A Rosa Fantasma - Capítulo 17
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- Capítulo 17 - O paradoxo dos pássaros que tentavam alcançar o Sol (3)
Owen desceu para o térreo o mais rápido que suas pernas permitiram. Na recepção, ele imediatamente encontrou Abadia, Sofia e outras duas crianças escondidas atrás do balcão de atendimento.
— O que está acontecendo?!
— Um assalto?! Estão querendo nos roubar! — Abadia gritou, desesperada.
Poucos segundos depois, um ataque violento contra a porta de entrada fez toda a estrutura do prédio estremecer, derrubando várias das pinturas nas paredes.
Primeiro, o soldado pensou que a porta estava trancada, mas, após considerar que essa era uma pensão aberta vinte e quatro horas, concluiu que, provavelmente, a pessoa no outro lado não sabia ou era incapaz de girar a maçaneta.
Se fossem simples assaltantes, ele poderia detê-los facilmente, entretanto, humanos normais não conseguiriam dar ataques tão poderosos.
— Será aquela coisa novamente? — Cerrou os punhos. — Senhora, onde está a sua outra filha, Bianca?
— Eu pedi para ela buscar algumas mercadorias em um depósito no outro lado da rua! — Levou as duas mãos ao rosto. — Meu Deus, será que ela está em perigo?!
— Torço para que não…
Após uma nova série de ataques, a porta voou das dobradiças e se chocou contra a parede oposta a ela.
Parado na entrada, estava a figura de um homem vestindo o que restava de uma farda. Seus olhos amarelados brilhavam feito faróis. Tinha um corte profundo partindo do pescoço até o abdômen. Seu braço esquerdo havia sido decepado e a sua mão direita estava completamente deformada, cheia de veias pulsantes e unhas que mais pareciam as garras de um animal selvagem. Sangue fresco ainda escorria por todo o seu corpo.
Era, sem sombra de dúvidas, uma criatura semelhante àquela que Ellen enfrentou no subterrâneo.
— Isso não pode ser real. — Sussurrou Abadia, incrédula.
— Pa-papai…?! É você?! — Sofia perguntou, tremendo por culpa do frio repentino que subiu pela sua espinha.
∎∎∎
Quando a temperatura do ar caiu significativamente e a ventania se tornou ainda mais violenta, uma tempestade teve início. Parados na escuridão da Floresta de Caaporã, dois soldados da Legião de Mahyra fitavam a gigantesca muralha de Jothenville.
— Finalmente chegamos, irmão.
A garota de pele morena e cabelos castanhos usava um vestido roxo sem mangas que corria até pouco acima dos joelhos. Sua estatura era baixa, motivo para, frequentemente, ser confundida com uma criança.
— Tem certeza que devemos aparecer sem avisar, Karen? Estamos parecendo dois maníacos os perseguindo dessa maneira.
O jovem tinha quase dois metros de altura e vestia um terno preto requintado. Seus cabelos, castanho-escuros, praticamente tocavam os ombros. Na sua cintura, tinha duas bainhas que guardavam facões longos e curvados.
— Ora, irmão idiota. A Mandrágora é a sua esposa, lembra? Não sei se você percebeu, mas aquela vaca fugiu com outro homem!
— Acredito que deva existir uma explicação perfeitamente razoável para isso.
— A única explicação aqui é que você se tornou um corno, manso e conformado. Só que para a sua sorte, a irmãzinha aqui não tolera essas safadezas. Pode deixar que aplicarei as devidas punições naquela safada e no talarico que está com ela.
— A verdade chocante. — O jovem abaixou a cabeça, fungando e fingindo choro. — Será que eu sou um ser tão repugnante assim para justificar todo o ódio que ela sente por mim?
Karen acariciou as costas dele, consolando-o.
— Não diga isso, Adam. Você é um homem maravilhoso! Por isso, tenho certeza absoluta de que cedo ou tarde, conseguirá roubar o coração daquela ingrata.
A legior deu um sorriso empolgado, deixando a autoconfiança do seu irmão no máximo novamente.
— Então… Snif, snif… Como vamos entrar neste lugar? Já começou a chover e o vilarejo mais próximo daqui está há três horas de caminhada.
Primeiro, Adam confirmou a falta de puxadores e batedores nos portões da muralha. Depois, voltou os seus olhos para o céu relampejante e, em seguida, para as quatro malas que ele tinha carregado por três longas horas. Todas muito pesadas, onde metade continha apenas livros.
— Estou exausto. Não aguento carregar toda esta tralha por mais nem um minuto. Você tinha mesmo que trazer tudo isto?
Karen franziu o cenho e levantou o dedo indicador, agindo igual uma professora rígida prestes a repreender um aluno. Em resposta, o irmão suspirou com uma expressão que dizia: e lá vamos nós de novo.
— Só pra deixar claro. Todo o conteúdo destas malas é de crucial importância para que possamos sobreviver em qualquer circunstância. Cada um dos livros foi minuciosamente escolhido para que tenhamos o auxílio necessário na hora de encarar os mistérios que essas estradas e florestas escondem.
— A maioria deles são romances e mistérios, não é mesmo? Eu não consigo entender como uma dezena de contos sobre Sherlock Holmes pode nos ajudar a sobreviver.
Ignorando-o, Karen prosseguiu com suas explicações.
— Além disso, os livros são o alimento da alma! Quando tenho uma boa história nas mãos, consigo passar dez dias sem água ou comida.
— Você morre se não comer um alimento de verdade!
Adam suspirou, desistindo da briga que já estava perdida antes mesmo de começar.
— Agora, respondendo a sua pergunta anterior. Caso não sejamos atendidos, só precisamos botar este monte de pedras empilhadas abaixo. Não deve dar muito trabalho.
O irmão encarou a muralha aparentemente impenetrável e acenou com a cabeça, concordando com a garota.
— Mas vai facilitar bastante a nossa vida se você tiver uma corda bem grande no meio de toda esta bagunça inútil.
— Pior que eu tenho mesmo. Está bem ao lado da minha farofinha com frango frito.
Adam fez uma careta, finalmente, desvendando o mistério de onde estava vindo o cheiro podre que o incomodou durante boa parte da viagem.
Nesse instante, gritos cortaram o silêncio da noite, infestando o ar com o peso do desespero. O tumulto que vinha do outro lado dos portões fez os lábios de Karen tomarem a forma de um sorriso tenso.
— Parece que estão tocando a nossa canção, irmão. Você me acompanhará nessa dança?
A pequena garota de vestido roxo estendeu a mão direita na direção do jovem de terno.
— Será um prazer, irmãzinha. Vamos dançar.
Adam se curvou feito um cavaleiro, segurou e beijou a mão dela.