A Herança do Assassinato - Capítulo 21
Ao abrir aquela porta, Dante se deparou com uma paisagem diferente de qualquer outra que ele já tinha testemunhado em toda a sua vida. Ele se lembraria daquela visão por toda eternidade.
O espadachim se encontrava no alto do que parecia ser uma colina, feita de paralelepípedos. Acima dele tinha um enorme teto de rochas, com diversos estalactites espalhados por toda aquela superfície, onde pingavam algumas gotas de água. Porém o que era mais impressionante, era a gigantesca cidade que estava se entendendo por debaixo daquele horizonte subterrâneo.
As ruas tinham aparências fantasmagóricas, os paralepidos negros estavam cobertos de sujeiras, trincas e até mesmo ratos caminhavam livremente pelas calçadas. Os prédios góticos pareciam velhos e desgastados, com diversas teias de aranhas espalhadas por eles, como se já tivessem sido construídas há milênios atrás. Aquela parecia ser uma cidade que fora esquecida pelo resto da sociedade.
A metrópole estava repleta de postes, semelhantes a da superfície, porém sua aparência era um tanto diferente. Assim como o chão, o metal que o poste tinha sido construídos, era negro e no seu topo havia diversos adornos góticos em volta de uma cúpula de vidro, que emitia uma repulsiva luz verde.
Apesar da horripilante aparência que aquele lugar tinha, muitas pessoas estavam por lá, que não aparentavam ser amigáveis, muito pelo contrário, Dante acreditava que se apenas esbarrar em uma delas, poderia desencadear uma briga desnecessária.
Agora que já tinha chegado até tal ponto, como ele mesmo já sabia, não tinha mais volta, a partir dali tinha que encontrar algum lugar para conseguir informações. Então desceu a colina e começou a caminhar por aquela cidade, que parecia ter saído direto de um filme de terror.
Durante os poucos passos que tinha dado pela rua, pode sentir a aura pesada que era emanado pelo lugar. O horrível cheiro de cigarros, bebidas e pólvora, invadiam o nariz de Dante. Alguns homens ficaram sentados sobre um monte de caixas afiando algumas facas, com corpos repletos de cicatrizes. Algumas crianças extremamente magras e sujas, vestindo trapos, eram puxadas por um grande homem, através de uma corrente presa em seus pescoços.
Já tinha sido que esse era um lugar totalmente deplorável, juntando toda a escória do continente. Se a base dos Rivers estivesse em algum lugar, era aqui.
O que Dante tinha que fazer naquele momento era juntar o máximo de informações possíveis. Para isso teria que ir para algum lugar onde houvesse uma enorme concentração de criminosos. Em lugares como a Cidade de Baixo, a melhor opção seria uma taverna.
Assim Dante fez. Caminhou por aquelas ruas imundas, ignorando os olhares ameaçadores que lhe eram lançados contra ele, levantando seu capuz, escondendo seu rosto mais ainda, deixando em vista apenas sua máscara de raposa sorridente.
Após um tempo considerável de procura, o jovem encontra o que procurava. Semelhante ao resto da cidade, o prédio à sua frente tinha uma aparência gótica e mal cuidada, porém de seu interior saíam diversas vozes animadas e também o som de vidros quebrando.
O garoto então adentrou no recinto, passando por uma porta semelhante àquelas de bares de faroeste. Dentro do prédio, diferente do que Dante imaginou o que fosse acontecer, ninguém deu a mínima para sua presença, talvez sujeitos mascarados não fossem nenhuma novidade para o pessoal daquela região.
Então Dante caminhou em direção ao balcão da taverna, ao mesmo tempo que analisa de maneira meticulosa os fregueses do estabelecimento, que eram dos mais diversos, mulheres sedutoras juntos a homens que pareciam liderar gangues, sujeitos que se sentavam sozinhos, exibindo suas armas como se fossem apenas mais um adereço de suas vestimentas e até mesmo adolescentes, que pareciam ter uma tatuagem em cada centímetro de sua pele. Só que nenhum deles se assemelhavam com as pessoas pelas quais Dante procurava.
Ele então se sentou sobre uma das cadeiras do balcão, porém deixou sua espada presa na cintura e com uma das mãos sobre o cabo. Um homem grande e gorducho, vestindo um avental sujo de gordura, veio em ao seu encontro. O rosto do sujeito era rechonchudo e tinha algumas cicatrizes de queimaduras, era algo bem desconfortável de se ficar encarando.
— O que vai querer? — questionou o homem, com uma voz grave e robusta.
