A Criança do Lich - Capítulo 1
A lua cheia iluminava com sua luz prateada a clareira no coração da floresta, transformando-a em um lugar de beleza sobrenatural. Os raios da lua refletiam nas poças de água, criando um mosaico de brilho e sombra. Era uma visão que teria deslumbrado qualquer alma, mas para ele, o visitante da noite, era apenas uma breve pausa para contemplação.
Sob o capuz que escondia suas feições, seus olhos mortos observavam a paisagem com uma frieza imperturbável. Anos de existência não tinha enfraquecido sua capacidade de se maravilhar com a natureza, mas a muito tempo havia deixado de sentir o calor reconfortante da luz da lua.
Seu olhar desviou-se do espetáculo natural e focou no horizonte, onde a densa floresta voltava a tomar forma. Ali, á margem da clareira, erguia-se uma cabana humilde e em ruínas. A fraca luz alaranjada que escapava pelas frestas das tábuas revelava a presença de que alguma família habitava aquele lugar solitário. Um sorriso sutil, tão raro em seu rosto esquelético, se formou sob o capuz. A cabana podia conter o que ele tanto buscava.
Com passos silenciosos e deliberados, ele se aproximou da entrada. Seus sentidos estavam aguçados, absorvendo cada som, cheiro e sensação do ambiente. Ele queria saber tudo sobre seus moradores antes de revelar sua presença.
Ao se aproximar o suficiente, ele examinou a cabana com mais detalhes. Era uma construção simples, com apenas um cômodo. Funcionava como quarto e cozinha, com uma cama de palha seca no canto, coberta por uma pele de lobo surrada. Uma prateleira quebrada se apoiava contra a parede, ao lado de uma cômoda de pernas quebradas, com uma garrafa de barro empoleirada precariamente. No centro do cômodo, havia uma cadeira solitária, aparentemente intacta, com duas velas sobre um prato como única fonte de iluminação.
Ele estava tão absorto a análise minuciosa da cabana que mal percebeu a pequena criatura humanoide que o observava com os olhos arregalados. O garotinho, com um pedaço de madeira trêmulo nas mãos, estava visivelmente assustado, mas mantinha-se em posição de defesa.
Foi apenas quando o garotinho falou, com sua voz trêmula e gaguejante, que ele desviou sua atenção do interior da cabana.
— Quem é você? — perguntou, erguendo-se diante a cama.
Ignorando o garoto por um momento, o visitante voltou sua atenção para a cama onde jazia uma mulher desacordada. Seu estado, no entanto, era muito mais do que apenas um sono profundo. Ela estava pálida, visivelmente doente e fraca. Os batimentos cardíacos que ele podia ouvir com seu ouvido treinado indicavam que seus dias estavam contados. Era a candidata perfeita para se torna o sacrifício que buscava. E, considerando o estado precário da cabana, talvez o único que fosse sentir a falta dela fosse o garotinho.
O visitante, agora com a certeza de que encontrara o que procurava, soltou um suspiro silencioso.
O garotinho, no entanto, não estava disposto a ser ignorado. Seu medo estava competindo com sua coragem e determinação. Enquanto tremia como uma folha ao vento, ele gaguejou novamente.
— Quem é você?
Com um movimento lento, o visitante finalmente direcionou seu olhar a criança. Seu rosto esquelético com poucos resquícios de pele e carne permaneceu oculto sob o capuz, mas seus olhos eram duas luzes verdes brilhantes. Ele se aproximou do garoto, ergueu sua mão esquelética em um gesto quase amigável.
O toque do visitante foi inesperadamente suave, como uma carícia, fazendo o garotinho se encolher. Ele estava prestes a se afastar quando foi segurado pela cabeça, erguido como se fosse uma coisa leve e insignificante.
O garoto não pode deixar de olhar para os olhos do visitante, duas lanternas verdes brilhantes em um crânio coberto por pouca carne e pele. Ele gritou, um grito de terror, e o visitante riu, um som que ecoou sinistramente pela cabana.
O menino foi soltou bruscamente, caindo no chão de terra batida. Ele permaneceu lá, paralisado, os olhos arregalados, observando enquanto o visitante revirava seu manto negro, como se estivesse à procura de algo.
Procurando em seus bolsos até encontrar o que precisava: um anel adornado com uma pedra de rubi no centro. Um sorriso se formou sob o capuz sombrio. Era o prêmio que viera buscar.
Ele deslizou o anel em seu dedo anelar direito e, em seguida, aplicou um chute com pouca força no garotinho, que cuspiu um pouco de sangue e caiu de bruços.
— Peço desculpas pela minha rudeza. — disse o visitante, como se sua gentileza inesperada fosse uma exceção à regra. — Realmente não é de minha natureza utilizar violência para cumprir um objetivo tão simples.
