A Ordem Espiritual - Capítulo 60
Sobre um cômodo de madeira clara, ao lado de uma cama de casal, dois crucifixos estavam entrelaçados sobre um pacote de camisinhas recém-aberto. A luz suave da tarde filtrava-se pela cortina semiaberta, criando padrões dourados no chão de tábuas desgastadas. Arthur, com seus cabelos loiros desgrenhados, observava Yelena adormecida sobre seu peito, perdido em pensamentos, enquanto os dedos pintados em unhas escarlate acariciavam as suas cicatrizes que marcavam seu peito desde a infância. Os cabelos ruivos dela contrastavam lindamente com a sua pele levemente bronzeada pelo sol do dia anterior.
Arthur respira fundo, sentindo o peso de um momento que parecia se estender no tempo. O silêncio é quebrado apenas pelo som suave da respiração de Yelena e pelo farfalhar das folhas lá fora. Seus pensamentos flutuam entre memórias e a incerteza do futuro.
Felicidade? Será que essa era tão impossível?
O lençol branco cobre apenas a parte inferior do corpo da garota, revelando sutilmente a curva de sua cintura. Tudo está calmo, até que o telefone de fio que está ao lado da cama, à esquerda, toca e vibra. Ele é ágil e pega antes que ela desperte.
— Alô?
— Lewys? Aqui é a Amai… estava pensando em continuarmos a resolver casos sem solução no quadro público… — ela diz, enquanto um barulho de escova parece ecoar, seguido pelo de uma torneira sendo aberta e água jorrando.
— Ah, hoje? E quer saber, Shirasaki… eu só terei mais esse último dia com minha namorada. Ela viajará para sua terra natal. Queria ficar mais um dia, vocês não vão se importar, não é? — diz ele ao telefone, enquanto acaricia as costas delicadas de Yelena, pontilhadas de sardas, a única parte de seu corpo sem tatuagens.
— Ah, pode deixar, eu e o Yamasaki não vamos te tirar do grupo por isso. Amanhã fazemos uma missão, certo? — responde à voz do outro lado da linha.
— Perfeito… bem, obrigado por entender. Boa missão para vocês! — ele desliga rapidamente e volta sua atenção para Yelena, mergulhando novamente na quietude do momento compartilhado, enquanto a luz da tarde continua a iluminar seu amor adormecido.
Arthur fecha os olhos, buscando gravar cada detalhe da cena em sua mente. O cheiro suave do perfume de Yelena mistura-se com o aroma amadeirado do quarto, criando uma sensação de aconchego e pertencimento. Ele sabe que esses momentos são raros e preciosos, e cada segundo parece mais valioso à medida que o tempo passa. O crepitar suave da lareira ao fundo e o toque leve de Yelena o fazem esquecer, ainda que por um instante, a pressão constante de ser um herói.
— Era do seu grupo? — murmura, sua voz soando como a de uma pessoa exausta pelo peso do mundo.
— Era…
— Você vai mesmo deixar de ser o heroizinho para ficar comigo? Sabe, eu vou voltar daqui a uma semana… — diz, mantendo o rosto aconchegado contra o peito dele, enquanto suas unhas deslizam levemente, deixando um rastro de arrepios na pele de Arthur.
— Ué, se não for agora, que hora será? — ele responde, sentindo o toque suave das unhas dela. — Todo instante que temos é precioso… o mundo não precisa de mim para ser salvo… — ele então desliza as mãos pelos fios dos cabelos dela, numa carícia reconfortante.
— Hmmm… o que te mudou, hein? Quando te conheci, você dava tanta importância em ser herói…
— Mas dou… Eu só… não quero deixar de viver para ser isso. Sou um exorcista, mas também sou Arthur Lewys. Assim como você, não é só uma membro do conselho ou líder do seu clã, é a minha namorada… Yelena Alekseeva! — ele diz, corando ligeiramente, seu olhar revelando a profundidade de seus sentimentos.
— Bobo…
— Só vai dizer isso, sua covarde?
— Covarde? Aff… não consigo ser tão melosa, não como você… — a garota então segura no peito dele, rindo, e se aproxima, subindo em cima do rapaz e encarando seus lábios, — Vou pensar em você, em todo instante, nesses seus olhos azuis… nesses fios dourados… nesse… — ela então ri sapeca, sua mão deslizando sobre o abdômen dele.
— Maldosa… — ele ri, soltando um suspiro profundo. — O que acha de a gente aproveitar esse tempo e ir até aquele restaurante? Des Lois? Que sempre vimos no parque… sabe…
— Quê? De Lois? Bobo… é de Des Rois, mas, sério? Como você conseguiu grana?
— Ah, não fale como se eu fosse um vagabundo! — ele então fica ainda mais vermelho. — Estava dando aulas de artes marciais… deu uma grana… — olhando para o lado.
— Estava?
— Agora estou ensinando para os garotos menos favorecidos… — ele fala, já sabendo qual seria a reação dela, e então sorri de lado. — Sou assim, né? — a encara.
— Por isso te amo, bobo! — ela ri, entrelaçando seus braços ao redor do pescoço dele e encarando-o profundamente nos olhos. — Você nunca vai mudar, e isso é ótimo. Mas é bom saber que esse coração é flexível. Você… nós… somos importantes também!
A voz da garota ecoa em sua mente, doce, reafirmando a chama que arde em seus corações, enquanto um vaso de plantas, lá longe no distrito de Gou, cai e se parte ao atingir o chão, ecoando uma única nota de desordem em meio ao ambiente tenso do prédio, um dia antes do caos iminente.
— Que diabos! — grita Romero, encarando Rasen com a face desfigurada, banhado em sangue, segurando um crucifixo. — O que pensa que está fazendo? Caramba, você matou aqueles garotos… por quê, Rasen?
— Ué… eu estava me preparando… — responde, não levando Romero a sério. Pelo contrário, ele se senta encostado na parede e solta um sorriso, os dentes manchados de sangue. — Rituais… são incríveis! — diz, provocando um suspiro exasperado em Romero.
— Mas, Rasen, merda! Desse jeito, você pode acabar ferrando a gente! — indaga Romero, as veias do pescoço saltando de raiva. — Você está rindo, cacete?
— Não vamos salvar todos? Caramba… você é tão chato… eu já tive o que queria… já provei para mim mesmo o que posso fazer!
— Tá certo… tá certo… mas — naquele instante, Romero toma uma de suas últimas decisões ruins. Ele fecha os olhos, vira-se e encara o mapa na parede. — Toma um banho. Temos só um dia… no seu estado, você vai acabar naufragando antes de chegar a invadir! — determina.
— Só estou cansado, mas estou em meu ápice como exorcista! — rebate, levantando-se e saindo do quarto, deixando o crucifixo ensanguentado, que um dia pertenceu a Hazan, sobre a mesa.
Romero observa o crucifixo por um momento após ele sair, sentindo o peso da situação.
— Rasen… — murmura, uma mistura de tristeza e preocupação em sua voz, enquanto o som distante do vaso quebrado parece ecoar na sua mente, como um presságio da desordem por vir.
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