A Ordem Espiritual - Capítulo 16
Primeiro Ato
“O pecado, gestado pela humanidade, corrompeu o mundo, deixando-o órfão da presença divina de Elum.”
Algumas quadras após o hospital, o jovem emerge da multidão, sua expressão tão cadavérica quanto a de um zumbi, impondo-se no meio da calçada. Ele caminha com os olhares presos em si, imerso em seus pensamentos, enquanto olheiras profundas denotam sua falta de sono.
Seus lábios secos parecem sussurrar seus próprios pensamentos, enquanto seu surgimento interrompe o frenesi do vai e vem das pessoas, todas ainda assombradas pelos eventos recentes. Correm por um futuro incerto, sem saber como terminará mais um dia de suas vidas.
“Salvação…
Será que cada alma agitada pelo término de sua vida acredita nela?”
Se pergunta, enquanto é recebido pelos olhares curiosos das pessoas, que fitam seu pescoço, tatuado com a estrela do amanhã, envolto em chamas, essa é a representação do dia prometido, cravado em sua pele.
Vestido com um terno escuro, ele finalmente para e contempla o prédio à sua direita, suas paredes cobertas por manchas de mofo e os vidros amarelados pelo tempo.
Com uma calma que contrasta com o caos ao redor, ele retira o smartphone do bolso, a tela brilhando ao exibir uma imagem do mesmo edifício. Ele chegou finalmente!
— Certo… — sussurra para si.
E em instantes, encarando o edifício, seu olhar se perde no horizonte, o prédio é ofuscado pela falta de concentração de sua vista, os passos são silenciados, somente aquela bela vista o toma.
Então, o som da porta ecoa, a madeira velha cedendo lentamente ao movimento de abertura.
— Finalmente apareces! — exclama Milk, de face arisca, vestindo uma saia preta até os joelhos e uma blusa listrada feminina, encarando-o de forma peculiar, — Romero está te esperando, Rasen… — sua recepção é marcada por um sorriso debochado, concedendo-lhe um olhar cheio de desprezo.
Ele o odeia. Talvez, por ser o favorito de seu senhor e paixão platônica, Romero.
— Que porra de roupa é essa, Milk? Já está se preparando para decolar, é? — Ele graceja em tons de provocação, com um cinismo notável em sua face.
— Idiota… Você é tão irritante! — ele responde, franzindo a testa e cruzando os braços.
— Já se irritou? Foi garotinha? — Deixando-o ainda mais possesso do que estava. E então, avança, empurrando-o e escapando para dentro do prédio com certa pressa, — Tinha esquecido como sua voz é irritante… — Seus passos são decididos, e em um instante, ele encara o interior, que fede a xixi de rato, e repara que os papéis de parede já se desgastaram com o tempo.
“Que lugar…”
— Ei!? — meio emburrado, ele resmunga e então percebe olhares curiosos da multidão que vagueia pela calçada, — Que foi? Imbecis! — diz, fechando a porta com força, virando-se e encarando Rasen subir a escadaria.
“Esse tal messias é um idiota…”
Ao subir a escadaria, ele chega até o segundo andar e percebe um homem forte golpeando um peso, mudando os passos de seus pés como um lutador profissional. Sua pele é negra, e seus olhos, um castanho escuro, brilham a cada movimento, cada soco, que impiedosamente sacode o apartamento onde está.
Ele está sem camisa, exibindo um físico impecável, semelhante a um fisiculturista, e o som de seus pés é irritável, como se estivesse com o piso de madeira encerado. É como uma pantera, que persegue, extraindo o máximo de si em cada golpe.
O colchão no chão, velho e maltrapilho, tem os lençóis balançados, e a TV, que está sobre um banco, é sacudida a cada movimento.
Aquele espetáculo é curioso para Rasen, um amante das artes místicas.
“Ele usa energia espiritual, mas não a imbuí, talvez…
Fortifica seu corpo internamente, interessante…”
— Quem é ele? — pergunta, olhando para trás e encarando Milk, que se aproxima meio emburrado.
O rapaz então pega um batom de cor Malva e passa em seus lábios enquanto solta um suspiro, exausto da presença do tal messias, mesmo que ele tenha chegado há poucos minutos.
