A Criança do Lich - Capítulo 4
Capítulo 4: Plano de Treinamento.
O sol começava a se erguer no horizonte, suas luzes alaranjadas pintando o céu com uma paleta de cores quentes. Gael, ainda desorientado por ter acabado de acordar seguia Alvaeh pelos corredores da torre, iam em direção a saída do lugar. Segundo Elfaren, para o início do treinamento do menino era melhor um campo aberto e sem tantos registros históricos e equipamentos mágicos com risco de serem destruídos ou afetados pelo manuseio ainda inexperiente do garoto.
A manhã estava fresca e uma leve brisa agitava as folhas das árvores ao redor. Gael aproveitou para olhar um pouco a sua volta, sem dúvida a torre ficava em uma floresta densa, por todos os ângulos, poderia ser um meio de defesa natural para ela, conforme acompanhava a drow por mais alguns metros no sentido oposto a entrada da torre pode ver um campo bem aberto e que deveria ser o suposto espaço para seu treinamento, o lugar era limpo, apenas uma vegetação rasteira de grama, alguns bonecos de palha presos em estacas no chão.
Chegando próximo ao Elfaren que gesticulava com um esqueleto que trajava uma armadura completa, exceto pelo elmo, os dois pareciam conversar sobre a preparação do lugar para o treinamento ou outro assunto que os deixava bem concentrados, ao lado deles tinha uma figura feminina espectral, sua pele era translucida em um tom que lembrava um lilás bem clarinho, seus cabelos brancos e compridos balançavam com a brisa da manhã, usava uma túnica verde belíssima aos olhos de quem visse, tinha adornos em bronze com algumas pedras azuis, das quais Gael não tinha qualquer conhecimento, mas ficará encantado. Ela percebeu a chegada de Alvaeh e Gael, sorrindo para eles e chamando a atenção dos dois ao seu lado.
— Bom dia! — começou ela dando uma leve reverência com a cabeça.
Gael pareceu sem graça com a atitude da mulher e por ainda estar meio atordoado com a presença mística que emanava da mulher se limitou a cumprimentá-la com a cabeça.
Elfaren agora olhava fixamente para o menino a sua frente, sabia que o caminho a partir do que fosse dito ali seria, complicado, cheio de percalços tanto para o garoto, quanto para ele, nunca teve em seus planos se tornar um mestre então não sabia ao certo por onde começar e por isso havia chamado Sirion, o único de seus esqueletos que tinha uma alma selada em si, e Eldara, uma espectral que habitava a torre desde sua criação quando ainda estava viva, e após a morte continua a proteger os conhecimentos da mesma.
— Você é bem novo, acho que o mestre deve mesmo ter grandes expectativas sobre ti. — a voz do esqueleto era imponente, sem dúvida lembrava a de um soldado que viverá muitos combates mortais.
Por um momento um frio correu pela espinha do menino, que estremeceu com a tonalidade de voz do esqueleto.
— Não tenha medo fofinho. — essa era a voz suave da mulher espectral que com seu corpo flutuado aproximou-se do menino e o envolveu como se fosse uma serpente prendendo sua presa, mas de forma a passar segurança pro garoto. — O Sirion só late e não morde.
O esqueleto por sua vez só ficou quieto, vendo o olhar desaprovador de Elfaren.
— Sinceramente, vocês dois são mais crianças que esse menino. — Alvaeh tinha o tom de voz repreensivo.
— Deixo-os Alvaeh! — a voz do lich soava firme e grave. — Apresentem-se!
— Certo, me chamo Gael, tenho sete anos e me tornarei aprendiz do senhor Elfaren a partir de hoje. — sua voz soava tremula, mas com um ar de determinação algo que fez tanto Sirion como Eldara sorrirem.
— Eu sou Sirion, em vida servi ao Vale antes dele se tornar apenas uma ilha como é atualmente. — sua postura era firme como se tivesse se apresentando ao um companheiro de infantaria.
