A Herança do Assassinato - Capítulo 10
Era um dia ensolarado, muito bonito e quente.
Um pequeno grupo de camponeses trabalhavam, capinando o terreno de suas plantações. Todos ali já tinham uma idade mais elevada, porém pareciam que ainda tinham muito gás.
— Cês acham que o garoto consegue dar conta? Aquele é um bicho grande — diz um senhor de pele morena.
— Eu não me preocupo com isso — responde uma senhora com um grande chapéu de palha — Afinal de tudo ele foi treinado Raphael, com toda certeza ele consegue lidar com um javali de presa.
— Se você tá dizendo — O senhor não parecia muito confiante em sua resposta.
Os camponeses logo voltaram a trabalhar, mas não demorou muito para que eles fossem interrompidos mais uma vez. Sons de galhos se partindo começaram a sair da floresta que ficava nas proximidades, era como se algo muito grande e pesado estivesse sendo arrastado pelo chão. Então entre as sombras uma pessoa surge.
O brilho azul de seus olhos se destacavam na escuridão da floresta e se contrastavam com seus longos e bagunçados cabelos negros. A expressão em seu rosto estava apática, não expressando um pingo de sentimentalismo que fosse. O mesmo trajava um kimono, que aparentemente era cinza, porém estava tão sujo e rasgado que mais parecia preto. E em suas cintura, o mesmo carregava uma katana, que parecia ter sido muito utilizada pelo seu portador, pois estava cheia de avarias em seu cabo, até mesmo na bainha eram visíveis algumas rachaduras.
Aquele homem carregava alguma coisa atrás de si, mas era escondido pelas sombras das árvores, só quando ele saiu para a luz do sol que a sua bagagem foi revelada. Um enorme javali,porém aquele suíno não era comum. O que mais chamava atenção era seu tamanho, já o animal era tão grande quanto um tigre ou até mesmo maior, porém essa não era apenas sua única peculiaridade, de dentro da sua boca saiam duas enormes presas, com uma ponta extremamente afiadas, que mais se assemelhavam a grandes estacas de metal.
O homem de cabelos longos segurava em uma das presas para que pudesse o arrastar e mesmo que aquele animal pesasse muito, ele não demonstrou nenhuma dificuldade no ato. O rapaz caminhou na direção dos camponeses, parando bem na frente da plantação.
— Oh Dante, você voltou!! — disse o senhor, animado e indo em direção ao jovem, com a enxada apoiada no ombro — Muito obrigado por ter matado esse monstro para a gente! Ele já tava dando um prejuízo danado para a gente.
— Não precisa me agradecer Seu José — respondeu o garoto, com uma expressão apática — Estou fazendo apenas o que me pagaram.
— Sempre muito formal — José deu algumas risadas e olhou para aquele javali enorme — Esse aí vai contribuir bastante para a comida da festa — O senhor se virou para Dante — Aparece no festival e traz o Raphael com você, todo mundo vai ficar feliz com a presença de vocês dois.
O garoto encarou o chão, pensativo quanto a sua resposta. Logo olhou para José e disse:
— Tudo bem, eu vou tentar vir.
— Que bom!! — O senhor abriu um largo sorriso — Acho melhor eu te pagar e voltar ao meu serviço. O combinado foram quatrocentas Auras, correto?
— Correto.
De dentro de um dos bolsos de sua calça, ele tirou algumas notas de dinheiro, que havia separado justamente para pagar pelos serviços de Dante.
— Obrigado, Seu José.
— Não precisa disso meu jovem, tô apenas pagando o que te devo.
Dante então se despediu dos camponeses e partiu de volta para sua casa, mas antes passando pela cidade de Ventus. Nos últimos anos que Dante tem vivido na região, ganhou uma certa intimidade com os moradores, já que ele era praticamente o “faz-tudo” da cidade. Pessoas cumprimentavam ele, até algumas crianças o convidaram para brincar com elas, porém o rapaz, educadamente, recusou.