Sem o encarar, vira seu olhar para o homem a treinar, colocando o batom sobre um banco que estava ao lado da porta.
— Ele não te falou, não é!? — diz, meio emburrado, tomando a frente e se aproximando dele, estalando os dedos no mesmo instante — Sr. Kwame!? Por favor, pode me dar sua atenção?
Imediatamente, em meio a um recuo, ele para em meio ao golpe, fitando-os de lado.
— Ah, Milk… O que foi? Trouxe minha Wald Bräu? — pergunta, agarrando a toalha na cadeira que está às suas costas e jogando-a em seu corpo oleoso de suor. Sua respiração está ofegante.
Ele treina desde que acordou; dedicação e foco são palavras que o definem. Ele é um pilar físico-humano, e Rasen percebe que há inúmeras runas em sua pele, cravadas como símbolos de um poder prestes a despertar.
— Esqueci, desculpa?
O homem então faz uma flexão com o pescoço, ressoando o estalar.
— Tá…
— Bem… Este é o nosso messias, de quem o Sr. Romero falou… — diz, meio sem jeito, abrindo espaço para ele passar, que encara o homem com certa inimizade.
— Ah, então este é o tal… — Kwawe diz, também se aproximando, o pescoço de Rasen se inclinando lentamente para cima, acompanhando sua estatura, mesmo ele, um homem alto, estando a dois degraus abaixo do homem, enquanto ele passa na frente de Milk, encarando de volta.
— Sou eu, por quê? Estava curioso? — diz, não recuando diante da afronta do homem.
Os punhos do grandão se fecham, e seu peito se estufa como um galo-de-briga, pronto para a rinha.
— Como foi visitar as minhas terras? — pergunta, quebrando o clima tenso.
“O quê!?”
Milk pensa, estapeando o rosto ao ouvir a notícia. Pensamentos intensivos invadem sua mente, pegando-o de surpresa com a realidade.
— Shamo? Ah, foi bem… quente… As pessoas lá são bem diferentes de Aija ou Regnum… — responde, indiferente, antes de desviar o olhar e recuar em direção à porta, dando as costas ao homem no meio da conversa.
— Ei, já vai mesmo? E as mulheres? — pergunta, colocando as mãos na cintura.
— Mulheres? Bem… bonitas… — responde Rasen, antes de sair, encarando o topo da escadaria, onde havia mais dois andares adiante.
— Ah, tudo bem, depois falamos…
Ele então olha para Milk, que estava ao seu lado, um pouco sem jeito, mas com um grande sorriso no rosto.
— É… Depois falamos mais… Romero, deve ter assuntos mais urgentes que a minha passagem pelas suas terras natais… — diz, sumindo do campo de visão dos dois.
Enquanto Rasen sobe degrau por degrau, alguém desce a escadaria que dá acesso ao templo do clã Shirasaki. É uma garota de cabelos vermelhos, a mesma que havia conversado com Yami na loja. Ela está apressada, dando passos decididos, com uma expressão preocupada no rosto.
Ao redor dela, árvores de Sakura adornam seu trajeto enquanto ela fita o fim da escadaria.
Seu olhar arde em ansiedade, enquanto a lâmina em sua cintura ressoa em sintonia com o som do seu smartphone, que toca sem parar.
“Calma… calma…”
Quando alcança o fim, após um salto de mais de dez degraus abaixo, mesmo estando de salto, ela atende finalmente o aparelho. Sua saia preta é coberta pela poeira que seu movimento ergue, e então ela se senta no primeiro degrau, cruzando suas pernas, se acomodando.
— Alô? Amai Shirasaki na linha! — diz, animada.
— Aqui é o Yami Yamasaki, bem, seremos uma dupla, né? Bem merda… — responde Yami Yamasaki, sobre uma cama de hospital, levemente irritado.
O “bip” do monitor de frequência cardíaca cresce, enquanto o tédio de estar ali despia lentamente a exaustão de sua mente.
— Yami? Yamasaki? — ela diz, e então, em um salto, ela se ergue, inquieta.
— É…
— Como você está, hein? Zangado?
No instante em que o chama dessa forma, o aparelho alerta seus batimentos cardíacos, que marcam 143 bpm.
Talvez ele tenha morrido nesse mesmo instante… novamente…
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