— Pode me chamar de Eldara Salomon, estive presente na construção da torre e nela vivo até hoje, servir a ela e a quem reivindica seus conhecimentos é meu dever. — as palavras da espectral transmitiam sinceridade e senso de dever.
— Ótimo podemos começar. — disse o morto-vivo autoritário. — Hoje, Gael, vou lhe explicar como funcionará seu treinamento e alguns fundamentos básicos da magia, algo que alguém de tão pouca idade possa aprender de imediato. — deu uma pausa para ver se o menino estava realmente prestando atenção em suas palavras, vendo que ele estava preso a cada palavra dita, continuou. — Bom, o grimório de deixei com você está se vinculando a sua essência, o que nos permite a pular alguns passos, mas também é de meu conhecimento que você ainda não teve uma iniciação na escrita e leitura de comum ou de qualquer outro idioma conhecido, sendo assim deixarei que Eldara o ensine sobre literatura.
Nesse momento o menino olhou para a espectral que ainda estava ao seu redor e a mesma sorriu para ele de forma fantasmagórica.
— Se for aplicado posso te ensinar até algum dos dezoito idiomas em que sou fluente. — a voz da mulher saia entusiasmada e animada com a ideia de passar seus conhecimentos a alguém tão jovem que tinha grande potencial de aprendizado.
— Vamos prosseguir, para um conjurador como eu, é necessário também saber se defender sem o uso da magia, já que magias variadas requerem conhecimento e energia maiores, desta forma, nosso soldado de elite irá lhe ensinar sobre combate de corpo a corpo e combate com arma, o necessário para poder se virar mesmo sem magia. — novamente a voz do lich soava firme.
— Será um prazer ensinar o aprendiz do mestre. — Sirion disse sem muito entusiasmo, deixando claro que sua afirmação a pouco sobre a idade do menino, em seu ponto de vista era verdadeira, não queria ensinar alguém que claramente não tinha habilidade, porte físico nem pra segurar uma espada curta, quem dirá segurar uma espada longa ou lutar no mano a mano com qualquer um dos esqueletos da torre. — Seu treinamento comigo será toda tarde após concluir as lições e pedidos do mestre.
O menino por sua vez apenas assentiu afirmativamente com a cabeça. Iria aprender combate e literatura com duas figuras bem interessante e assustadoras ao seu ver, mas era algo que a algumas horas atrás estava longe de seus pensamentos e desejos.
— Aproveitando que Sirion tocou na questão de horário, irei passá-lo agora. — dando uma pausa para prender a atenção do menino, que parecia preso em sua própria mente. — Durante o dia irá ficar comigo e Alvaeh onde irei iniciá-lo na magia e Alvaeh irá ensiná-lo habilidades em que a mesma julgará serem necessárias para os pontos em que tiver mais facilidade de aprendizado. Já na parte da tarde como Sirion disse ficará sub os cuidados dele. E a noite até sentir a necessidade de dormir deixarei sub a tutela de Eldara.
— Uhum! — foi apenas o que Gael conseguiu proferir, contudo a mesma expressão de determinação da madrugada havia ressurgido, tirando um sorriso de todos os presentes ali exceto Sirion.
— Ah! Tão fofinho, não quero soltar você. — Eldara realmente não combinava com os outros três, ela era sincera sobre o que sentia e claramente era a mais animada deles. Enquanto os demais pareciam mais sérios.
— Esquisita, achei que seu único interesse era em livros velhos e empoeirados. — Alvaeh, parecia surpresa pela animação da espectral.
— Eles são a minha paixão. — dizia Eldara, fazendo poses dramáticas como se tivesse atuando. — Mas não posso negar a juventude a minha frente com sede de conhecimento, nosso menino me lembra as páginas limpas de um livro prontas para serem preenchidas, com não me empolgar com isso. — continuava com poses ainda mais teatrais enquanto suas mãos agora dançavam pelo rosto de Gael e a mesma fazia expressões de êxtase.
A encarando com nojo Alvaeh conjurou mão magicas para pegar o menino pelos ombros e afastá-lo da espectral que a encarou parando seus movimentos, as duas se entreolharam de maneira ameaçadora.
