33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 164
Os Deuses
Havia silêncio.
Muita poeira cobria toda a região e a pouca luz que conseguia atravessar a nuvem de escuridão que tapava o céu, chegava à terra tão efêmera que parecia que tudo aquilo era apenas uma penumbra.
E tinha a dor.
Jonas tentou se levantar apenas para sentir que suas pernas não o obedeciam. Seus braços ainda estavam inteiros, mas pareciam pesar uma tonelada, e seus pulmões estavam queimando por dentro, fazendo com que espirar se tornasse uma tortura.
Pelo menos ele estava vivo.
Se não tivesse feito camadas praticamente infinitas de barreiras em torno de si alguns minutos antes, não haviam dúvidas que a merda da bomba que Wagner criou teria o levado junto.
Que o herói das armas tinha morrido com aquilo, não haviam dúvidas, mas ainda restava saber se tinha matado Ritter e Jafah. Talvez Ritter tivesse morrido, Jonas tinha fé, agora acreditar que Jafah morreu tão fácil era outra história.
Se Jafah era mesmo o Deus Guardião, ele seria capaz de se proteger também. Isso era importante de saber, então Jonas precisava ter certeza logo ou tudo aquilo teria sido em vão.
— Olha quem ainda está vivo! — A voz de Jafah veio do meio daquela poeira toda — É bom saber que os covardes sempre encontram uma forma de sobreviver, né?
Jafah surgiu andando devagar, dando a Jonas tempo de observá-lo com atenção. A armadura prateada havia sido eliminada praticamente toda, restando apenas o peitoral e uma das pernas. Também faltavam um braço e um olho, ambos do lado esquerdo.
Apesar de estar de pé, a situação de Jafah não era melhor do que a de Jonas. Os dois haviam sofrido muito dano com a explosão causada por Wagner, a ponto de estarem praticamente à beira da morte.
Jonas esperou que Jafah atacasse, mas o homem se um braço ficou apenas parado e olhando para o nada como se esperasse algo.
— Jafah! — Uma voz rouca veio do lado de Jonas — Você está péssimo.
Jonas virou o rosto viu um homem que aparentava ter cerca de quarenta anos e usava uma aradura de couraça com saiote parado ao seu lado. Não se sabia quando ele chegou ali, mas devia ser o motivo para Jafah estar agindo mais estranho que o normal.
— Os filhos do vazio vieram me ver? — Jafah perguntou com uma voz cansada.
— Você nos traiu uma vez, Jafah. — Uma mulher de cabelos encaracolados disse, surgindo também do nada logo atrás de Jafah — Viemos cobrar.
— Lithy, quanto tempo? — Jafah cumprimentou a mulher — Você também, Brahat. Se importam se eu perguntar onde está o terceiro?
Jafah perguntou a última parte olhando para outras duas pessoas que surgiam, dando a entender que não era nenhum deles. O primeiro era um homem musculoso sem camisa, exibindo seu peitoral grande e peludo. E tinha uma mulher de cabelos escuros que usava uma túnica longa e branca.
— Nós quatro viemos até aqui para lidar com você. — O homem se camisa disse — mas do jeito que está, apenas o Brahat é suficiente.
Então houve um estrondo junto a uma luz muito forte. Foi apenas um lampejo, tão rápido que Jonas não conseguiu acompanhar. Algo desse nível estava acima dos heróis, o que fez o herói das barreiras tremer.
Eram aqueles os deuses?
A mão do homem de couraça atravessou o peito de Jafah como se o restante da armadura não existisse. Raios azuis dançavam em seus dedos e corriam pelos seus braços, seus olhos agora pareciam dois faróis de LED.
Não houve tempo para o Deus Guardião reagir.
Comparado com aquilo, Leonardo não passava de um aprendiz. Não houve brechas ou falhas no ataque, não tinha nenhum movimento desnecessário, não teve perda de tempo. Jonas finalmente conheceu a diferença entre humanos e deuses.
Puxando seu braço rapidamente, o homem deixou um buraco no corpo de Jafah, que permanecia com a expressão horrorizada de quando foi atacado. As forças pareceram faltar nas pernas do Cavaleiro de Prata e ele caiu de joelhos com seu corpo sendo banhado no próprio sangue.
— Você está fraco, Jafah. — O homem de couraça disse — Esse é o seu fim.
— E pensar que o primeiro herói acabaria assim. — A mulher de cabelos encaracolados comentou — De joelhos perante aqueles a quem ele teve a ousadia de trair.
— Vai morrer de uma forma tão patética quanto seu plano de tentar ser o ser supremo desse mundo. — O cara sem camisa falou — Conseguiu se ferrar, nos ferrar, ferrar com o guardião e ainda ferrar com metade da existência desse mundo.
Aquela frase chamou a atenção de Jonas, que não conseguiu evitar de encarar o deus sem camisa.
— O que foi, moleque? — Ele pareceu ter notado Jonas o encarando — Não sabia que esse cara aqui ferrou com esse mundo? Por acaso nunca percebeu que só existe um continente? Adivinha o que aconteceu com o resto.
Jonas não fazia ideia de que o deus sem camisa falava, mas parecia ser algo muito sério.
