A Herança do Assassinato - Capítulo 22
A pesquisa de Dante por aquela cidade estava se mostrando ser apenas uma grande perda de tempo. Por mais que ninguém viesse o incomodar, o que ele achou muito estranho, pois acreditou que a primeira coisa que ia acontecer com ele, era uma tentativa de assalto, porém não. Até o momento tudo estava tranquilo — tirando o fato de que na Cidade de Baixo é normal alguém ser arremessado pela janela enquanto você caminha —, tranquilo até demais.
Sempre que ele chegava e perguntava a alguém se ela sabia alguma coisa sobre os Rivers, ou ela só ignorava e ia embora, ou respondia com um xingamento. Nenhuma das duas coisas ajudava.
Além de tudo, durante as buscas, Dante não conseguia tirar da cabeça de que tinha alguém o observando, porém nessa cidade é muito fácil de seguir alguém sem ser percebido. Além dos formatos estranhos dos prédios, que permitia que alguém pudesse se esconder com bastante facilidade e o principal, havia tantas pessoas intimidadoras e esquisitas nas ruas, que qualquer um ali era um possível perseguidor.
Dante apenas decidiu que era melhor ignorar aquela sensação por enquanto, muito provavelmente ele estava sentindo aquilo devido ao território hostil, o qual se encontrava, mas mesmo depois que voltou a fazer a sua busca, uma pulga permanecia atrás de sua orelha.
***
Não importava o quanto Dante perguntasse, as respostas eram sempre as mesmas, apenas mudando na forma que cada pessoa falava. Na sua última tentativa, Dante foi tentar falar com senhor, que estava sentado em uma cadeira de balanço na varanda de sua casa. O que era uma situação um tanto quanto estranha, já que a Cidade de Baixo era o lar de diversos criminosos.
Ao se aproximar do senhor e fazer as perguntas, a primeira coisa que ele fez foi arremessar uma faca em Dante, que rapidamente se esquivou do ataque.
— Se quer se matar, faça isso sozinho!! — gritou o velho.
Após quase ter sido assassinado por um idoso, Dante prosseguiu pela cidade, já sem esperanças. Era notório que a família construiu uma forte reputação na região. Por mais que a maioria dos criminosos não tinham motivos para dar informações de graça, só pela reação deles, era possível perceber que eles ficavam nervosos só de ouvir o nome do clã de assassinos.
Conforme Dante caminhava pelas ruas, elas iam ficando mais e mais vazias, e consequentemente, mais perigosas. Ao observar os lados, via-se moradores de rua tão desnutridos que quase era possível ver os seus ossos por debaixo da pele. Eles enrolavam baseados e aplicavam seringas — que com certeza não tinham remédios em seu interior — em seus vasos sanguíneos. Alguns até mesmo imploravam por uma moeda que fosse, porém Dante apenas os ignorou.
Ele também se deparou com alguns indivíduos suspeitos portando armas o encarando, entretanto, nenhum deles fez menção a avançar para cima do rapaz.
Apesar de já ter se passado bastante tempo explorando a localidade, a sensação de estar sendo observado não havia diminuído nem um pouco. Aquilo já estava dando nos nervos. Ele já tinha quase certeza que havia um perseguidor vindo atrás dele e não era muito bom nisso, já que não conseguia esconder a sua presença, porém ainda era arriscado tentar procurar por ele.
O melhor a se fazer no momento era armar uma emboscada.
Dante interrompeu sua caminhada, olhou para os lados, fingindo estar checando se alguém o seguia. Após isso ele entrou em beco escuro. E foi nesse momento que ele começou a próxima etapa de seu plano.
Ao adentrar no beco, ele posicionou sua mão sobre a parede, mas ao invés de encostar nos tijolos, o seu corpo atravessou a superfície. As sombras da parede subiram pelo seu braço e não demorou muito para que Dante fosse completamente coberto por uma massa de escuridão, que logo em seguida se misturou com as sombras do prédio.
