A Herança do Assassinato - Capítulo 23
O ceifador enfim havia caído. Sua arma aos poucos ia se desfazendo, até sumir por completo, em uma nuvem de poeira negra.
Dante permanecia acima de seu inimigo caído, apontando a lâmina da sua katana para o rosto escondido por uma máscara de gás.
— Se eu quisesse, poderia te matar agora mesmo — afirmou Dante. —, porém ainda quero saber algumas coisas.
Quando interrogatório estava prestes a começar, Dante pode ver um pequeno brilho surgir entre a escuridão do beco e logo em sequência um projétil voou em sua direção em uma alta velocidade, mas graças ao sentidos elevados de Dante, o mesmo conseguiu inclinar seu corpo para trás e evitar de ser atingido. O projétil acertou a parede de uma casa e se encravou nela, permitindo Dante ver que era uma flecha, mas tinha algo estranho nela: o objeto parecia soltar uma espécie de fumaça verde de seu corpo.
Então mais três disparos foram efetuados em um curto período de tempo, o que obrigou Dante a saltar para trás e se afastar do oponente caído. Então a garota vestindo kimono e com máscara de coelho, se colocou entre Dante e o ceifador, mirando seu arco, com uma flecha já preparada.
— Droga Miko¹!! — Exclamou o de máscara de gás, tentando se levantar, mas tendo muita dificuldade nisso. — Eu disse para você ficar fora disso, esse cara é forte demais!! Sai logo daqui!
N/A: Miko pode ser traduzido do japonês para “sacerdotisa”.
— E deixar você morrer? Não mesmo!!
Dante ficou ali, a alguns metros observando os dois discutirem, até que o mesmo decidiu intervir:
— Já que os dois estão aí, acho que será mais fácil responder às minhas perguntas: onde eu encontro a base dos Rivers?
Ao ouvir aquilo, a dupla imediatamente parou e se voltaram para o que usava máscara de raposa.
— Você é louco — disse Miko — Não faz ideia do que está se metendo.
Antes que a conversa tivesse progresso, o grupo foi interrompido por uma risada debochada, que ecoou através dos prédios, que por um momento, os fizeram se esquecer do seu embate.
Foi então que os rapazes perceberam que a rua na qual se encontravam estava completamente deserta. Mesmo nas zonas mais afastadas da cidade, você poderia encontrar drogados ou alguns bandidos de terceira, mas eles não viam nada disso.
— Eu posso dizer que esta é uma cena que eu nunca imaginaria ver — Entre as sombras de uma construção abandonada, surgiu uma mulher, caminhando de maneira lenta e despreocupada. — O líder dos Gatos Noturnos, caído sobre meus pés é uma ótima surpresa.
A interlocutora enfim sai da escuridão, se revelando. Era uma moça alta, com um caminhar imponente, a mesma vestia uma regata preta, ressaltando seus músculos muito bem definidos. O cabelo preto era cortado de maneira curta, visando não atrapalhar durante o combate. Uma cicatriz que aparentava ter sido causada por uma lâmina, surgia do canto direito da sua boca e ia até a base de sua orelha. Na sua cintura, além de um grande cinto de couro, estava pendurada uma espada curta.
— Você é a Faye, líder das Garras de Tigre — disse Miko, esboçando irritação em sua voz.
— Me sinto lisonjeada por ser reconhecida tão rapidamente — Era claro o tom de deboche que era carregado na voz, junto de um sorriso arrogante. — Acredito que minha fama vai aumentar ainda mais se eu matar o seu capitão.
Em um movimento veloz como o vento, Milo virou para Faye, mirando seu arco na direção da mulher.
— Só por cima do meu cadáver…
Atrás da arqueira, o seu capitão tentava se levantar, porém demonstrava uma grande dificuldade.
— Droga Miko, não arranje briga com ela — disse o Capitão. —, isso só vai arranjar mais problemas para nós.
Subitamente, uma intensa dor surgiu em seu peito, ao mesmo tempo que suas pernas ficaram bambas e fez com o rapaz caísse de joelhos no chão. A sua visão estava ficando turva e escura aos poucos, enquanto o mundo balançava semelhante a um navio. Seu sangue, naquele curto período de tempo, já tinha sido muito desperdiçado e os efeitos estavam começando a surgir.
Foi então que o ceifador perdeu sua consciência.
— Se tá achando que eu vou perder essa oportunidade, foi mal, mas você tá muito enganada — Faye virou sua cabeça, olhando para Dante. — Acho que devo te dizer “obrigado”, se você não tivesse enfraquecido o Ceifador, com certeza teria bastante dificuldade. Então, para demonstrar minha gratidão, vou te deixar ir embora e de quebra, sem nenhum ferimento.