— Deixa eu te contar. — O deus esquisito continuou — Quando tivemos a imbecil ideia de prender o guardião desse mundo, graças aos planos fodidos do Jafah, dois continentes inteiros foram obliterados. Foi lindo de ver, mas nós fizemos a porra de dois CONTINENTES INTEIROS desaparecerem. E tudo porque confiamos desse imbecil que está morrendo aqui na sua frente.
— Morrendo…? — Jafah perguntou.
— Não percebeu, Jafah? — O deus de couraça o questionou — Não me diga que não notou a falta de algo muito importante: a nossa imortalidade.
— O que nos tornava “deuses” não existe mais. — A mulher de cabelos escuros finalmente falou — O “Fênix” não veio. Ele guardou o que sobrou da joia da vida quando Haroldo passou a perna em todos nós, sem ele somos apenas um bando de humanos com superpoderes.
— E eu duvido muito que ele venha. — O deus sem camisa disse — Ele era contra tudo isso desde o começo.
— Será bom podermos nos matar. — O de couraça rosnou em meio a um sorriso maníaco — Tenho umas pendências a resolver com velhos amigos…
Então todos pareceram congelar. No meio deles surgiu uma sombra escura arrodeada de uma espécie de fumaça acinzentada. Jonas sabia que já tinha visto aquilo em outras ocasiões, era o poder de André.
— Rancor… — Ele murmurou.
Em vez de André, quem surgiu no meio da névoa foi um jovem de olhos puxados e uniforme camuflado. Estava tonto e segurava uma tocha apagada com as duas mãos.
No segundo seguinte os olhares se voltaram para o ledo direito de Jonas, onde André apareceu. Ele andava cambaleando e não piscava, estava ainda mais assustador do que Jonas lembrava.
— Cuidado… — Jonas disse a André — Eles são deuses.
— Deuses? — André olhou eles com desdém — Esperava algo mais… divino. Só o que vejo são uns caras velhos e poderosos, nada que se compare ao Guardião desse mundo.
— Conhece o Guardião? — O deus com a armadura de couraça perguntou — Achei que a existência dele tivesse se tornado uma lenda depois de tanto tempo.
— Eu libertei ele um tempinho atrás. — André disse como se não fosse nada — Acho que ele vai adorar bater um papo com vocês…
Jonas viu que André não parou de encarar Jafah desde que chegou. Ele deveria estar chateado por perder sua presa, mas não havia mais nada a ser feito. Ou havia?
Então os deuses desapareceram.
Assim como chegaram, ele simplesmente se foram. Se aviso, sem som ou qualquer indício de que estiveram ali, a não ser o corpo sem vida de Jafah, que morreu como o covarde que sempre foi.
André caminhou até o lado do corpo de Jafah, cortou a cabeça do cadáver com uma lâmina de Rancor, que apareceu e desapareceu em segundos, e depois esmagou pisando em cima.
— Uma morte sem honra para um deus sem caráter.
Jonas sorriu. Ele sabia que André odiava Jafah, e agora que o infame Cavaleiro de Prata estava morto, ele seria o alvo principal. Diferente do coreano que parecia uma vara verde de tanto que tremia, Jonas estava calmo.
Ele havia aceitado seu fim.
— Fez um bom trabalho aqui. — André parou de frente a ele, encarando com aquela expressão fria.
— Eu só segurei eles, foi o Wagner quem mudou a decoração do lugar. — Jonas respondeu com um risinho.
— Sabe o que vem agora, né?
— Eu morro.
— Não está com medo?
Ele deveria estar com medo? Não era normal estar apavorado diante do fim de sua vida? Então por que Jonas se sentia tão bem? Talvez fosse seu corpo extremamente machucado que pedia um descanso, mas sua mente sabia que ele cometeu muitos erros, e a melhor forma de pagar era morrendo.
—Apenas faça. — Jonas disse.
— Se arrepende de algo? — André começou a criar uma espada com a névoa de Rancor.
— Me arrependo de tudo, exceto do meu amor por Esmeralda.
— Direi a ela. — André parecia estar falando sério.
Uma névoa escura começou a sair do corpo de André e foi em direção a Jonas. Ele já tinha visto aquilo muitas vezes, mas nunca daquela forma.
A névoa envolveu seu corpo e o levantou até que ele ficasse de frente a André, seus olhos estavam no mesmo nível pela primeira vez em quase treze anos. Jonas não entendia porque André fez aquilo.
— Você viveu como um covarde. — André disse — Vou te dar a chance de ao menos morrer como um homem. Morrer como um herói de verdade, de pé e encarando o seu maior inimigo.
Jonas sorriu. Seu corpo estava debilitado demais para conseguir dar uma resposta. Ele morreria de uma forma ou outra, mas André deu a ele a chance de ter uma morte digna.
Pela primeira vez em sua vida miserável, Jonas entendeu o que significava ser um herói.
A lâmina de Rancor atravessou o peito de Jonas tão fácil que parecia estar cortando manteiga. O mais covarde entre os heróis recebeu o golpe final com um sorriso calmo, em poucos segundos seus olhos se fecharam e sua cabeça pendeu sem vida.
Em seu último suspiro, Jonas desejou que, se tivesse uma nova chance, queria ter a oportunidade de fazer as coisas da forma certa. Se os deuses não fossem tão perversos, ele e André teriam sido amigos até. Quem sabe em uma próxima vida…