A Herança do Assassinato - Capítulo 16
A ponta da espada prateada havia sido colocada contra o peito de Dante, mas o que estava prendendo a sua atenção não era a arma em si, mas na verdade quem a estava empunhando.
A fraca luz da lua era refletida pelo metal dourado de sua armadura, que se misturava aos seus tecidos brancos. A expressão do seu rosto era severa como se estivesse o repreendendo, seus olhos esmeraldas pareciam conseguir ver Dante por debaixo de sua máscara, enquanto os cabelos loiros se estendiam lindamente pelas suas costas. A pele era clara e lisa, digna de uma modelo, porém ainda parecia ser muito nova, provavelmente apenas um ou dois anos mais velha que Dante.
Toda aquela beleza contrastava com a espada sendo apontada para o peito de Dante. Esta mulher parecia ser a encarnação de uma deusa da guerra, portadora de uma uma aparência hipnotizante, mas caso você levanta-se um ataque contra ela, não pensaria duas vezes em arrancar a sua cabeça.
Apesar de todos esses detalhes, não era nenhuma dessas coisas que impedia Dante de tirar os olhos daquela pessoa. Isso se dava ao fato dos traços de seu rosto serem praticamente idênticos aos de uma pessoa que Dante tentava em todas as suas noites, em um ato falho, apagar de sua mente.
— E-E-Eliza? — Dante murmurou tão baixo que o som abafado pela sua máscara não pode chegar até os ouvidos da menina.
Demorou alguns segundos para que Dante conseguisse se recuperar por completo daquele choque. Mesmo com as incríveis semelhanças que a moça a sua frente tinha com sua falecida amiga de infância, ela era uma ameaça e estava apontando uma arma perigosa em sua direção, não demonstrando nenhum traço de medo de usá-la caso fosse necessário.
O vento frio soprava entre os prédios, fazendo com que o manto de Dante e o cabelo daquela guerreira dourada, balançarem de maneira harmônica, como se estivessem em uma dança, além de amplificar ainda mais a tensão que pairava sobre eles.
— Se renda agora, Estripador!! — O grito da garota era ríspido, realmente seria capaz de intimidar muitas pessoas — Você está completamente cercado, não tem para onde ir!!
Aquilo era verdade, e também um problema. A última coisa que Dante queria, era se tornar um marginal procurado para dificultar a sua procura pelos Rivers.
— Se eu falar que eu não sou o assassino que vocês procuram, provavelmente vão achar que eu estou mentindo, não é? — perguntava Dante, com sua voz calma e séria.
— Com toda certeza, nós não cairemos em nenhum de seus joguinhos!!
Jack então deu alguns passos à frente, fingindo estar mancando.
— Cuidado Aprendiz de Cavaleiro!! Pode não parecer, mas este homem é muito habilidoso!!!
Até mesmo o tom de voz de Jack tinha mudado por completo. Aquele cara realmente é um bom ator.
Os cavaleiros atrás deles começaram a sacar suas espadas e lanças, se preparando para lançar um ataque em massa.
Um fator que Dante poderia usar ao seu favor eram os becos estreitos, fazendo com que eles não pudessem vir todos de uma vez e o “labirinto” que era formado por eles, isso somado a sua habilidade de viajar pelas sombras poderia os despistar com facilidade. Agora ele tinha que passar por aquela cavaleira dourada, para que pudesse dar início ao seu plano.
Dante então ficou encarando a cavaleira por mais alguns instantes, que ele usou para discretamente guiar a mana para seus braços. Quando este trabalho estava concluído, em uma velocidade surpreendente, ele brandiu sua katana, que bateu contra a espada longa da garota, desta forma abrindo sua guarda por completo, mas ele não utilizou esta chance para a atacar e sim para correr.
As sombras se espalharam por todo o seu corpo e então Dante bateu em retirada, se locomovendo muito velozmente dentre as sombras.
Vendo a situação, os cavaleiros se assustaram, para só depois que conseguiram processar o acontecimento, correrem atrás de Dante. A cavaleira dourada fez o mesmo, ajeitou sua postura novamente e começou a corrida, desta vez com uma incrível motivação, para consertar seu orgulho, que foi quebrado ao abaixar sua guarda e deixar o suspeito fugir. O único que teria ficado para trás era Jack. Ele apenas abriu mais um sorriso nojento em seu rosto e disse:
— Vamos ver como você se sai ao encontrar seus predadores, raposinha.
