3552 Sem Memórias - Capítulo 3
A horda de cranyus se distanciava, em perseguição à figura misteriosa que havia surgido. Ao meu redor, os corpos dos soldados se misturavam aos corpos dos cranyus. A batalha havia chegado ao seu fim.
A planície se estendia diante de mim, tingida do sangue branco que contrastava com o solo marrom seco. Drake tinha apenas um pensamento: evacuar com os sobreviventes.
Fui empurrado para um dos jipes e partimos em alta velocidade em direção à fortaleza, o local mais seguro naquele momento. Embora eu tenha sofrido apenas alguns arranhões, meu psicológico estava abalado.
Os rostos dos mortos continuavam a passar pela minha mente. Ver um cranyus aranha morrer era uma coisa, mas ver um humano perder a vida me afetava de maneira muito mais profunda. O pensamento de que poderia ser eu naquela situação era perturbador e me deixava angustiado.
Não demorou muito para chegarmos, e se a horda tivesse atrasado quinze minutos, todo comboio teria sido salvo. Aquele local era surpreendente, não parecia em nada com uma fortificação tradicional, mas sim com uma imensa cúpula transparente que se estendia até o céu. A entrada era um enorme portão de ferro, que era o que mais chamava a atenção ao redor da cúpula. Um desavisado iria achar que era apenas um portão solitário no meio do nada.
Após chegamos, muitos soldados saíram dos carros e se jogaram no chão em agradecimento por terem sobrevivido. Era um momento de alívio, mas também de luto pelas vidas perdidas. Os guardas do portão já nos esperavam e não demorou muito para que abrissem a passagem. Agora sim eu sentia a civilização humana, um senso de segurança que há muito tempo não presenciava.
Nós estávamos em uma rodovia pavimentada que se estendia até onde a vista alcançava, com plantações de trigo ao seu redor. Durante o trajeto, cruzamos com um comboio muito maior que o nosso, que seguia em direção ao local da batalha para coletar as carcaças dos cranyus. Para eles, tudo aquilo era mercadoria e nada poderia ser desperdiçado.
O 4° quartel general da 1° fortaleza, um imenso complexo de prédios, foi nessa base militar que o comboio parou. Desci do carro um pouco tonto pelo que acontecia ao nosso redor, os feridos eram atendidos em uma verdadeira operação de guerra.
Mal coloquei os meus pés no chão fui abordado por uma dezena de soldados que apontaram suas armas para mim.
— Como medida de segurança para a base, você está preso! — anunciou um deles.
Como? Preso? Por qual motivo? Eu estava mais curioso do que verdadeiramente com medo.
— Por que estou sendo preso? O que eu fiz? — perguntei, ao tentar entender a situação.
— Você é um desconhecido que apareceu do nada. Não sabemos quem é ou de onde veio. Precisamos investigar antes de permitir que fique aqui. — explicou outro soldado.
Eu fiquei atordoado com aquela informação. Realmente, eu não sabia quem eu era ou de onde vinha, mas não imaginava que isso seria motivo para ser preso. Tentei explicar minha situação, mas eles não me ouviam.
Apesar de não concordar, obedeci de forma relutante. Fui levado para um local bem diferente do que eu havia imaginado. Era um quarto com paredes brancas e um grande espelho em uma delas, a única mobília era uma cama e nada mais.
Me sentei na cama e uma voz ecoou pelo cômodo, era Drake.
— Boa tarde, os procedimentos de contato com forasteiros são claros. Em situações normais, você estaria em outro setor com as outras crianças, mas esta é uma situação atípica.
— Onde estou? E onde você está?
— Atrás do vidro, em uma sala segura. Você está no setor de quarentena até determinarmos que não está infectado.
— Explique melhor — A confusão anterior já havia me deixado perturbado e agora havia mais essa questão para me preocupar.
— Cranyus parasitas, algumas espécies de cranyus, em particular o tipo escorpião, ao atacar suas vítimas colocam um parasita que entra no seu corpo e se aloja em seu cérebro.
Apenas minha imaginação me deixou enojado. Um parasita no meu cérebro? Parecia ser algo extremamente repugnante.
— O que acontece depois? — perguntei.
— Em uma semana, o parasita sai do crânio do seu hospedeiro, matando-o e se tornando um novo cranyus pronto para caçar mais vítimas. Essa é a principal forma de procriação dos cranyus de pequeno porte. Existe uma cirurgia… — Drake não terminou o raciocínio, um grande tremor atingiu a base, eu senti o chão balançar e as luzes piscarem.
Isso não parecia estar correto, será que a horda havia conseguido atravessar a cúpula e invadir as fortalezas? Se isso tivesse ocorrido, eu não podia fazer nada, estava preso naquele quarto no setor de quarentena, a porta era eletrônica e não podia ser aberta por dentro. Mais uma coisa para me preocupar, como se já não bastasse minha amnésia e os meus dois encontros com os cranyus no mesmo dia. Eu era tão azarado assim?
Esperei, mas nada acontecia, Drake não voltou a falar e a minha ansiedade aumentava. Então novamente senti a vibração na terra, mas agora estava mais perto, muito mais perto para falar a verdade.
— Fique longe da porta — gritou alguém do outro lado.
Não tive tempo de me mover, e a porta voou até a outra parede, tamanha a força do impacto. Do outro lado de fora, o mesmo homem que havia lutado momentos antes contra a horda de cranyus.
— Finalmente consegui encontrar você, prazer, meu codinome é Mi — disse ele.