— Se não se importar Gael gostaria de acompanhar vocês durante suas aulas de escrita e leitura, tudo bem? — a pergunta da drow soou mais como uma afirmação, fazendo com que Gael apenas assentisse.
— Não acho necessário tê-la com a gente Gaelzinho. — discordava a espectral.
— Chega! — Elfaren tomou a frente. — Se Alvaeh quiser acompanhar o dia a dia de Gael não me oponho, desde que isso não atrapalhe as demais obrigações dela. — a drow apenas concordou com o lich, enquanto a espectral ainda deu umas reclamadas antes de concordar.
— Ótimo, agora que resolvemos isso, Eldara e Sirion estão dispensados podem voltar aos seus postos.
Com isso os dois saíram em direção a torre, ambos fazendo uma reverência para Elfaren, e Eldara aproveitou para apertar as bochechas de Gael, dizendo um meigo te vejo a noite meu livrinho. O que fez com que Alvaeh revirasse os olhos.
— Ela é uma pessoa bem animada. — concluiu Gael, vendo a mulher sumir dentro da torre.
— Se fosse você tomaria cuidado com ela. — disse a drow como um aviso. — Acho que os milênios em que ela viveu aqui fritaram a cabeça dela.
— Pare com isso Alvaeh, Eldara tem suas excentricidades, mas será uma boa professora para você Gael, e como ela mesmo disse quem sabe você não aprende até mesmo outros idiomas, em nosso mundo conhecimento e poder andam de mãos dadas.
— Tsc!
Gael soltou um pequeno sorriso ao ver a drow contrariada, o que chamou a atenção do lich, podia ser algo simples, mas parando para pensar, pelo estado em que a mãe do garoto estava, e pela leitura visual que pode fazer da cabana e estado do menino, coisas bobas como essa deveriam ser raridades na vida dele.
“Lembre-se Elfaren, na maioria das vezes coisas triviais são as que tiram os melhores sorrisos das pessoas, e são esses momentos que muitas vezes se tornam lembranças inesquecíveis.”
As palavras de sua antiga companheira de grupo vieram em sua mente, agora foi a vez do mesmo soltar uma gargalhada sincera em nostalgia. O que chamou a atenção dos dois a sua frente. Se recompondo decidiu continuar com as explicações.
— A magia é a essência que permeia o tecido de todo o universo. É a força que segura a existência dos planos, o que nos permite moldar e manipular tudo que pudermos. — a voz do mesmo tornou-se profunda e enigmática.
Gael olhou para Elfaren com uma mistura de curiosidade e ansiedade. Antes de prosseguir o lich tirou um cristal de dentro de seu manto, e o entregou para o menino que o segurou com as duas mãos.
— Sinta a energia dentro dele, isso é a magia bruta, o que chamamos de energia arcana, este cristal funciona como um foco arcano. Para um mago, um foco arcano é essencial para canalizar essa energia bruta e moldá-la em nossas magias.
Pouco a pouco Gael sentia da pedra como se uma tempestade estivesse dentro dela e que esse poder poderia ser liberado a qualquer instante.
— As magias são as formas através das quais manipulamos essa energia. Cada magia tem componentes específicos: verbais, somáticos e materiais. As palavras de poder, os gestos precisos e os componentes físicos ou um foco, como este cristal, são todos necessários para conjurar uma magia de sucesso.
O lich fez uma pausa, levantando a mão e recitando algumas palavras de um idioma a muito esquecido. Imediatamente, uma pequena chama dançou em seus dedos, deixando o menino fascinado.
— Observe. — instruiu Elfaren. — Essa é uma simples magia de chama. Note as palavras que usei e o gesto que fiz. Essas são partes essenciais do conjuramento.
Elfaren apagou as chama apenas fechando a mão.
— Existem diferentes tipos de magias. As escolas de magia dividem-se em várias disciplinas: Abjuração, Conjuração, Adivinhação, Encantamento, Evocação, Ilusão, Necromancia e Transmutação. Cada uma tem suas particularidades e aplicação.