Dante observou bem as bebidas colocadas sobre a prateleira atrás do atendente, nenhuma delas parecia estar dentro de suas respectivas datas de validade, além de que Dante ainda não tinha idade o suficiente para beber, só que no momento esse era o menor de seus problemas.
— Eu gostaria de um Sangue Ancestral — Dante pediu a única bebida que conhecia e por sorte, o atendente parecia ter ela, pois começou a procurar pela mesma.
O homem se virou, com um copo não muito limpo em uma das mãos e na outra, uma garrafa de vidro velha, com um líquido vermelho escuro dentro dela e um rótulo colado na parte da frente, com o que parecia um viking barbudo bebendo cerveja enquanto ria. O barman despejou aquele líquido dentro do copo e entregou para Dante, que nem sequer exitou. Pegou o copo e levantou levemente a sua máscara, o suficiente para que pudesse beber sem revelar sua face, e então ingeriu a bebida.
O gosto que Dante sentia era o mesmo se você bebesse veneno e por um milagre dos deuses, você permanecesse vivo. Com toda a certeza, se fosse a primeira vez que ele estivesse bebendo aquilo, nem uma gota daquela bebida desceria pela sua garganta, mas Raphael por mais impossível que pareça, adorava aquela bebida e de vez em quando, em noites que estava muito bêbado, incentivava Dante a beber.
Pelo visto a irresponsabilidade daquele idiota me ajudou no final, pensou Dante.
O rapaz então termina de beber a cerveja em um único gole e bateu o copo contra a mesa, enquanto abaixava sua máscara.
— Para conseguir beber isso aí, você deveria estar com muita sede. — O barman deu uma risada debochada.
— Você nem imagina…
— Então o que você quer saber moleque? — pergunta o barman enquanto limpava alguns copos.
Aquilo assustou Danta, e por debaixo da máscara seus olhos se arregalaram. Por alguns instantes, Dante tentava processar a informação e antes mesmo que ele pudesse questionar aquela frase, o atendente logo diz.
— É melhor você tomar mais cuidado, garoto.
— Isso por acaso é uma ameaça? — perguntou Dante, segurando sua espada com força.
— Não — O barman largou os copos sobre a pia e encarou Dante —, isso é um conselho. Tu é novo por aqui, dá para saber só pelo seu cheiro. Você é apenas um filhote de ovelha no meio de uma alcatéia de lobos adultos, melhor vazar daqui antes que seja devorado, mas teve a idéia boa em usar a máscara, poucos irão ter a audácia de o importunar
O discurso daquele barman gorducho estava correto, ele era um forasteiro naquela cidade, um alvo fácil para os vigaristas que espreitam becos, se mantivesse a guarda baixa, seria morto sem nem perceber. Apesar de tudo, ele não gostou de levar um sermão de um cara que ele nunca viu e serve bebidas a criminosos todos os dias, porém o que Dante não entendeu direito, foi o comentário sobre sua máscara, mas apenas decidiu ignorar.
— Como você mesmo disse, estou aqui atrás de informações e não de conselhos — Dante lançou um olhar irritado através de sua máscara.
— Se assim desejar. Já se considere avisado — O barman deu de ombros. — O que você quer saber?
— Quero saber sobre um grupo intitulado “River”.
O atendente pareceu paralisar na sua posição, como se Dante tivesse acabado de dizer o maior tabu da história, mexendo apenas seus olhos, procurando desesperadamente se mais alguém tinha ouvido aquelas palavras. Devido ao alto som das outras conversas, a frase permaneceu apenas entre aqueles dois.
— Garoto, eu achava que você era burro por ter vindo aqui para baixo sozinho, mas estou reconsiderando, você deve ser só um maluco — O homem à sua frente suava tanto, que parecia ter acabado de sair de uma ducha — Você tem que esquecer esse assunto, não sabe com quem está lidando.
— Acredite… — Dante ficou em silêncio por uns breves instantes, lembrando da mansão River e então lançou um olhar sombrio contra o atendente — Eu sei exatamente com quem eu estou lidando.
— Se você quer se matar, fique a vontade — O barman dá as costas para Dante —, só que eu lhe estou te avisando, essa máscara não vai te proteger contra essas pessoas, eles são criminosos de outro patamar. Eu não vou colocar o meu na reta por um desconhecido.
Isso era verdade, os River eram considerados os melhores assassinos do continente, se Dante tentasse um confronto direto, seria completamente massacrado. Por esse motivo que ele vai os derrubar aos poucos. Mesmo com seus conhecimentos sobre a organização seria uma tarefa muito difícil, porém não era impossível.
