A Companhia Mercenária do Sul - Capítulo 13
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- Capítulo 13 - “Invadindo as terras da cobiça e da fraude”
Em uma sala, cinco homens estavam sentados em uma mesa de madeira envernizada. Quatro deles vestiam uniforme azul com ornamentos e dragonas douradas, mostrando sua alta patente no Exército Republicano.
Atrás deles estava o estandarte revolucionário. A bandeira vermelha, estampada com uma rosa amarela de cinco pétalas, cobria o mapa de Leifas na parede anterior à cadeira da cabeceira, cativa graças à ausência de Juno.
Com seu dólmã verde, o único vestido de maneira distinta era o hussardo Pulerki, guarda-costas e ajudante de ordens do generalíssimo. Estava sentado à esquerda da cabeceira, escondendo sua impaciência para controlar a dos outros presentes.
Era sua responsabilidade acalmar os generais na ausência do marechal. Alguns eram particularmente mais fáceis de lidar, como Favrilo e o jovem major-general Danilki, porém haviam aqueles que Pulerki sabia que eram mais difíceis. Batendo o dedo contra a mesa, um general de cabeça pelada fazia questão que os homens em sua volta notassem sua insatisfação.
— O marechal não vai chegar nunca?
— Ele virá em breve, general Madro. O marechal Gratzy teve um contratempo com os outros dois cônsules e precisa tratar do assunto com prioridade.
Desinteressado pela explicação, o general desviou a vista para a janela, ainda martelando o indicador contra a mesa.
— Algum motivo especial para a reunião, Pulerki? — perguntou o jovem Danilki. Tinha cabelos castanhos encaracolados e a face de alguém que mal saíra do maternal. Quase a antítese de Madro.
— Ele prefere que o assunto fique em sigilo até sua chegada — Pulerki respondeu. Ele fitou o general Kurco, o único além do hussardo loiro que conhecia o assunto.
O general de cavalaria olhou para a janela. Estava desinteressado em falar algo, temendo que Juno reagisse de maneira similar à do outro dia.
A porta da sala se abriu, revelando o corredor de piso em mármore e uma dupla de soldados. Eles empurraram as portas por onde entraram Juno e Rovibar, os dois lado a lado. Ambos caminharam até a extremidade da mesa, com o marechal tomando a cabeceira e o outro sentando à sua direita.
— Peço perdão pela demora, cavalheiros — falou enquanto se ajeitava. — Lodrovi e Tiso me tomaram mais tempo do que eu desejava.
Todos assentiram, incluindo os mais impacientes. À esquerda, Pulerki lhe estendeu uma pasta preta. Juno a abriu e se pôs a ler os papéis.
— Como todos sabem, passamos o último mês sem ofensivas consideráveis. A tomada de Jorodar foi uma vitória de valor puramente tático. Além disso, os ataques alvirrubros na linha de contato também não podem ser considerados uma ofensiva propriamente dita. Falaremos hoje sobre nosso próximo passo. — Ele entregou a pasta para seu ajudante, fazendo um sinal para que iniciasse.
Pulerki se levantou da cadeira e caminhou para a lateral da mesa, estacionando entre Favrilo e Danilki com uma vareta em mãos. Havia um mapa de Leifas similar ao que decorava a parede no centro da mesa. Era mais rústico que sua contraparte, contendo informações como estradas, hidrografia e relevo, além de marcações do complexo defensivo do país. Várias peças de madeira — vermelhas, azuis e brancas — estavam sobre a carta, representando as três forças beligerantes.
— Desde a derrota monarquista na batalha de Carasovralo, o inimigo tem se mostrado tímido. Os alvirrubros distribuem seus ataques em múltiplas áreas na linha de frente, o que indica testes na nossa linha de defesa. O generalíssimo acredita que isso é um blefe. O inimigo faz isso para tentar fixar nossas tropas, ameaçando um ataque inexistente para retardar uma ofensiva.
— Qual foi a força máxima que o inimigo usou para esses ataques? — perguntou o jovem Danilki.
— Nunca mais que um regimento ou um esquadrão de cavalaria.
— Faz sentido.
