33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 193
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- Capítulo 193 - Trigésima Nona Página do Diário – parte 1
Trigésima Nona Página do Diário – parte 1
— É sabido que o último rei da Cidade de Pedra escondeu a sala da verdade para que ninguém pudesse encontrar, e só ele sabia onde estava. O mundo inteiro achou que ele havia encontrado uma forma incrivelmente louca de mover uma sala desse tamanho para outro lugar sem chamar atenção. Mas o fato é que ele escondeu dizendo que tinha tirado daqui, e ninguém pensou em procurar onde estava antes.
A explicação de Felipe fazia bastante sentido, um gênio quem teve essa ideia.
— Mas o que tem a ver o cu com as calças? — perguntei.
— Não entendi. — Felipe me encarou.
— Você acabou de dizer que o Haroldo é o cara que fundou o Reino do Leste, mas que provas teria?
— Apenas o fundador sabia o local. — Zita explicou.
— É, André, era só pensar um pouquinho e chegaria nessa conclusão.
— Pensar não é o meu forte, na maioria das vezes os meus planos dão errado…
Me calei. Falar qualquer coisa dentro daquela sala era muito comprometedor.
Enquanto Felipe circulava pelo local, fazendo anotações sobre o que via nas paredes, Zita se aproximou e falou no meu ouvido:
— Então é verdade que me ama!
— Claro que sim, eu não mentiria sobre isso…
— Eu também te amo! — Então ela me deu um beijinho na bochecha e saiu.
Ai, ai… eu poderia ficar ali para sempre.
— Eu gostei desse lugar, — Zita disse enquanto saía com as mãos para trás e queixo inclinado para cima — normalmente você é tão fechado, mesmo comigo, mas aqui você não consegue esconder seus sentimentos.
Isso era verdade.
Desde que cheguei neste mundo, tive que aprender a controlar o que sentia ou fingir que não sentia nada. As poucas vezes que deixei transparecer algo de mim, foi quando deixei meu ódio extravasar.
Não foram bons momentos.
— Não consigo entender isso! — Felipe reclamou — Não parece seguir um padrão, e mesmo usando a minha habilidade, não consigo achar uma dica sequer do que significa…
Ele estava falando dos símbolos estranhos que cobriam as paredes, o teto e até o piso. Na minha opinião, era apenas uma decoração abstrata aleatória, mas Felipe insistiu que era algum tipo de “língua morta”.
Comecei a olhar os símbolos estranhos, percebi que alguns se repetiam, mas Felipe já devia ter percebido desde o começo. Algo me era familiar naquilo, no entanto, não lembrava de ter visto em lugar nenhum.
Resolvi cutucar Felipe. Ele havia dito que no lugar onde estávamos era impossível mentir. Testei, era verdade. Então era um bom lugar para pôr o papo em dia.
Se bem que a chance maior era de que eu acabaria falando demais.
Não custava testar. Sem contar que seria uma boa forma de treinar minha língua para não falar nada desnecessário. Poderia, inclusive, aprender um pouco com a forma que Felipe falava.
— E se isso for apenas um monte de desenho feito por uma criança? — Questionei Felipe.
— Não há possibilidade. — Ele explicou — Os formatos são muito regulares para não terem sido criados por uma mesma pessoa.
— E se foi alguém com um tipo de forma ou carimbo?
— Por qual motivo uma pessoa faria isso?
— Pra zoar… sei lá.
— Essa é a sala da verdade. Seja lá que informação esteja escondida aqui, não pode ser mentira ou “zoeira”. Entendeu?
— Entendi…
Então havia uma informação. E Felipe queria descobrir qual era. Eu também queria… Então precisava continuar enchendo o saco dele.
— Como descobriu o que eu ia fazer? — perguntei — Digo, eu não tinha planejado praticamente nada…
— Padrões! — Felipe respondeu, e como viu que eu não estava satisfeito, completou — Você nunca planejou nada, ou ainda, quando planejou, deu muito errado. Nesses casos, quando a pessoa age mais por instinto do que pela razão, as possibilidades são muito restritas.
— Vou fingir que entendi. — comentei.
— Eu calculei os lugares onde você poderia atacar e mandei heróis para cada um desses lugares. Não importava qual escolha fizesse, você daria de cara com um de nós.
— Muito esperto! — Eu achava isso mesmo, ou não teria conseguido falar — Se não fosse por meu surto psicótico, que quase me matou, não teríamos conseguido recuperar a cidade de Parva.
— Eu sei. Mas a cidade nunca foi o objetivo.
— Ou seja, de qualquer forma, você venceu. — Estendi a mão em forma de respeito.
— Eu não acho que tenha vencido. — Felipe se recusou a retribuir o gesto.
— Muitas pessoas do meu lado morreram. A maioria delas nunca teve escolha nenhuma sobre sua própria vida. Eu só queria dar a elas um pouco de liberdade, e você me impediu. Eu vejo isso como uma derrota total.
— Isso é como você vê, não significa que seja uma verdade absoluta.
— Então a verdade é relativa? — Questionei.
Considerando que estávamos em um lugar onde apenas a verdade poderia ser dita, então estávamos a um passo de uma resposta filosófica.
— A “verdade” é aquilo que acredita. — Felipe suspirou, possivelmente queria me esmurrar — Zita, me responde uma coisa.
— Claro. — Zita se aproximou.
— Qual o sentido da vida?
— Não sei. — Zita deu de ombros.
— É isso. — Felipe voltou o olhar para mim — A verdade de cada um é aquilo que ele acredita como sendo a verdade. Não que seja a exata realidade. Compreende?
— Acho que sim. — Respondi, ainda confuso.
— Qual seu nome?
— André Lima.
— O que você lembra de antes de chegarmos a esse mundo?
— Não lembro de nada. Minha memória mais antiga é de estarmos todos naquele campo do Reino de Prata.
Felipe sorriu e se afastou. Finalmente entendi o que ele queria dizer. Mesmo em uma sala onde apenas a verdade poderia ser dita, não havia como encontrar respostas que não já estivessem em nossas mentes.
Considerei aquela como a segunda vitória dele sobre mim.
Já que eu não era inteligente o suficiente, pelo menos poderia ajudar a copiar os padrões do local. O que levamos duas semanas para fazer. Foi tipo acampar, só que em uma ruína histórica cheia de mistério, magia e insetos.
Foram longos quatorze dias tentando descobrir o que era aquilo. Depois do terceiro dia eu já nem me importava mais. Aproveitava a primeira vez em anos que estava relaxado.
Mas nem tudo são flores…
— Ai droga! — Felipe disse, quase sem voz.
— O que foi? — Zita se aproximou.
— Entendi o padrão! — Felipe comemorou — Não é uma escrita, mas a junção de dois ou três padrões. As figuras maiores separam cada parte, as menores são chaves de decodificação para cada segmento, e a parte em baixo relevo indica o sentido a ser lido… Aqui, por exemplo, é de baixo para cima, e aqui, da esquerda para a direita…
Achei melhor fingir que estava entendendo.
— Tá, e o que acha que está dizendo? — perguntei, sem conseguir disfarçar a curiosidade.
— … chaves que abrem as portas de um outro mundo… sete… não, é ao contrário! — Felipe falava consigo mesmo — Existem sete chaves que abrem “portas” para outro mundo!