As lágrimas escorriam dos olhos do garotinho, não devido a dor do chute, mas pelo medo de perder sua mãe e pelo entendimento do quão imponente ele era contra o invasor.
O visitante, por um momento, desviou o olhar para o corpo frágil da mãe do garoto, que jazia imóvel sobre a cama. Ela parecia à beira da morte, consumida por uma doença que estava fazendo com que seu coração enfraquecesse a cada batida. Sem dúvidas a melhor candidata que poderia ter encontrado.
Voltou sua atenção para o garoto, que agora estava tentando se levantar, apesar de sua frágil condição. Determinado a proteger sua mãe, ele avançou, desferindo chutes e socos no visitante.
No entanto, os golpes do menino eram ineficazes, não causavam dano ao visitante, apenas machucavam ele mesmo. O invasor decidiu que era hora de concluir seu objetivo.
Novamente o visitante tomou o garoto desta vez pelo pescoço e o ergueu até a altura de seus olhos novamente. O garotinho lutava para se libertar, mas era impotente nas mãos do invasor. Desta vez os verdes olhos do visitante estavam mais intensos e brilhantes, revelando que ele começara a acumular sua magia.
— Você faz bem em querer proteger sua mãe. — sua voz ecoando na mente do garoto. — Mas ela já está praticamente morta, o que torna seu esforço inútil.
Liberou o garoto que caiu novamente no chão, ofegante e assustado. As lagrimas que tinha contido para se levantar a primeira vez, agora voltaram a escorrer por seus olhos, porém agora não de dor física e sim de desespero.
O visitante voltou sua atenção para a mulher moribunda na cama. Ele começou a murmurar palavras em uma língua antiga e sombria, enquanto o anel de rubi em seu dedo começou a brilhar intensamente. A luz que emanava de seus olhos também se intensificou.
A mulher mesmo que inconscientemente, estendeu seu braço em direção ao visitante, agarrando-o fracamente. Seus olhos semicerrados revelavam uma expressão de alívio, como se soubesse o que estava prestes a acontecer.
— Por Favor! — sussurrou ela com suas últimas forças. — Eu sei o que você é e o por que esta aqui. Entrego minha alma ao senhor de bom grado. Mas por favor cuide de meu filho. Este é meu único pedido.
O visitante soltou uma risada, uma risada que ecoou por toda a cabana e aos seus redores com um eco maligno que cortava a noite. A proposta da mulher era interessante, a mais interessante que já ouvira.
— Isso é insano. — murmurou o visitante para si mesmo. — Uma alma que aceita ser sacrificada de bom grado para prolongar minha existência é muito mais interessante do que simplesmente roubá-la.
O garotinho que olhava a tudo enquanto chorava tentou se levantar e contrariar o que sua mãe dizia, contudo, o visitante apenas estralou seus dedos e o fez cair desacordado no chão, em seguida, um portal magico abriu no chão sugando o pequeno corpo do menino e se fechou.
O visitante olhou com curiosidade para o lugar onde a criança estava e, em seguida, olhou para Bryana, sim este era seu nome, agora que sua magia estava agindo sobre o corpo da mulher e pode ler todos os pensamentos dela e ver com um espectador todas suas lembranças com o filho antes e após ter contraído a doença que estava matando-a.
— Eu aceito sua proposta. — Cuidarei de seu filho como se fosse meu próprio descendente. E mais, o tornarei meu discípulo. Quero testemunhar de perto o crescimento daquele que estava disposto a me enfrentar e se sacrificar para salvar sua mãe e no fim perceber que quem o salvo, foi quem ele lutou para salvar.
Uma aura avermelhada envolveu Bryana completamente, fazendo-a flutuar no ar. E lentamente a alma da mulher fora arrancada de seu corpo e absorvida pelo rubi no anel do visitante.
— Farei com que ele se lembre de você Bryana. — murmurou, vendo os últimos resquícios da alma da mulher ser absorvido. — Gael será excepcional. Quem sabe ele possa até mesmo se sacrificar novamente por algo que ama. Essa sensação é mais excitante do que poderia imaginar.
Com um gesto de sua mão esquelética, o visitante abriu outro portal, só que desta vez como se estivesse rasgando o tecido do espaço tempo. Ele deu uma última olhada para a cabana e esticou a mão para entrar no portal, enquanto o corpo sem vida de Bryana caiu no chão do lugar, mostrando que o feitiço tinha sido concluído.
— Queime. — ordenou ele.
Vários focos de chamas começaram a se espalhar por toda a cabana, consumindo tudo em seu caminho. O visitante passou pelo portal e este se fechou, abandonando apenas as cinzas e fumaça que se erguiam em direção aos céus estrelados de uma noite que seria lembrada por séculos.
Assim começa a lenda “A Criança do Lich”.