Depois de bastante tempo de caminhada, Dante finalmente chega na casa de Raphael, porém tinha algo estranho no local: tudo estava muito quieto. Raphael não era o tipo de pessoa silenciosa, era impressionante como qualquer coisa que o ruivo fizesse, isso iria resultar em uma grande barulheira. Logo o silêncio que estava no momento, era no mínimo, suspeito.
De forma meticulosa, Dante avançou na direção da casa, tentando ser o mais discreto possível, até que então aconteceu.
Dante sentiu a presença de uma pessoa saindo de trás das árvores e logo alguma coisa é arremessado na direção de sua cabeça. O rapaz rapidamente deu um passo para trás, fazendo com que o objeto passasse em frente ao seu rosto e acertasse uma árvore, se revelando seu uma machadinha.
Dante logo se virou na direção das árvores e gritou.
— Você podia ter me matado seu idiota!!!
Um alto som de risadas saiam do meio das árvores e logo em seguida, Raphael sai do meio das sombras.
— Pelo visto você já está bom em prever ataques surpresas.
— Você podia ter me matado, seu imbecil!!!
— Você tem que parar de se preocupar com essas possibilidades — Raphael falava isso com uma tranquilidade — Você não morreu, isso que é importante.
— Sua lógica é completamente distorcida…
Dante poderia passar meses discutindo com seu professor, mas isso não iria levar eles a lugar algum. Quando aquele ruivo colocava alguma ideia em sua mente, nem mesmo a melhor lavagem cerebral poderia a tirar.
— Mesmo depois de seis anos, você continua um moleque rabugento.
— Ou talvez você que seja muito irritante — completou Dante.
O relacionamento daqueles dois era algo difícil de se explicar. Raphael encontrou Dante a seis anos atrás, no meio de uma floresta e desde então o garoto se tornou seu pupilo. Após isso, não era raro ver o jovem de mau humor, já que Raphael fazia questão de provocar ele a cada 10 segundos.
— Vamos comer, — disse Dante — mas eu cozinho hoje.
— Vamos lá, você adora minha comida.
— Eu não sou louco a esse ponto.
Ambos entram na casa e Dante se dirige até a cozinha, onde ele junta alguns ingredientes que conseguiria encontrar nos armários. Dante era bem experiente na cozinha, já que desde cedo aprendeu a cozinhar na mansão River, para caso em alguma missão seja necessário se disfarçar de chefe de cozinha.
Após algum tempo, Dante sai da cozinha carregando uma panela muito quente, que também liberava um delicioso e hipnotizante aroma salgado. Ao colocar sobre a mesa, o recipiente revela ter um lindo risoto de frango.
— Parece que suas habilidades culinárias melhoraram nesses anos Dante — observou Raphael.
— Foi necessário, — respondeu Dante — se eu comesse sua comida por seis anos, provavelmente morreria intoxicado.
— Você é um ingrato isso sim, te salvei, alimentei e ainda por cima me insulta.
O garoto tirou parte de seu kimono, para ficar mais confortável, e se juntou à mesa.
— Não é um insulto se eu apenas falar a verdade.
A dupla então começou a comer a refeição. Fizeram isso em silêncio, até que Raphael decidiu falar sobre algo que estava o incomodando já fazia algum tempo.
— Você tem certeza de que vai para a Capital? — o ruivo questionava com um olhar sério — Sabe que é um caminho muito longo até lá e perigoso de se fazer sozinho.
Dante levava o garfo até sua boca, mas após a pergunta, ele para e coloca o talher de volta no prato.
— Eu sei disso, — respondeu Dante — independentemente da sua opinião eu vou para a capital atrás da minha família.
— É, eu já sei disso. Afinal, eu treinei você por seis longos anos.
— E eu sou muito grato por você ter feito isso.
O garoto encara seu mestre, com a mais pura gratidão esbanjada em seus olhos.
— Se você não tivesse me encontrado na floresta naquele dia, com toda a certeza eu estaria morto.
— Não precisa disso, por mais que você tenha dado um trabalhão.