Neste momento Dante se encontrava, caminhando em um lugar que ele chamava de “Reino das Sombras”. Era como um oceano de pura escuridão, onde as únicas entradas e saídas eram os locais que as sombras terminavam. O garoto conseguia ver o lado de fora, entretanto ninguém o via dentro daqueles domínios, era como se as sombras do mundo real fossem a superfície do mar, a qual ele poderia atravessar com extrema facilidade.
Assim como Dante havia planejado, não demorou muito para que uma pessoa entrasse no beco, muito provavelmente à sua procura. Em suas mãos, ela segurava com força um arco, com uma flecha pronta para ser disparada e em suas costas, pendurava uma aljava lotada de flechas. Ela trajava uma espécie de kimono largado, pintado de vermelho e branco, idênticos aos de sacerdotisas de templos xintoístas. Longos cabelos negros se estendiam pelas suas costas, mas Dante não conseguia ver o seu rosto, pois estava escondida por trás de uma máscara de coelho.
Ao julgar pelo formato das mãos, a largura do cabelo e pelo tamanho do busto, era possível de que aquela pessoa mascarada era uma mulher.
A garota misteriosa caminhava lentamente, tomando toda a cautela possível para não receber um ataque surpresa. Por mais que Dante conseguia facilmente ver sua perseguidora, aqueles de fora não conseguiam ver o que acontecia dentro do Reino das Sombras.
Após a mulher já ter dado alguns passos, adentrando mais ainda dentro do beco, Dante permaneceu pronto para sacar a sua katana e então saiu do Reino das sombras, surgindo logo atrás da sua perseguidora, retirando sua espada da bainha com uma velocidade incrível, antes mesmo que ela pudesse reagir ao ataque.
Antes que a lâmina atingisse a garota, Dante parou o movimento a poucos milímetros de sua pele.
— Não faça nenhum movimento brusco — disse Dante. —, ou eu corto sua artéria tireóidea.
A perseguidora se assustou com o ataque surpresa, mas permaneceu parada devido a ameaça.
— Agora me responda, quem te enviou e porque está atrás de mim?
— Você ainda é audacioso o suficiente para perguntar — Tinha uma grande quantidade de raiva despejada sobre a voz da mulher. — Deveria saber que se ficasse fingindo ser da nossa gangue iria lhe trazer consequências em algum momento!
— Mas do que você está falando, garota?
— Ainda por cima é cara de pau…
Dante estava genuinamente confuso com a situação que se encontrava. Sobre o que aquela mulher estava falando? Aparentemente ela acreditava que Dante estava fingindo ser da sua gangue, isso era fácil de entender, a real questão era entender o por que disso.
Foi então que uma lembrança recente cruzou a cabeça de Dante. Mais cedo, quando estava na taverna, o atendente falou que era uma boa forma de se esconder a identidade, mas que o garoto deveria tomar cuidado com certas pessoas. Será que ele estava falando da gangue dessa mulher? E observando bem, eles tinham algo em comum, ambos usavam máscara. Isso permitiu a Dante deduzir que a marca desse grupo era a utilização de máscaras.
— Ei, garota, queria te fal…
A frase de Dante foi subitamente interrompida quando uma lâmina negra e curva, surgiu de trás de si e forá colocada contra a sua garganta, o que o assustou.
— Se mexe, e você morre — disse uma voz masculina vinda de trás de Dante.
A com máscara de coelho reconheceu a quem pertencia e respondeu:
— Capitão! O que está fazendo?! Você não deveria estar aqui!! — disse a com máscara de coelho, com um tom de ansiedade e nervosismo.
— Senti que você estava em apuros e pelo visto, acertei.
Analisando melhor a lâmina negra que tinha sido posicionada contra o pescoço de Dante, pode-se perceber que era uma foice. Qualquer movimento em falso e a pessoa atrás dele iria cortar sua cabeça fora como quem corta um tomate.
A melhor decisão era fazer o movimento o mais rápido possível.
Então foi aí, se aproveitando das sombras, Dante afundou no chão.
