33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 52
O Curandeiro
Lu-Ji caminhou seguindo o guarda a mando de Long-Hua, eles atravessaram o salão e seguiram por um longo corredor, subiram as escadas por quatro andares e novamente adentraram outra longa passagem.
Mesmo que o mensageiro sentisse medo por fazer todo esse percurso sem saber o seu destino exato, ele sabia que se fosse caso para execução, ali no salão, na presença do rei, seria suficiente.
O guarda parou na frente de um quarto e bateu na porta, pedindo licença para entrar. Em seguida uma voz suave veio lá de dentro.
—Entre.
O guarda abriu a porta e indicou para que Lu-Ji entrasse.
Quando o jovem do clã do vento chegou à porta, viu lá dentro uma pessoa de pele clara e cabelo negros, característica do povo do deserto. Seus cabelo longos caiam sobre o rosto e sua postura passava um ar de elegância.
A pessoa estava sentada em uma cama luxuosa, coberta com os melhores tecidos, que normalmente era reservado aos nobres dos outros reinos. No quarto haviam ainda móveis de madeira entalhada e uma estante de ferro esculpido repleta de livros. Mas a falta de janelas fazia o ambiente ter um ar meio sombrio, e ainda assim a pessoa segurava um livro aberto.
Lu-Ji conhecia tudo aquilo e sabia o valor de cada um daqueles itens, afinal sua família arriscava a vida diariamente para transportar tecidos, joias e madeira através do deserto. Para ter tudo aquilo dentro de um único quarto, significava que a pessoa que estava ali era muito rica ou muito importante para o rei.
Entretanto um fato causava confusão a Lu-Ji, ele não conseguia identificar se a pessoa era homem ou mulher, sua pele e cabelo, assim como a postura elegante eram indícios de feminilidade, porém a estatura e certas proporções físicas eram masculinas.
Se fosse um homem era muito bonito, se fosse uma mulher era muito estranha.
—Entre…
A voz macia da pessoa fez como que Lu-Ji desse dois passos e no mesmo instante a porta se fechou atrás dele. O guarda havia permanecido no lado de fora.
—Seu nome… — A pessoa falou.
—Lu-Ji! E o seu?
—Sou Yu-Kan… — A pessoa disse tirando os cabelos de cima dos olhos, revelando duas pérolas negras que pareciam ver além da alma de Lu-Ji.
—Clã escorpião? — O mensageiro deixou escapar.
—Não tema, jovem do vento… Eu sou um curandeiro apenas…
—Um curandeiro? E pela forma de referir a si mesmo no gênero masculino, é homem… — Lu-Ji pensou.
—Vossa majestade me salvou, e a ele eu sirvo com a minha vida… — Yu-Kan continuou — Eu apenas curo, não gosto de matar…
A voz branda de Yu-Kan mantinha Lu-Ji calmo, mesmo que o clã escorpião fosse conhecido por serem os mais brutais em todo o povo do deserto, aquela pessoa que estava na frente do jovem do clã do vento parecia ser mais um anjo como os das lendas.
—Um curandeiro do clã escorpião? Isso é novidade! — Lu-Ji não escondeu a desconfiança.
—E um arqueiro sem mãos, isso também não se vê todo dia… — Yu-Kan sorriu.
Era de conhecimento em todo os clãs que compunham o povo do deserto que os clã do vento treinava todos seus jovens em arquearia, mesmo que eles fossem livres para seguir outras áreas no futuro.
Assim, o clã do vento ficou conhecido como clã dos arqueiros do deserto, e sua força militar era reconhecida por todo o reino do sul e em muitas localidades dos reinos vizinhos.
—Vossa majestade disse que me daria uma segunda chance… — Lu-Ji olhou para os punhos amputados e enfaixados com expressão pesarosa.
—É justamente para isso que ele te mandou aqui… estenda seus braços…
Lu-Ji ficou sem reação com a possibilidade de que aquele curandeiro pudesse regenerar suas mão. Mesmo que fosse uma opção, era muito difícil encontra alguém que conseguia regenerar membros.
A maioria era capaz de recuperar ferimentos leves, profundos e até curar ferimentos em órgãos internos, mas com a capacidade de regenerar partes, Lu-Ji nunca ouvira falar de alguém assim, no máximo em lendas dos tempos passados.
Os braços de Lu-Ji se moveram em direção ao curandeiro, que desatou as bandagens e começou a limpar o ferimento cauterizado. Lu-Ji permanecia com os olhos fechados.
—Nunca vi um ferimento assim em toda a minha vida… — Yu-Kan assustou-se ao ver o ferimento.
—Não foi nenhuma arma ou poder que eu já tinha visto antes, aquilo… É a coisa mais estranha que existe… Pareciam chicotes, mas de fogo…
Yu-Kan parou por poucos segundos como se lembrasse de algo doloroso, em seguida continuou o que estava fazendo.
—É um dos antigos soldados do Deco do Leste…
—Como sabe? Eu não disse nada além do poder!
Lu-Ji abriu os olhos e encarou Yu-Kan, que permanecia olhando para os punhos amputados. O curandeiro parecia concentrado, mas ainda respondeu:
—Ninguém viu seu rosto, mas muitos contam que existia alguém com um poder assim dentre as Pessoas Livres do Leste…
—Se eu tivesse as minhas mãos de volta, faria aqueles desgraçados pagarem mil vezes mais. Faria chover flechas sobre o Leste, faria com que o nome do clã do vento ultrapassasse o continente até as montanhas ao Norte, faria…
—Calma… — A voz macia de Yu-Kan atrapalhou o discurso de ódio de Lu-Ji — Você terá suas mãos de volta… Mas não se foque demais apenas na vingança…
—Como assim? Minhas mãos… — Lu-Ji parecia incrédulo.
Yu-kan levantou os olhos e disse calmamente:
—Eu sou a única pessoa nesse mundo que pode te dar as suas mãos de volta… Mas deverá agradecer à vossa majestade…
—Então você pode mesmo… Eu tinha imaginado, mas não achei… Que seria possível…
Lu-Ji tropeçava nas palavras e mal conseguiu formar uma frase inteira. Ser um aleijado pelo resto de sua vida parecia ser algo inevitável, entretanto ele parecia estar errado.
—Infelizmente… Não é tão fácil… — Yu-Kan parecia cansado — Levará dias até que eu consiga restaurar por completo…
Enquanto o jovem do clã do vento encarava a formação protuberante onde antes havia apenas uma cicatriz cauterizada, o curandeiro se deitou para trás e dormiu. Lu-Ji acho que seria melhor não incomodar e saiu do quarto em silêncio.
No lado de fora o guarda que o trouxera estava lhe esperando.
—Então… Como foi? — Perguntou o guarda.
—Foi ótimo! Em poucos dias serei capaz de cumprir o que prometi à vossa majestade. Eu guiarei meu povo em direção ao Leste e farei com que aquelas planícies sejam cobertas de flechas, cadáveres e sangue dos nossos inimigos!