Por mais que Dante conseguisse se misturar às sombras, as pessoas ainda poderiam o ver, como se ele fosse um vulto passando em alta velocidade. Era difícil de se notar, porém com a devida atenção, seus perseguidores conseguiam o seguir, mas graças aos diversos caminhos que eram criados nos becos, o número de cavaleiros que estavam atrás de Dante tinha diminuído bastante.
Em determinado momento em sua fuga, Dante virou rapidamente em uma esquina, seus perseguidores viram isso e fizeram o mesmo, mas se surpreenderam ao dar de cara com a enorme parede de um prédio. O pequeno grupo olhava para os lados à procura do encapuzado, mas não encontraram nenhum sinal dele.
— Essa foi por pouco, pensou Dante, agora é melhor eu fugir e esperar tudo se acalmar na cidade.
O jovem estava agachado na beirada de um prédio, observando o pequeno grupo de vigilância, enquanto seu manto rasgado balançava junto ao vento. Antes que eles olhassem para cima e o encontrasse, Dante saiu da beirada do prédio e começou a observar a cidade do alto.
Com o seu sangue esfriando aos poucos, pode sentir a ferida nas suas costas arder, mas que por sorte, tinha sido apenas superficial, então a dor era algo que ele conseguia suportar facilmente. Se fosse para comparar com todos os ferimentos que Dante já tinha sofrido, este não passava de um mero arranhão.
Agora com a espada embainhada, Dante ficou alguns instantes admirando aquela cidade iluminada. Realmente era uma vista e tanto, porém esse pequeno prazer não durou muito e foi arruinado com o surgimento de uma voz.
— Você realmente pensou que ia conseguir fugir tão facilmente? — A voz rígida da cavaleira surgiu por trás de Dante.
No susto, o garoto rapidamente se virou na direção da voz, vendo a garota portanto a sua armadura dourada.
— Você é bem perspicaz — disse Dante, analisando a menina dos pés a cabeça, tentando descobrir qual seria o estilo dela através de seu equipamento — Admito que você me surpreendeu.
— Não irei ficar feliz com um elogio vindo de um assassino — disse a cavaleira, enquanto guiava sua mão até o cabo de sua espada.
Dante já sabia como aquela conversa iria terminar bem, então tudo o que pode fazer foi apenas soltar um suspiro cansado.
— Eu sei que você não vai acreditar em nenhuma palavra que sair da minha boca, mas eu não sou o estripador pelo qual vocês procuram.
— Em uma coisa concordamos: — A loira retira a sua espada da bainha, que emitia um brilho prateado ao refletir a luz da lua — eu não acredito em você. Vimos você atacando o inspetor Jack e ainda mente, você está muito convencido.
— Na verdade o Jack que me atacou, eu só estava me defendendo.
— Isso porque ele deve ter te pego no flagra, cometendo um de seus assassinatos.
Dante apenas balançou a sua cabeça, em negação.
— Isso aconteceu porque Jack é o assassino.
Essas palavras pareciam ter ofendido — e muito — aquela guerreira, ao ponto que sua expressão rígida se fez, dando um lugar a sua raiva.
— Eu não vou ficar aqui parado ouvindo as suas baboseiras!! — Ela segurou a espada com as duas mãos, assumindo uma postura de combate — Eu, Louise Hoin, irei levar um criminoso como você à justiça!!!
Dante fez o mesmo, sacando sua espada e se preparando para o combate que estava por vir, mas o que aconteceu surpreendeu o garoto.
A espada de Louise parecia começar a ganhar uma coloração avermelhada, igual quando algum metal era colocado no fogo por um certo período de tempo. Então, em uma gigantesca explosão, a espada da guerreira entrou em combustão e criou uma quantidade absurda de chamas. Além disso, aquele não era um fogo normal, a sua chama tinha a coloração dourada, igual ao ouro.
— Se prepare para o seu julgamento divino, pecador — disse Louise, enquanto tinha seu corpo iluminado pelas chamas douradas.
Ela nem mesmo deu tempo para Dante pensar o que iria fazer sobre aquele fogo, já avançando na direção do rapaz com tudo o que tinha, para então desferir um corte vertical em sua direção. Rapidamente Dante saltou para o lado, conseguindo se esquivar das chamas, mas mesmo assim sentiu o grande calor que estava sendo gerado pela espada.
Louise tinha ótimos reflexos também, pois logo após a esquiva de Dante, lançou mais um ataque de espada contra Dante, que lançou diversas sombras para sua espada, na tentativa de bloquear o golpe, porém inútil. Quando as lâminas colidiram, as sombras foram completamente extintas pela poderosa luz das chamas, junto disso veio um calor intenso, em uma temperatura tão alta que as roupas de Dante ficaram chamuscadas e logo em seguida, o mesmo foi lançado para longe, devido a força do ataque.