Aquilo surpreendeu o seu oponente, que por um segundo, abriu a sua guarda, mas que já havia sido o suficiente para Dante, que surgiu das sombras, atrás do seu opositor e então desferindo um ataque de espada contra ele, mas que surpreendentemente, conseguiu ser bloqueado, com ceifador de virando de costas e usando do cabo de sua foice para bloquear o golpe.
Agora em uma disputa de força, Dante pode observar melhor contra quem ele estava brandindo sua espada. Era um sujeito alto, vestia um longo sobretudo negro, com diversos detalhes em um verde florescente. A foice em sua mão era assustadora, parecia ser feitas de ossos negros. Olhando para a face do homem, viu apenas uma máscara de gás, cujas lentes emitiam uma luz verde florescente e dreads castanhos.
O dos dreads usou de sua foice para aparar a espada de Dante e efetuou um giro, simultâneo a um chute que foi na direção do rosto do rapaz, mas antes de ser atingido, Dante saltou para trás.
— Capitão!! — gritou a com máscara de coelho — Deixe-o comigo!! Eu consi…
— NÃO!! — Antes que a garota pudesse concluir, o de máscara de gás a cortou. — Esse cara não é um qualquer, ele é perigoso. Só pela movimentação dele eu consigo perceber.
Não dava para ver as expressões por baixo de sua máscara de coelho, porém da maneira que a mulher olhou para baixo e grunhiu, era nítido que a mesma ficará frustrada ao ser afastada do confronto.
Dante e seu oponente se encaravam severamente, um analisando o outro, porém foi o ceifador que tomou a primeira atitude. Ele avançou com tudo na direção de Dante, executando um golpe com sua foice,vindo de baixo para cima na diagonal, mas o espadachim facilmente girou em volta do próprio eixo, evitando de ser atingido. Aproveitando da força de rotação, Dante lançou um ataque na direção do oponente, mas ele também era rápido, mudando sua postura e bloqueando a lâmina com o cabo de sua foice, que mais parecia uma coluna vertebral.
O da máscara de gás deslizou o ataque de Dante sobre a foice e com um simples movimento conseguiu abrir a guarda do jovem à força, que o mesmo aproveitou para acertar um chute bem no meio do peito de Dante, que foi lançado para a rua, com a tamanha força do impacto.
Dante caiu de costas, mas não perdeu tempo deitado e logo em seguida se levantou, reconstruindo a sua postura.
Aquele sujeito não era um bandido qualquer de periferia, ele tinha técnica, então Dante enfim teria entendido que se não tomasse cuidado, sua morte era certa. Ele respirou fundo, relaxou os ombros e esvaziou sua mente. Aquele era o combate em que o jovem tinha que colocar todo seu treinamento à prova.
Agora, convicto da sua vitória Dante lançou o olhar para o beco, que das sombras a figura de sobretudo surgiu, caminhando lento e calmamente, carregando a sua foice. Quando ambos fazem contato visual entre si, no mesmo instante, eles partiram para cima um do outro.
Primeiramente, o ceifador lança um ataque contra as pernas de Dante, mas o garoto reagiu com precisão e saltou por cima da lâmina, executando um rolamento na aterrissagem. Percebendo a ação, o ceifador aproveitou da força e girou em torno de si, na tentativa de acertar o que estava atrás dele, porém quando faz isso a lâmina passa direto pois não tinha mais ninguém.
Quando o movimento termina, o com máscara de gás sente sua foice muito mais pesada que antes. Ao olhar para ela, viu que em sua ponta estava Dante, em pé como se não houvesse nada.
— O que está tentando acertar? — Mesmo com o tom de voz sério, era notório o deboche de Dante.
Aquilo irritou o ceifador, mas antes que ele conseguisse tomar qualquer atitude, Dante se posicionou como se fosse se impulsionar. Ele concentrou uma grande quantidade de mana e empurrou a foice com seus pés, a lançando para longe, com isso desarmando seu oponente.