Suas vestes eram as mesmas, o uniforme preto característico com a capa decorada com um símbolo identificável para mim, claramente uma letra, todavia eu não podia identificar de qual alfabeto pertencia. Seu rosto estava oculto por uma máscara da mesma tonalidade da sua roupa, o que me permitia ver apenas os seus olhos castanhos escuros.
Eu estava muito atônito para responder qualquer coisa, pelas palavras dele eu podia deduzir que ele era um amigo, e que era a primeira vez que ele me encontrava. Ele estava ciente da minha amnésia? E, caso não estivesse, ainda assim estaria disposto a me ajudar?
Saí para o lado de fora, apenas para ver corpos e sangue espalhados por todo o corredor. Era uma cena de guerra pior do que o encontro que tive com a horda. Aquilo claramente não foi ato de um cranyus.
— Você fez isso? — questionei.
— Não, quando cheguei aqui o exército de extermínio já estava lutando contra a Caveira.
Juntei as peças do quebra-cabeça, aquele homem que se denominava Mi estava aqui para me salvar, isso confirmava minha teoria de que ele era amigável, porém suas reais intenções ainda estavam ocultas.
— Se você dá valor a sua vida, me siga — ordenou-me ele.
— Isso é uma ameaça? — falei ao acelerar o passo e começar a segui-lo.
— O fogo cruzado entre a Caveira e o exército de extermínio não é um bom lugar para ficar.
— Fogo cruzado? Qual é o objetivo da batalha?
— Uma tentativa de roubo, a Caveira está tentando roubar compostos adrenalix do governo. Drake pode ter falado mil maravilhas sobre este governo, mas a verdade é muito mais cinza do que você imagina.
— Quem seria a Caveira?
— Uma organização militar que mais se assemelha a um grupo rebelde que tenta se levantar contra a União.
— E quem somos nós? Quem sou eu?
— Sinto muito, mas eu não conheço você, este é o nosso primeiro contato. Não se preocupe, o seu irmão falou muito bem de você, suas habilidades adrenalix são invejáveis e poderosas.
Eu tinha um irmão? Isso mudava muito a minha maneira de enxergar o mundo. Pouco a pouco, eu ia conseguir decifrar o meu passado.
— E onde o meu irmão está agora?
Mi não pôde responder minha pergunta, em nosso caminho para sair do setor de quarentena havia um par de soldados. Eles não vestiam uniformes do exército de extermínio, presumi então a identidade deles, membros da caveira.
A intenção deles não era clara, eles iriam permitir a nossa passagem? Ou iriam se opor e lutar? Caso houvesse uma luta, Mi teria que derrotá-los sozinho, eu era um completo inútil quando se tratava do quesito luta.
Mi retirou sua espada da bainha e caminhou calmamente até os dois soldados. Era óbvio que ele era capaz de derrubar os dois, dada a sua confiança visível.
— Por favor, nós queremos passar — Mi pediu de forma educada, até nessas situações ele era um cavalheiro.
— Temos ordens de não deixar ninguém sair da quarentena — respondeu um dos guardas.
— Nesse caso… — Mi desapareceu da nossa vista em um piscar de olhos.
— É uma habilidade Adrenalix! Atire! — gritou o companheiro dele.
Os dois começaram a disparar suas armas para todo o lugar, criando buracos nas paredes e no teto.. Não hesitei ao me jogar no chão, para evitar ser atingido pelas balas.
— Foi uma boa tentativa devo admitir — A voz de Mi ecoou pelo cômodo, eu não o via em nenhum lugar e os soldados também não.
Como mágica, Mi se revelou, ele atacou os dois com a sua lâmina, o nosso caminho estava livre agora. Fiquei estupefato com o que havia acabado de acontecer.
— Como você fez isso? — Eu estava cada vez mais curioso, aquele homem escondia mais do que imaginava.
— Habilidade adrenalix, deixamos um frasco dentro da sua mochila para caso de emergência — Mi respondeu enquanto retirava os corpos e abria a porta para sairmos do setor.
Agora as peças se encaixavam, o frasco que Roberson encontrou e achou suspeito, era nada mais do que essa tal Adrenalix. Um composto refinado que só era encontrado dentro das fortalezas, segundo as palavras dele.
— Poderia me explicar melhor? — continuei a questioná-lo.
— Uma droga produzida a partir do sangue de cranyus, cada corpo se comporta de maneira diferente com ela.
— No seu caso, ela provoca a invisibilidade?
— Sim e não, o nome da minha habilidade é Camouflage, ela não me torna invisível, apenas permite que eu mude a pigmentação da minha pele para desaparecer no ambiente.
— Esse seu uniforme não vai atrapalhar você? Pois eu não estou vendo sua pele… Espere, isso significa que…
— Não, esse é um uniforme especial feito com pele de cranyus, é uma extensão do meu corpo, ele adquire as habilidades do usuário.
— O seu uniforme então consegue aplicar sua habilidade Camouflage?
— Correto, sua memória vai ajudar você a entender este novo mundo aos poucos. Mas agora… Agora é hora de ver o que está acontecendo com os seus próprios olhos…
A porta se abriu e eu vi o caos instaurado. Do lado de fora, as chamas consumiam vários dos outros prédios, de todo o local, o setor de quarentena era o que tinha menos impacto. A batalha entre o exército de extermínio e a caveira era algo brutal, meu primeiro pensamento era onde estava Drake e Roberson, as duas pessoas que me ajudaram inicialmente.
Mas aquilo era apenas o começo, meu dia ainda seria bem pior do que o ataque de uma horda e o eu estar em fogo cruzado durante uma tentativa de rebelião…