33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 3
Reencontro
André abriu os olhos e esperou se acostumar com a iluminação do local. Ele estava deitado, mas não conseguia se mexer muito, podia sentir que estava com seus membros presos à cama. Pelo menos essa era muito mais confortável do que os últimos locais onde conseguira dormir.
Aos poucos conseguiu identificar as características do local.
Todo o ambiente era branco e limpo, assim como suas roupas, tudo parecia novo, além de cheirar bem, não era de pedra como o último lugar que lhe serviu de abrigo. Não haviam outros móveis, apenas a cama em que estava preso. O local era um cubículo de poucos metros quadrados.
Em seus pulsos, ele conseguiu ver, haviam cintas de couro afiveladas que o prendiam à cama, ou talvez aquilo não fosse couro. Ele estava em seu mundo original, era de esperar que os materiais fossem diferentes. Haviam tiras semelhantes em seus tornozelos e outra em tamanho maior prendendo seu corpo.
Seja lá quem o colocou ali, estava querendo garantir que André ficaria preso. Ele chegou a cogitar se soltar à força, mas achou melhor evitar um gasto de energia desnecessário.
A porta se abriu e uma voz conhecida veio aos ouvidos de André:
— Já era hora de você conseguir sair daquele inferno…
André fez um esforço e virou a cabeça, mesmo que soubesse quem era, ele precisava confirmar.
— Felipe… É outra alucinação? Não… Não pode ser… Acho que essa é, com certeza, a primeira vez que fico feliz em te ver…
Um rapaz negro, de dreads coloridos e jaqueta amarela estava em pé junto a porta com um sorriso, e ao ouvir André dizer essas palavras olhou para os braços enfaixados do seu velho conhecido que estava preso à cama e baixou a cabeça.
— Então era verdade? Havia mesmo outra forma de atravessar os mundos?
— Hurrum! Você estava certo… — Confirmou André — Mas agora não é hora para isso! Me tire daqui! Você sabe que não há motivos para me prender.
Felipe fez um sinal assertivo com a cabeça e saiu do quarto, voltando segundos depois acompanhado por dois homens altos e fortes que usavam uniformes semelhantes, com padrões em tons de verde e marrom.
— Você tem certeza? — Perguntou um deles — Pelo que eu sei, ele poderia matar todos nós se quisesse.
— Foi o que o senhor disse. — Completou o outro, encarando Felipe.
— Lembrem-se que eu sou o superior da Divisão de Inteligência — Respondeu Felipe — Vocês estão sob minhas ordens, além disso, se ele causar qualquer dano, eu assumo a responsabilidade.
André estava calado até esse momento, mas não pode se conter
— E desde quando você tem algum tipo de responsabilidade? — Ele perguntou ironicamente enquanto os guardas livravam-no das algemas que prendiam seus pulsos, tornozelos, pescoço e cintura.
— Muita coisa mudou nos últimos 4 anos, acho bom você se preparar bem — Respondeu Felipe com tom de deboche — Vai ter muitas surpresas.
Quando finalmente foi liberado de todas aquelas algemas, André sentou-se na cama com certa dificuldade, olhando fixamente para Felipe. Ele queria abraçá-lo e ao mesmo tempo dar um soco na sua cara.
Ficar de pé pareceu uma tortura, suas pernas estavam muito fracas. Ele percebeu que seu corpo estava em um estado definhado, quase sem forças para se manter sentado, quanto mais de pé.
Não que em tempos passados tivesse sido musculoso ou acumulado quantidade de gordura. Mas sua situação naquele momento era preocupante demais para ele.
— Quanto tempo eu passei desacordado? — André encarou Felipe com um olhar acusador.
— Tempo suficiente para seu corpo ficar um pouco travado. — Felipe respondeu seriamente.
— Uma semana?
— Um pouco mais…
— Um mês?
Felipe mostrou um sorriso amarelo como resposta.
— Dois? — André insistiu.
— A gente não precisa falar do tempo exato. — Felipe disse — Você sabe que tempo é relativo…
— Filho da pu… — André avançou em direção a Felipe.
Os dois guardas se colocaram à frente do chefe da Divisão para protege-lo, mas André não teve forças para continuar e caiu.
Se sentando no chão, André encarou Felipe mais uma vez. Havia ódio em sua face, mas também uma certa quantidade de angústia. Talvez fosse pelo que havia passado no tempo em que ficou preso, ou mesmo pela frustração de não conseguir andar direito.
Felipe pareceu entender o que André sentiu naquele momento, sorriu e disse:
— Você chegou nesse mundo em um estado lamentável, precisamos te manter desacordado para garantir a sua recuperação.
— Ainda não sinto meus braços completamente… — André comentou.
— É uma sorte não termos amputado eles. — Felipe respondeu — Eu insisti para que não fizessem isso, porque temo pela minha segurança.