Em pleno ar, Dante efetuava um mortal, apertando com força o cabo de sua espada e espalhou mana pela arma, fazendo com que sombras começassem a sair pela lâmina. Utilizando do movimento giratório, o espadachim executou um ataque vertical, porém o ceifador foi ágil e saltou para o lado e ganhou certa distância de Dante.
Vendo que seu ataque tinha falhado, Dante se estabilizou e pousou em pé. o máscardo tinha se afastado bastante, mas não seria problema, ele estava desarmado e aquela distância não era nada para Dante.
Sombras começaram a se espalhar pelo corpo de Dante, transformando ele em quase que um espírito de pura escuridão.
Então correu em direção ao ceifador. O corpo de Dante parecia estar leve como nunca, permitindo que ele se movesse tão rápido que os diversos metros entre aqueles dois, se tornaram centímetros e questão de segundos.
Agora, com as duas mão na espada, Dante efetuou mão um ataque, que devido a curtíssima distância entre os dois lutadores, seria impossível de desviar, porém Dante foi surpreendido quando uma foice se negra se materializou nas mãos de seu oponente e interceptou o ataque.
Aquilo deixou o rapaz confuso, mas ele rapidamente compreendeu o que aconteceu.
— Você é um mago do tipo espírito — afirmou Dante.
— Você não é o único que tem truques!!
O ceifador concentrou tanta tanta mana em seus braços que era visível uma energia verde se espalhando pelos seus membros. Com a força adquirida, o da máscara de gás empurrou Dante para trás e logo em seguida preparou seu próximo ataque. Ao fazer isso sons metálicos sairiam de sua foice e a lâmina começou a girar como se fosse uma serra.
Então o mascarado misterioso balançou sua foice em um movimento horizontal , visando cortar o pescoço de Dante, só que o mesmo reagiu bem a tempo e executou uma cambalhota para trás, que foi seguida de outras diversas acrobacias, que serviram para aumentar momentaneamente a distância deles. Dante iria utilizar desse afastamento para pensar em alguma maneira de evitar aquela arma, porém ele nem sequer teve tempo para isso.
Quando se virou para o ceifador, viu um projétil vindo em sua direção.
A única coisa que Dante pode fazer foi dar um rápido passo para o lado e evitar de ser atingido. Fazendo isso ele pode ver o que tinha sido lançado em sua direção, não era um projétil, mas na verdade a ponta da foice. O cabo semelhante a medula espinhal teve as suas juntas separadas e entre elas pareciam ter fios, que permitia a arma mudar de tamanho. Isso somado a lâmina giratória era uma tática poderosa, porém ainda tinha uma falha.
Ao lançar a ponta da foice, o mascarado tinha sua guarda completamente exposta. Dante se aproveitou e avançou para cima de seu oponente,que fez o gesto de puxar a foice, o que faria a ponta da arma retornasse e acertasse Dante pelas costas, entretanto o rapaz já esperava por isso.
Mais uma vez, massas de escuridão se espalharam pelo corpo de Dante e no momento que ele estava prestes a ser atingido, foi imediatamente puxado para dentro das sombras dos prédios.
O ceifador recolheu por completo a sua arma, porém, devido à força que ela retornou, o sujeito sofreu com o recuo e deu uma leve desequilibrada para trás, que foi a abertura perfeita para Dante, que surgiu dentre as sombras que estavam sobre o chão.
A escuridão se rompia e a figura encapuzada chegava a ser aterrorizante, como se aquele guerreiro não fosse um simples humano, mas um demônio sedento por sangue.
De baixo para cima, a lâmina prateada de Dante cortou o peito do seu oponente, fazendo que muito sangue fosse jorrado, mesmo aquele golpe não sendo fatal.
A foice caiu das mãos de seu portador, logo mais desaparecendo em uma poeira negra que se espalhou pelo ar. O ceifador encarou Dante por alguns breves instantes,ainda processando a sua derrota, até que tombou para trás e ficou caído no chão, fraco, mas ainda vivo.
Dante se aproximou e apontou sua espada para o rosto do sujeito caído e perguntou:
— Quem é você?