— Merda, ela é forte — pensou Dante, enquanto se levantava.
Então Louise deu início a mais um ataque, porém desta vez ela não avançou na direção de Dante e só deu apenas um golpe no ar e como consequência disso, uma enorme rajada de chamas foi lançada na direção de Dante.
Vendo aquela enorme parede de fogo vindo na sua direção, concentrou uma grande quantidade de mana em suas pernas, para que pudesse correr e evitar de ser atingido, porém teve as suas consequências. Ao fazer isso, sentiu uma forte fadiga se espalhar por todo o seu corpo e ele sabia exatamente qual era a causa disso, sua mana estava se esgotando.
Ele já tinha usado bastante na luta contra Jack e ainda mais para fugir dos guardas, não conseguiria manter uma luta contra Louise por muito tempo, muito menos ganhar, sua única opção era fugir. Foi aí que ele teve uma ideia.
— Você tem boas técnicas de luta para um assassino — disse Louise.
— Vou considerar isso um elogio — respondeu Dante, enquanto respirava ofegante — Você também é uma ótima lutadora, mas vou ter que acabar com esta luta.
— O que está insinuando?
Dante nem mesmo se deu ao luxo de responder, só Iniciou a sua corrida e saltou do prédio em direção ao beco. Louise se assustou e correu para ver o que tinha acontecido, mas ao chegar na beirada do prédio não viu Dante.
— Ele fugiu — Ela apertou com força o cabo de sua espada, vendo que tinha falhado em sua missão, as chamas da lâmina se apagaram — Mas que droga!! Eu falhei!!!
Frustração tomou conta de Louise, junto disso, uma enorme vontade de chorar, pois tinha deixado um assassino em série fugir, para que pudesse continuar a cometer as suas atrocidades.
Esse momento foi interrompido com o som de diversos guardas subindo no prédio por uma escada que eles tinham pego. No meio de todos, uma figura famíliar para Louise surgiu, um homem alto e forte, cabelos castanhos, com alguns fios grisalhos, longo preso por um rabo de cavalo, uma barba fechada, ele vestia uma armadura e também portava uma enorme espada na cintura.
— Olá Louise!! — cumprimentou o grande homem, com um sorriso simpático em seu rosto, enquanto se aproximava da garota — Percebemos as grandes chamas e os sons de batalha, você lutou com estripador?
Ao ouvir aquilo, mais uma vez a imensa decepção da falha assolou a loira, que desta vez não aguentou e começou a derramar lágrimas.
— Mestre Vinder, eu… eu… eu deixei ele escapar — Era difícil para ela ter que admitir aquilo, as palavras quase não conseguiam sair de sua boca.
O cavaleiro se assusta ao ver sua discípula daquele jeito, não era comum que ela chorasse tanto como naquele momento. O melhor que ele poderia fazer é tentar a consolar. Então o mais velho se aproxima e apenas coloca a mão na sua cabeça, lhe fazendo um cafuné.
— Tá tudo bem — Vinder sussurrava calmante — Você fez o que pôde para impedir ele, isso é o que importa.
— Não!! Não é!!! — Louise coloca toda sua raiva para fora em um grito — Se eu fosse mais forte poderia ter parado ele!!
Vinder encarava a sua discípula com empatia, ela se parecia com ele quando mais jovem, cheio de brilho e esperança. Vinder não queria que esse brilho dela se apagasse e se tornasse mais uma cavaleira carrancuda.
— Olha Louise, nem sempre iremos vencer — Ele segurou o queixo da garota com delicadeza e levantou sua cabeça, a fazendo encarar diretamente em seu olhos — Terá dias que estaremos caídos e sujos de lama, mas são nesses momentos que deveremos estar sorrindo, para que aqueles que estão junto de nós ainda tenham confiança na vitória. Isso é ser um cavaleiro.
Ele confirma com a cabeça, tentando secar as suas lágrimas e parar de soluçar.
— Agora vamos, me mostre o seu lindo sorriso!!
Indo completamente contra os sentimentos que estavam a assolando no momento, Louise forçou os seus lábios para que abrissem um grande sorriso, ao mesmo tempo que as lágrimas continuavam a cair de seus olhos.
Seu professor ficou em silêncio e apenas deu um abraço nela.
— Seu pai estaria orgulhoso da mulher que você se tornou.