— Então planejas atacar ao leste? — Madro perguntou. — Os monarquistas estão enfraquecidos, mas as cidades no oriente são grandes o bastante para dar trabalho. Levaria dias para tomar uma cidade como Gurvralo.
— Não é esse o meu plano, general — respondeu Juno. — Com o indicativo de fraqueza da princesa, temos a oportunidade perfeita para atacar o nosso outro inimigo. Marcharemos ao sul, contra o príncipe Garuín.
O grupo de generais entortou o olhar para o comandante-em-chefe republicano. O novo plano soava mais absurdo que a suposição de Madro.
— Senhor — o terceiro general, Favrilo, se introduziu —, não acha que isso seria pior? A força garuísta não passa de retalhos, estaríamos gastando homens em um esforço evitável.
— Falas como se não tivéssemos motivo para o ataque, general. — Juno se levantou. Ele caminhou pelo mesmo lado que Pulerki, pondo-se ao lado do hussardo. Tomou a vareta do homem e apontou para um forte no centro do mapa. — Temos 12.000 homens presos na cidade fortaleza de Bulirka, o que pode nos dar uma vantagem contra a princesa Nasti.
— O marechal Saravi está preso há dois meses e não temos notícias de Bulirka, não acha que…
— Favrilo. — Juno ordenou o general ao silêncio com o olhar. — A única notícia possível de uma fortaleza sitiada é a de sua queda. Se não temos notícias, é porque Saravi resiste.
— Está ignorando um problema óbvio, marechal — uma voz jovem falou.
Juno ergueu o olhar para o homem que o questionou. “Lógico que seria você.” — O que insinuas, Kurco?
O marechal já esperava a resistência do comandante cavaleiro. Na verdade, estava surpreso pelo silêncio do subordinado e amigo até aquele instante.
— As baixas. Se perdermos muitos homens ao recapturar Bulirka, poderemos fazer todo esse esforço não valer nada.
— Não vejo como Garuín, uma criança, poderia causar problemas para nossas forças.
— Creio que Vossa Excelência não está ciente da ajuda que os garuístas receberam. — Favrilo cortou o marechal.
— O que está tentando dizer com “ajuda”, general?
— O czar Poluvín, senhor. As últimas notícias do Tarra são de que o outro filho de Grozyr está recebendo tropas gilinesas em suas fileiras.
— Tropas gilinesas? — A voz do marechal se ergueu incrédula. — Isso é um ato de uma guerra declarada!
— Poluvín é uma serpente, senhor. Ele quase tomou o poder de Leifas com o seu plano ardiloso, é natural que ele ainda tente nos sabotar.
— Não temos como enfrentar os odavitas com menos da metade do país — Danilki disse com o rosto melancólico. — Se atacarmos o sul, podemos provocar uma intervenção direta de Gilina.
— Fora de questão. — Juno ressoou com uma voz rígida. — Me surpreende que você, Danilki, de todos aqui, esteja desistindo com tanta facilidade.
O jovem general curvou a cabeça para esconder sua face da vergonha. Era de conhecimento de todos que sua irmã, a brigadeiro-general Olga Danilkaya, estava em Bulirka.
— Os últimos relatórios indicam que as forças garuístas possuíam cerca de 14.000 soldados. Alguma informação do número de reforços dos odavitas, Favrilo?
— Não, senhor.
— Se não foi feito alarde pelo número de tropas, é porque não devem ter sido em grande número. Podemos dar conta de um exército com cinco ou seis mil a mais.
— Ainda não resolve o problema da possível intervenção gilinesa — Kurco disse em um tom que desagradou Juno.
— Está enganado, general. A intervenção odavita não pode ser mais difícil do que é. Poluvín não vai querer despertar a ira da Cistarra.
— A Cistarra? — perguntaram os generais.
— Pelo que o Conselho me disse, Lanadote está aliado a Nasti e deseja intervir, mas, como isso significaria cruzar o rio Tarra, é possível que isso corte os suprimentos das tais tropas do czar. Se o rei de Gilina quiser intervir, é quase certo que iniciaria uma guerra contra a Cistarra, que cortaria seus homens ao conseguir supremacia naval no rio.