Então se aquele homem à sua frente se recusava a fornecer informações, era inútil e tentar um interrogatório naquele lugar era o mesmo que colar um papel na cabeça escrito “Atire em mim”.
— Obrigado pela bebida. — disse Dante, colocando uma nota de 10 Auras no balcão e se levantando.
— Tome cuidado moleque, você pode pensar que é durão, mas esta cidade consegue fazer até o mais forte guerreiro ficar de joelho e chorar como um bebê.
Dante absorveu aquele conselho e quando se virou para ir embora, o barman disse mais uma coisa.
— Você pode achar que essa máscara vai te proteger, mas eles não gostam de impostores, tome cuidado.
De tudo que aquele homem gordo e fedendo a bebida tinha dito até o momento, essa com certeza foi a coisa mais sem sentido. Dante não entendeu absolutamente nada, então essa informação só entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Então o jovem decidiu voltar a sua busca. Atravessou a porta e mais uma vez, caminhou sobre as ruas daquela cidade perdida.
• • •
Esta era uma noite especialmente fria. Não era um frio congelante como os que ocorrem no inverno, mas um frio que parecia entrar sobre as frestas da mansão e aos poucos tomava conta de cada cômodo, como um vírus infectando o corpo de um ser humano, o matando de pouco em pouco, até que quando ele se dá conta, sua vida chegou ao fim. Era esse o estado atual da mansão River, sem vida em seus corredores e tomado pelo frio.
Robert, como sempre, estava trancado em seu escritório. Ele continuava a usar roupas elegantes, o cabelo permanecia longo e bem cuidado, chegando a altura de sua cintura. Era nítido que o tempo tinha se passado para aquele homem. Profundas olheiras se estabeleceram abaixo de seus olhos e rugas de estresses eram estampadas na pele de seu rosto.
Enquanto Robert escrevia em alguns papéis, um vento soprou do lado de fora, fazendo com que a janela de seus escritório abrisse e cortinas balançassem, porém, mesmo assim o homem continuou na mesma posição, sem esboçar uma reação de surpresa.
— Você continua indiscreto — disse Robert,, mesmo não tendo mais ninguém naquela sala — Fala logo o que você quer, Jack?
A cortina do escritório continuava a balançar, então quando o vento cessou e a cortina caiu, atrás dela se revelaria um homem ruivo familiar. Ele vestia roupas elegantes, um sobretudo negro e chapéu, acompanhado também de uma bengala. Aquele era o inspetor de polícia Jack, porém ele tinha um outro nome, que era referido a ele por poucos. Jack, o Estripador.
— Nossa Rob, é isso que você pensa de mim? — ele disse isso em um falso tom de melancolia — Eu só quis vir visitar um velho amigo e sou tratado com tanta crueldade.
— Talvez isso seja porque você não é o tipo de visita que eu gostaria ter no meio da noite.
Robert não tirou os olhos dos papéis por um segundo que fosse, Jack vendo aquilo pensou na grande chance que tinha para matar aquele homem, mas ao mesmo tempo sabia que ele não mantinha a guarda baixa nem enquanto dormia. Tentar golpear ele pelas costas era exatamente o que o Robert esperava.
Jack então soltou um suspiro e caminhou até a cadeira em frente a mesa de Robert, se sentando sobre a mesma.
— Sabe, esses dias eu quase matei o seu filho. — falou Jack, com uma enorme casualidade.
Essa aparentava ser uma ferida ainda aberta no coração de Robert, que pela primeira vez parou de escrever e ficou olhando para os papéis a sua frente, enquanto a mão segurava a caneta, tremia com a ansiedade nervosismo.
— Eu não tenho filhos.
— Entendo — Jack tinha um enorme e sádico sorriso estampado no seu rosto —, agora você deserdou aquela criança.
Robert largou a caneta e se voltou para Jack, com olhos conflituosos, sem saber ao certo qual emoção eles tinham que esboçar.
— Bom, você vir aqui vai facilitar muito o meu trabalho — disse Robert, mudando por completo o rumo daquela conversa — Por mais que nós, os Rivers, não gostemos dos seus métodos, o nosso cliente se interessou pelo seu trabalho e está com vontade de contratar os seus serviços.
Por mais que aquilo não tenha sido o motivo de Jack ter vindo até aquela mansão, a ideia de ser pago para matar pessoas, era algo que realmente conseguia colocar um sorriso em seu rosto.
— Interessante, conte-me mais…