Dante não esboçou nenhuma mudança em sua postura corporal, mantendo uma aura sombria e pesada ao seu redor, ainda com sua katana em mãos, que poderia ser até intimidante.
— Sinto muito, mas não posso aceitar e nem deixar você os matar, afinal — Dante encarou de canto a dupla mascarada. —, eles têm que me responder algumas perguntas.
— Infelizmente, acho que você não tem muita escolha…
De um momento para o outro, Faye muda completamente, do deboche, para uma face de desprezo e raiva. Ela estala seus dedos e o som ecoa pela rua, diminuindo aos poucos, até ser completamente dissipado, foi neste momento que mais figuras começaram a aparecer. Eram bastantes, facilmente passavam de dez, alternado de homens e mulheres. Todos estavam equipados com armas e armaduras leves, permitindo uma melhor locomoção.
Dante analisou a situação de maneira fria. Eles estavam em um número bem maior e o seu corpo já estava bem debilitado devido ao confronto anterior. O rapaz então, balançou a sua katana, retirando o sangue, e guardou a espada. Em uma cidade desconhecida e perigosa como aquela, não fazer inimigos era a melhor opção.
— Tudo bem — disse Dante. — Eu não vou entrar no seu caminho, desde que você também não entre no meu.
— Parece que temos um acordo, raposinha.
Antes de ir, o espadachim deu mais uma olhada para Miko, que tremia o seu arco, não era de se impressionar, a situação atual não era nada favorável a ela. Logo após isso, Dante deu as costas e foi embora, porém ele não abaixou a sua guarda nem por um momento, ele estava cercado por criminosos e nenhum deles aparentavam ser dignos de confiança.
Quando Dante cruzou com um dos ladrões, pode ver nitidamente uma expressão sádica em sua face. Eles iam fazer alguma coisa ruim, e o pior, eles iriam gostar.
O jovem se afastava cada vez mais do local e não tinha a mínima intenção de voltar, entretanto, quando Dante escutou o grito de Miko, seu pensamento tinha sido alterado.
— Ei, o da máscara de raposa!! Você está procurando informações sobre os Rivers, não é mesmo?! — Só esta fala fez o caminhar de Dante parar e deixar aqueles ladrões ao redor inquietos. — Me ajude com esses caras e eu vou te dar todas as informações que quiser.
Um silêncio total se instaurou sobre aquelas pessoas, junto de uma forte tensão, que fora causada apenas ao mencionar o nome “River”. Todos os olhares foram direcionados para Dante, que se encontrava imóvel na rua.
Faye parecia irritada com a paralisação de seus capangas.
— O que estão esperando?! Ano novo chinês?! Acabem logo com eles!!!
Com as ordens, os ladrões pareciam ter voltado à realidade e então avançaram. Miko reagiu de forma rápida, disparando uma flecha na coxa do inimigo mais próximo a ela e uma espécie de eletricidade amarela pareceu correr por dentro corpo do seu corpo, então em sequência, o homem solta um gemido e caí no chão, vivo, porém sem conseguir se mexer.
A arqueira olhou para Dante e ele continuava parado no mesmo lugar. Miko já tinha aceitado que ela não iria receber ajuda e foi nesse breve momento de distração que uma mulher portando duas adagas se aproveitou para a atacar pelas costas. Porém de repente, um vulto cortou o vento em uma incrível velocidade, que nem mesmo Miko conseguiu perceber o que tinha acontecido. Atrás dela, a garota só pode ouvir o som de metal colidindo e um grito de uma mulher.
Ao se virar, viu a ladra caída sobre uma poça de sangue e ao seu lado, uma figura coberta por um manto negro e com uma katana em mãos. Dante.
— Abaixe sua guarda e você morre — disse Dante, simultaneamente que se virava para Miko. — E eu preciso de você viva para responder às minhas perguntas.
— Não sou tão frágil assim. — Miko dispara uma flecha rapidamente na direção de Dante, mas ela passa ao lado do rosto do rapaz, acertando um homem que visava o acertar pelas costas. — Pelo visto você é do tipo que fala, mas não age. Não vai ter sorte com as mulheres desse jeito.
Ambos apenas concordaram, fazendo um movimento positivo com as cabeças e então eles partiram para o confronto.
Os dois guerreiros se mostravam incríveis no meio de uma batalha, Dante com seu kenjutsu e Miko com o arco e flecha.
A arqueira chamou bastante a atenção de Dante devido a sua habilidade, que ele não conseguia identificar o certo o que fazia. Miko dispara uma flecha contra um cara e ele acaba por passar mal e vomitar, depois atirou no chão, fazendo raízes gigantes brotarem do chão e prenderem alguns ladrões. A inconsistência daquela habilidade fez com Dante deduzisse que ela tinha a mana do tipo alma.