— Lanadote também não vai quer arriscar pôr a Cistarra em guerra contra Gilina — Pulerki completou —, muito mais por prudência do que por medo.
— Estão como dois cachorros de rua, latindo um para o outro, sem atacar — o general Madro disse com um sorriso de satisfação.
— Exato. Não haverá interferência estrangeira. Daremos prosseguimento ao plano de quebrar o sítio em Bulirka e libertar Saravi. Marcharemos com três corpos de exército: o I, o III, o V e o de cavalaria, sob o comando de Madro, Danilki, Favrilo e Kurco, respectivamente. O II Corpo ficará aos cuidados do general Rovibar durante a minha ausência.
— O senhor vai em campanha? — Danilki mostrou-se surpreso. — Pensei que ordenaria alguém.
— Sou o comandante-em-chefe, não vejo como isso seria antiquado.
— A situação na capital não é boa senhor. — Favrilo apelou outra vez. Para Juno, parecia que o general de cabelo longo e Kurco haviam combinado de questioná-lo. — Um grupo de agitadores foi preso recentemente e a investigação constatou o envolvimento da deputada Bisa. É possível que um golpe de estado aconteça se Vossa Excelência se ausentar.
— Por isso escolhi Rovibar para a função de manter a ordem. Muitos de vocês são excelentes taticistas e bravos guerreiros, mas temo que preciso de alguém com um toque de capacidade política. Não desejo ofendê-los, porém acredito que o general Rovibar é o homem mais adequado para a função.
— Bem, não vejo problemas para prosseguir com a campanha. — Madro fez questão de se mostrar apoiador da operação. O velho general era famoso por ser ofensivo. — Marcharemos ao sul e esmagaremos o traidor do Levefder.
— Também apoio o avanço. — Ainda envergonhado, Danilki tentou se redimir.
— Rovibar? — Juno perguntou.
Do outro lado da mesa, o comandante grisalho assentiu com a cabeça, fazendo que a maioria dos generais apoiassem a nova campanha.
O marechal olhou para os outros dois comandantes. Favrilo estava relutante, mas acabou concordando após ver que Kurco manteve o silêncio, isentando-se.
A reunião durou outra meia hora, tratando de detalhes para a campanha: quem deveria tomar a dianteira ou a retaguarda, pontos de separação de tropas, questões logísticas e o tratamento de civis no caminho para a fortaleza.
Os generais foram dispensados por Juno após os acertos. Um por vez, os homens de uniforme azul se retiraram da sala, restando apenas um na mesa. Kurco.
O comandante republicano esperou a partida de seu guarda-costas para tratar do seu subordinado. Mesmo sem se opor na reunião de maneira aberta, Juno sabia que ele ainda resistia.
— Esperando alguém, general?
O militar da cavalaria manteve-se calado. Pensou que, se agisse diferente, o marechal também mudaria a atitude.
Estava correto. Juno aceitou que Kurco ficaria calado e tomou uma cadeira à direita do mesmo. O marechal mostrava-se rígido, enquanto seu subordinado parecia mais relaxado na cadeira, sem se importar com sua postura.
— Preocupado com a campanha?
O general assentiu, mesmo que seu olhar estivesse contemplando a bandeira atrás da cabeceira.
— Não há motivo para alarde, Survin. O risco é calculado. Temos múltiplos regimentos de recrutas prontos para serem postos em brigadas e novos corpos se houver a necessidade de defender Carasovralo, isso sem contar da rede de fortalezas que temos nesta parte do país. Ficar próximo da fronteira possui essas vantagens.
Em um gesto de conciliador, Juno se levantou e pôs a canhota sobre o ombro direito do general. Kurco o fitou enquanto via o tímido sorriso do amigo, mas manteve-se sério. Ele acenou com a cabeça em confirmação, mais para encerrar o assunto do que por concordar.
Juno chacoalhou o ombro de Survin e deu meia volta, satisfeito com o que conseguiu. Caminhou até a porta em passos calmos.
— Essa guerra não é só sua, marechal.
O comandante interrompeu a caminhada. Ele inspirou para uma resposta, mas, ao contrário do que fazia em batalha, optou por desistir. Recusou-se a olhar para trás e, na mesma passada mansa, seguiu o caminho para o corredor.