A relação entre Dante e Raphael era cheia de brigas e discussões, quem vê de fora pensa que o clima na casa deles era tenso, porém era justamente o oposto. Por mais estranho que parecesse, esses dois se davam muito bem, as discussões eram a forma deles de conversar, igual a um duelo de espadachins, onde os movimentos de seu oponente falavam muito mais sobre ele, do que palavras.
— Tem certeza de que vai embora hoje? Não vai nem ir na festa da cidade?
— Não, como já terminei meu treinamento não quero perder mais tempo.
— Você realmente vai fazer aquilo? — Era claro a preocupação na voz de Raphael — O que você vai fazer é muito perigoso, as chances de te matarem são extremamente altas.
— Eu sei, mas é algo que eu preciso fazer sozinho.
O ruivo soltou um longo suspiro, como se estivesse lamentando algo.
— Eu sei que não importa o que eu fale para você, nada vai fazer você mudar de ideia — Raphael encarou de forma séria seu aluno — Só não morra, se não eu te mato.
A tensão entre aqueles dois se instaurou durante um longo período, que ambos se mantiveram em silêncio.
— Morrer não está nos meus planos.
Algum tempo se passou e quando Dante se viu no espelho se deparou com seu cabelo enorme, completamente bagunçado e mal cuidado.
— Melhor eu cortar isso, vai me atrapalhar no combate se ele continuar grande.
Dante então foi para o lado de fora da casa, com um pequeno espelho e uma tesoura, logo, sozinho começou a aparar os fios de seu cabelo, fazendo com que uma gigantesca quantidade daqueles pelos caíssem sobre a grama. Depois de um certo tempo fazendo isso, ele finalmente para.
— Acho que está bom…
Ao ver seu reflexo no espelho, seu semblante tinha mudado por completo com o seu novo corte de cabelo. Os seus fios negros, que antes estavam enormes, chegavam até a altura do ombro e também estavam menos volumosos, o que lê dava clima mais leve.
Agora o corpo do garoto estava cheio de resto de cabelos, que pinicava muito e o obrigou a tomar um banho.
Após isso, o garoto finalmente começa a arrumar as suas coisas. Separou tudo que seria necessário para a sua viagem até a capital: roupas, comida, dinheiro, etc. Colocou tudo em uma grande mochila de viagem. Dante amarra seus cabelos em um pequeno rabo de cavalo, um par de botas, calças, um casaco preto e por fim colocou a sua espada velha na cintura.
— Tudo pronto, tá na hora de ir.
Dante então começa a caminhar para fora de casa e ao atravessar a porta, se depara com Raphael, encostado numa árvore e segurando a alguma coisa bem larga e fina.
— Toma, o último presente de seu mestre.
O ruivo joga o objeto para Dante, que consegue segurar com facilidade. Ao fazer isso o jovem percebeu o que era aquela coisa. Era uma katana.
— Isso é para mim? — Questiona Dante, surpreso com o presente.
— Sim, é uma despedida após seis anos, acho que seria legal te dar, além de que a sua espada atual está bem danificada.
Isso desencadeou uma grande chuva de flashes na mente de Dante, dos últimos seis anos que ele passou de seu mestre. Todos difíceis treinamentos, momentos felizes, quase mortes, tudo isso.
O garoto tentou se segurar, mas seus sentimentos, que quase nunca apareciam, vieram com toda a força naquele momento. Quando ele enfim percebeu, seus olhos já estavam cheios de lágrimas, que escorriam pelo seu rosto e pingavam na bainha da espada.
— O-ob… — As palavras pareciam difíceis de serem ditas, então Dante colocou tudo para fora de uma vez — Obrigado por tudo, Raphael!!!
O ruivo também não conseguiu se segurar, deixando as lágrimas escaparem também.
— Você é um idiota, Dante…
Os dois andaram um na direção do outro e se abraçaram uma última vez, antes da separação.
Após alguns segundos, que pareciam ter durado uma uma eternidade inteira, os caminhos do aluno e do mestre enfim haviam se separado. Dante caminhava pela estrada de terra, que era iluminada pelo forte sol da tarde.