Faye olhava seus soldados caírem um por um e ela não gostava nada disso.
— Bando de incompetentes. Não consegues lidar nem com uma dupla de moleques.
Foi nesse momento que Faye tirou a espada curta da bainha e com toda a velocidade que tinha, avançou na direção do Ceifador, que estava caído sobre o chão, desacordado.
Quando ela estava próxima, rapidamente armou um ataque e desceu a espada na direção do seu alvo, só que foi surpreendida por uma fina lâmina de metal entrando em seu caminho e bloqueando o ataque da mulher. Olhando quem havia feito isso, se deparou com uma máscara de raposa.
— Seu merdinha, eu tentei ser legal e você cuspiu na minha cara!! — gritou, coberta de raiva.
— Sinto muito, mas me fizeram uma proposta melhor — disse Dante, calmamente, enquanto fazia um movimento com sua espada e empurrava Faye para trás. — Como você foi legal comigo, vou retribuir o favor. Vá embora e eu poupo a sua vida.
Aquele desaforo foi capaz de tirar a gangster do sério.
— Eu só ia te matar, mas agora vou fazer isso bem devagar…
— Tenta a sorte.
Isso foi a gota d’água para Faye, que foi para cima de Dante, já atacando o rapaz com um golpe lateral com sua espada, no qual Dante conseguiu bloquear com bastante dificuldade.
Era impressionante que mesmo tomada pela fúria, Faye conseguia manter a consistência e a precisão nas suas técnicas, sendo capaz de desferir diversos ataques em curto período de tempo, o que acabará por deixar Dante na completa defensiva.
O jovem espadachim não ia conseguir ficar defendendo para sempre, aos poucos sua defesa ia sendo superada e ao redor de seu corpo começava a surgir diversos cortes superficiais. Dante então decidiu se aproveitar de que Faye usava uma espada de uma mão e atacar o seu lado que ficava desprotegido.
Então quando a mulher executou uma estocada contra Dante, o mesmo saltou para a esquerda, fazendo sua adversária errar e passar direto. O garoto então levanta sua espada e logo em seguida efetua um golpe vertical. O ataque se mostrará certeiro, porém Faye surpreende Dante, jogando sua espada da mão esquerda para direita, conseguindo pegar a arma em pleno ar e rapidamente armando uma defesa.
A katana deslizou sobre a lâmina de Faye, o que fez Dante perder seu equilíbrio e cair pela frente. Sua adversária aproveitou e fez um chute giratório, que acertou as costas do rapaz e o derrubou de vez.
Com Dante no chão, Faye tentou o finalizar, perfurando seu coração com a espada, só que o garoto reagiu de maneira rápida rolando para o lado e se levantando.
As técnicas com espada de Faye eram realmente notórias, podia-se dizer que em questão do manuseio da arma, ela era melhor do que Dante. Então o garoto teria que recorrer a uma estratégia diferente caso quisesse ganhar.
Mais uma vez a mulher partiu para a ofensiva, entretanto, tinha algo de diferente em Dante, sua postura parecia mais ereta e sua presença parecia exibir uma maior confiança. A série de ataques de Faye se deu início, ela conseguia deixar Dante completamente na defensiva, mas toda essa onda de golpes tinha um lado negativo: Faye deixava sua guarda completamente exposta.
Em determinado momento, quando Faye desferiu mais um ataque, Dante aparou e usou da sua katana para abrir a guarda de sua oponente de maneira forçada. Ele então executa um golpe com sua katana, só que Dante não esperava que Faye já tinha previsto isso.
No rosto dela surgiu um sorriso confiante. Ao ter seu golpe aparado, Faye propositalmente largou sua espada e enquanto a arma cai, a mulher a apanhou, para então avançar e desferir um corte profundo na costela de Dante.
Uma dor imensa tomou conta do garoto, que até mesmo ficou desnorteado por alguns instantes, mas Dante obrigou ao seu corpo a permanecer de pé. Aquele não era o lugar e nem o momento de sua morte, ainda tinha muitos assuntos pendentes, mas isso não foi o suficiente. Antes que o rapaz pudesse se esquivar, Faye lançou sua espada contra Dante, cravando a lâmina no seu peito e saindo pelas costas.
— Eu te dei uma chance de sobreviver, raposinha — disse Faye, em um tom de pura prepotência —, mas você preferiu me desafiar e agora, essa é a sua recompensa.
Por debaixo da máscara de raposa, não foi emitido um som que fosse, nem um gemido de dor.
— Será que eu acertei o coração e não percebi?
— Na verdade eu acho que você não acertou nada — Uma voz sinistra surgiu por detrás de Faye.
