrito nele. — Afagou a cabeça da ruiva carinhosamente. — Você não está sozinha. Quando vencermos essa batalha, daremos um jeito de aliviar essa dor que está sentindo. Essa também é uma promessa.