Novamente fez uma pausa, observando se o menino estava ou não acompanhando sua explicação. Gael se demonstrou estar bem atento e focado nas palavras ditas por ele.
— A magia de Abjuração é defensiva, protegendo o conjurador e os outros de ferimentos. A Adivinhação permite vislumbrar o futuro e obter conhecimentos ocultos. A Conjuração invoca criaturas e objetos de outros planos de existência. Encantamento envolve o controle e a manipulação das mentes e vontades. Evocação lida com a criação e manipulação de energias elementais. Ilusão engana os sentidos e cria falsas realidades. Necromancia, minha especialidade, lida com a morte e a vida, reanimando os mortos e manipulando a força vital, um exemplo são os esqueletos da torre e o próprio Sirion. E por último, Transmutação transforma a matéria e as formas de maneira fundamental.
Gael sentiu um arrepio ao se lembrar de quando acordou e viu os esqueletos em seu quarto. Sem contar que isso o fez lembrar da noite passada e do que ocorreu com sua mãe.
— Não precisa ficar ressentido, Gael. A magia em si não é boa e nem má; é a intenção de quem utiliza que define seu propósito. E você tem um potencial que não deve ser ignorado.
Alvaeh que até então estava em silencio deu um passo à frente.
— Gael, você precisa entender que a magia é uma ferramenta poderosa. O mestre pode ensinar-lhe como controlá-la e usá-la para proteger a si mesmo e outros. Mas, para isso, você deve estar disposto a aprender e estar disposto a aceitar o que ela representa.
Gael olhou para Alvaeh, notando a firmeza em seus olhos. Ele ainda estava confuso e cheio de dúvidas, mas também sentia uma faísca de curiosidade e determinação. Se ele pudesse controlar a magia, talvez pudesse encontrar uma maneira de honrar a memória de sua mãe e garantir que ninguém mais próximo a si sofresse.
Elfaren estendeu a mão e, com um movimento suave, fez que um pequeno orbe de luz surgisse.
— Esta é uma simples magia de Luz, da escola da Evocação. Com ela, você pode iluminar os lugares mais escuros. Tente sentir a energia ao seu redor, concentre-se e visualize o orbe em sua mente.
Gael fechou os olhos, tentando se concentrar. Ele sentiu uma leve pulsação de energia ao seu redor, como se o próprio ar estivesse vivo. Com esforço, ele estendeu a mão, imitando o gesto de seu mestre. Para sua surpresa, uma pequena esfera de luz menor que um fruto de jaboticaba se formou brilhando uma fraca luz na pinta de seu dedo, desaparecendo em seguida, mostrando que não era algo tão simples como o lich fazia parecer.
— Não desanime, para uma primeira tentativa foi muito bem! — exclamou Elfaren, com um tom de voz encorajador. — Você tem o dom. Com prática e disciplina, você poderá dominar magia bem mais poderosas.
Enquanto a manhã avançava, Elfaren e continuava a explicar fundamentos básicos e meios de manter a magia Luz por mais tempo ativa. E volte e meia mostrava algum outro truque para entusiasmar o menino. Gael estava bem empenhado e foco, era visível que o menino levava jeito para conjurador, o que fazia o lich questionar alguns pontos obscuros sobre o passado do menino. Era natural nascer uma criança com dom para magia em uma família de pessoas sem dom, mas no caso a sua frente era um dom nato, quase como se o garoto fosse de uma família de mago a gerações. Mas julgando pelas memorias que observou da alma da mãe do menino e pelo lugar onde moravam era pouco provável ele ter herdado o dom por parte de sua mãe, agora o pai misterioso, supostamente morto era realmente um ponto a ser estudado em um outro momento.
E assim, sob a orientação de Elfaren e Alvaeh, o menino começava sua jornada, dando os primeiros passos em direção a um futuro incerto, porém com muitos acontecimentos extraordinários…
Continua…