— Que merda…
— Vamos dar uma volta, a primeira parada é a cozinha, pela sua aparência você está precisando muito comer algo.
André não falou nada, apenas levantou-se e andou com dificuldade em direção à porta. Felipe lhe apontou a direção a ser seguida, e os dois saíram lado a lado pelo corredor, sem trocar uma única palavra.
O pobre garoto de cabelos castanhos desgrenhados, e aparência subnutrida chegou à cozinha salivando, comendo tudo que conseguia. Aos poucos sentiu suas forças retornarem, mesmo que seus braços quase não se movessem e suas mãos permanecessem fechadas.
André sentia muita dor ao movimentar seus braços, mesmo assim precisava deles para levar a comida para a boca. Seu orgulho de guerreiro não o permitia aceitar ajuda, principalmente de Felipe, seria humilhante demais.
— Sabe… Esse mundo é bem diferente do mundo onde estávamos. — Felipe puxou conversa — Aqui não existe magia, é a tecnologia que realmente importa, inclusive temos uma equipe trabalhando em uma forma de criar uma chave que possa abrir a porta por esse lado. Talvez em dois anos…
Antes que o rapaz sorridente pudesse terminar sua frase, André interrompeu:
— Preciso que você chame os outros, o mais breve possível.
— O QUÊ? — Felipe estava tão espantado que acabou gritando – Alguns deles te querem morto, lembra?
— Não ligo. — A expressão de André era séria — Tem algo mais importante do que briguinha de crianças que precisamos discutir.
— De que tipo…? — Perguntou Felipe enquanto mastigava um biscoito.
André não respondeu, apenas continuou comendo. Felipe respirou fundo para não dar um soco no pobre esfomeado, apesar de ser conhecido como o mais paciente dentre os 33, Felipe sempre conseguia perder a paciência com André.
— Tá. — Felipe falou e depois suspirou — Fica me devendo uma…
Felipe saiu por alguns minutos, e ao retornar para a cozinha encontrou André ainda sentado, terminando de esvaziar um pote de biscoito. Ao entrar no cômodo foi recepcionado com um arroto prolongado.
Felipe ficou alguns segundos assistindo a forma como André virava o pote de biscoitos em direção à boca, mantendo o vasilhame preso entre os dois punhos fechados, e laçando apenas um biscoite por vez. Ele se perguntou se aquilo era habilidade ou desespero.
— Eu mandei uma mensagem para os outros — Felipe disse — Agora vamos esperar e ver quantos estão dispostos a falar com você…
— Obrigado! — André agradeceu baixando a cabeça.
— Você agradecendo? Ha-ha-ha… — Felipe riu com a surpresa — É a primeira vez que eu vejo isso…
Vendo que André já acabara de comer, Felipe o convidou para conhecer a instalação onde estavam, enquanto isso contava a André como encontraram ele em estado de coma meses atrás. Poucos metros após saírem da cozinha, Felipe parou.
— Eles vão querer saber o que é tão urgente para que você os convoque. — Felipe disse em tom sério — Eu não sei se ainda lembra, mas nenhuma reunião que você participou terminou bem. Espero que tenha um bom motivo ou vamos precisar de extintores, para-raios, cabines de isolamento e três quatis albinos.
— Pra quê os quatis? — André perguntou sem virar para Felipe.
— Para mostrar que você sabe o motivo de precisarmos dos outros itens.
André continuou andando, parando após exatos seis passos, virou-se para Felipe, e olhando nos seus olhos disse pausadamente para que não houvesse engano ou necessidade de repetir:
— O Cavaleiro de Prata…
Antes que ele concluísse a frase os olhos de Felipe apresentaram sinal de medo.
—… Ele está aqui — Concluiu André — Tenho provas de que ele de alguma forma conseguiu atravessar.
Felipe deu dois passos para trás, baixou a cabeça, e murmurou:
— Que merda de pesadelo que nunca acaba.
As palavras de Felipe expressavam exatamente o que ele sentia no momento, sua cabeça estava confusa, apesar de ser uma informação simples de entender, era muito complicado de avaliar a situação, ele precisava ponderar por alguns momentos.
— Sei que a informação de que o Cavaleiro de Prata passou para cá traz uma infinidade de possibilidades, e nem mesmo a sua habilidade é capaz de avaliar a situação de forma simples. — André aparentava tranquilidade — Acho que ainda temos tempo, vou explicar tudo quando os outros chegarem.
— Se eles toparem se reunir com você… — Respondeu Felipe, com uma expressão de desânimo — Mas se souberem o motivo creio que todos virão.
— Não quero ter que informar nada para cada um individualmente, prefiro explicar apenas uma vez, além disso, muitos duvidariam das informações se eu não puder provar a verdade.
Ao dizer isso, André se dirigiu ao quarto onde acordou momentos antes. Felipe entendia que ele precisava descansar, e por isso achou importante não incomodar mais.