A voz soava mais como um sussurro, que surgia da sua mente e chegava até o coração. Por um momento o medo tomou conta de Faye, mas logo depois, uma tamanha dor toma o lugar desse sentimento. Olhando para o seu peitoral se deparou com uma lâmina saindo de dentro de si.
A partir daí o seu corpo começou a esfriar, o gosto ferroso do sangue tomava conta de sua boca, enquanto o líquido avermelhado saia entre os seus lábios. Com dificuldade, a mulher olhou para trás e a imagem da máscara de raposa conseguiu lhe causar um grande temor.
— M-ma-as como é poss-ssível?! — Faye demonstrava uma grande dificuldade em falar devido ao sangue em sua boca.
— O que você acertou não era eu, e sim a minha sombra — respondeu Dante em um tom frio.
Voltando ao olhar para o corpo que ela havia enfiado a espada e logo percebeu que o mesmo começava a se tornar uma espécie de líquido negro, que rapidamente desfez a aparência humana e retornou para dentro das sombras.
Dante então retirou sua espada de Faye, que logo caiu de joelhos, devido a quantidade de sangue que estava perdendo tão rapidamente, além de que provavelmente o seu pulmão estava se afogando no próprio sangue. Ela se recusava a cair e usava sua espada como uma espécie de bengala e então lançou um olhar carregado de ódio para Dante, que permanecia frio e sereno.
— Você deve estar se achando o fodão, não é? — Faye riu e cuspiu uma grande quantidade de sangue. — Mas saiba que você é apenas um louco que usa uma máscara como proteção. A minha morte não vai mudar nada, algum outro criminoso vai tomar meu lugar, já outros vão querer saber o motivo da minha morte e quando isso acontecer, eles irão achar você e farão você se arrepender de ter nascido — Faye mais uma vez fraquejou, quase tombando. — Um conselho para você, raposinha, os criminosos daqui são diferentes de tudo que você pode imaginar, você está no inferno e eles são os demônios.
Dante permaneceu em silêncio, apenas observando enquanto os olhos de sua adversária perdiam o brilho e seu corpo caía por terra. Foi neste momento que o garoto decidiu dizer algo.
— Que eles venham, o inferno já não me assusta.
Guardando sua espada, Dante olhou ao seu redor, se deparando com os diversos corpos dos ladrões, os quais havia matado. A garota com máscara de coelho guardava seu arco nas costas e tentava levantar o Ceifador, para carregá-lo. Então Dante foi em sua direção, com um caminhar intimidador.
— Eu te ajudei, agora cumpra com sua parte do trato — disse Dante, com irritação em sua voz.
— Agora não dá! — respondeu Miko, olhando para seu capitão com preocupação. — Ele precisa de tratamento, eu juro que volto para te contar tudo!!
— Não, você vai me contar tudo agora.
— Lembre-se que ele está assim por sua causa!!
Por mais que dante não gostasse de admitir, aquilo era verdade, mas não que ele se importasse, aquilo foi pura defesa pessoal, Dante não conseguia sentir um pingo de remorso que fosse, entretanto, Miko parecia ser uma soldada leal ao seu líder, ela iria levar ele, mesmo que isso significasse ter que passar por cima de Dante. Então só restava uma opção.
O jovem espadachim se aproximou da dupla, pegando um dos braços do Cei fador e colocando ao redor do seu pescoço.
— O que você pensa que está fazendo?! — questionou Miko, confusa, e ao mesmo tempo, assustada.
— Eu vou te ajudar, dessa maneira vou garantir que você não fuja, mas saiba… — Dante olhou para Miko, o brilho azul de seus olhos surgiam entre os buracos dos olhos da máscara e causavam arrepios na espinha da arqueira. — Se você me levar pra algum lugar suspeito, eu mato você e o seu capitão.
Miko engoliu seco e apesar da ameaça, concordou com a cabeça. A partir daí, ambos começaram a carregar o corpo do Ceifador, caminhando entre os becos e ruas desertas.
***
Bastante tempo de caminhada se passou, então Miko e Dante começaram a subir um grande lance de escadas metálicas e velhas, que levavam para um galpão que pela sua aparência não parecia ser usado nos últimos milênios, mas se tinha algo que Dante aprendeu sobre a Cidade de Baixo, era que sempre tem alguém escondido nos piores lugares.
Cruzando a porta, sua teoria tinha se concretizado. Na escuridão daquele galpão abandonado, diversas silhuetas diferentes se revelaram, todos os olhares pareciam ter sido direcionados para os recém chegados. Os próximos passos iriam decidir se aquelas pessoas iriam se tornar amigas ou inimigas. Com esses machucados, Dante teria que tomar cuidado com suas falas, pois isso decidirá o seu destino a partir daquele momento.